53826 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DO MOVIMENTO DE AIDS NO SUS: A TRAJETÓRIA DE UM ATIVISMO INSURGENTE NO EIXO SÃO PAULO - RIO DE JANEIRO RENATO BARBOZA - INSTITUTO DE SAÚDE - SES/SP, ALESSANDRO SOARES DA SILVA - ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES - USP
Apresentação/Introdução No país, desde o final da década de 1970, o Movimento Homossexual Brasileiro (MHB), em especial, o grupo Somos “Grupo de Afirmação Homossexual” e o grupo “Outra Coisa”, desempenharam um papel estratégico para a mobilização social e política desta comunidade. A capilaridade do MHB foi essencial para pavimentar as respostas comunitárias e de enfrentamento ao HIV/Aids na década de 1980, quanto às ações de incidência política que culminaram nas primeiras respostas governamentais implantadas no âmbito das Secretarias Estaduais de Saúde, inicialmente em São Paulo, e posteriormente no Rio de Janeiro.
Nessa perspectiva, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da década de 1990, a participação popular e o exercício do controle social se constituíram como um diferencial no processo de implementação das políticas e das ações voltadas ao controle do HIV/Aids. Destarte, o papel protagonizado pela sociedade civil organizada, por meio dos diversos coletivos e das Organizações Não Governamentais (ONGs) engajadas no enfrentamento do HIV/Aids e sua relação com os agentes estatais nos colegiados formais do SUS são um tema estratégico e relevante na contemporaneidade para a gestão no campo interdisciplinar da saúde coletiva.
Objetivos Analisar a produção da identidade coletiva dos ativistas do movimento social de Aids no eixo São Paulo – Rio de Janeiro, quanto à participação e o exercício do controle social da política de Aids implementada no SUS, no período de 1980 a 2023.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa de doutorado no campo da Psicologia Social, delineada como um estudo exploratório, descritivo, retrospectivo, transversal, ancorado na abordagem qualitativa. O protocolo do estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. A coleta dos dados baseou-se em 29 entrevistas semiestruturadas e em profundidade com ativistas do movimento social de Aids paulista e fluminense. As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à técnica de análise de conteúdo (Bardin, 1979). Analisaram-se as narrativas à luz do referencial teórico metodológico do Modelo Analítico da Consciência Política, constituído por sete dimensões, sistematizado por Salvador Sandoval (2015), no campo interdisciplinar da Psicologia Política. Particularmente, elegemos a dimensão da identidade coletiva como categoria e elemento estruturante da análise. Adicionalmente, compilamos e procedemos à análise documental da linha do tempo do movimento social de Aids e LGBT+, organizada em seis momentos complementares, a saber: 1º) 1978 a 1982; 2º) 1983 a 1991; 3º) 1992 a 2002; 4º) 2003 a 2017; 5º) 2018 a 2020; e 6º) 2021 a 2023.
Resultados e Discussão As “movimentações” do movimento social de Aids, apreendidas na linha do tempo e nas narrativas, demonstrou que a institucionalização das ONGs na década 1980 definiu as bases do movimento, além da emergência de atores sociais alinhados ao “ativismo de urgência”. Posteriormente, os Fóruns Estaduais de ONGs, pioneiros em São Paulo e Rio de Janeiro, fortaleceram a capilaridade do ativismo sociopolítico na luta pelo direito à saúde das pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA), alinhada à Constituição de 1988. O arranjo institucional mais recente se referiu à atuação em redes identitárias, inicialmente, a Rede Nacional de PVHA, seguida pelas Cidadãs Posithivas, os Adolescentes e Jovens e finalmente as Pessoas Trans.
A cronologia revelou a institucionalização da resposta sociopolítica e sanitária no enfretamento da Aids, marcada pelo incremento das interfaces entre ativistas e atores governamentais nas três esferas de gestão na década 1990.
Desde 1989, os Encontros Nacionais de ONGs Aids são o principal lócus de deliberação política e indicação aos colegiados do SUS. Não obstante os avanços, a análise evidenciou vulnerabilidades no papel dos delegados e disputas de poder produtoras de tensões entre ONGs, fóruns estaduais e redes identitárias.
As narrativas sublinharam angústias quanto à sustentabilidade do movimento, dado o envelhecimento dos ativistas, a falta de quadros técnicos, a formação e renovação de lideranças, particularmente, adolescentes e jovens vivendo com HIV. A participação e o controle social apresentaram lacunas e desafios, com baixa participação nos conselhos e conferências de saúde, sobretudo nas esferas municipais e estaduais, e deficiências na formação política. Ademais, explicitaram o desinteresse das PVHA pelos conselhos gestores das unidades de saúde.
Conclusões/Considerações finais Os achados da pesquisa corroboraram o pressuposto de que identidade coletiva dos ativistas das diferentes gerações do movimento social de Aids nos estados de SP e RJ incidiu politicamente na organização e no processo de participação e controle social da política de Aids no SUS.
Nos dois cenários, os ativistas vocalizaram tensões na interação sociopolítica, acirrada pelo recorte geracional, na legitimação dos saberes e das experiências acumuladas dos atores, na definição das prioridades da agenda, bem como na implementação e continuidade das ações coletivas protagonizadas pelo movimento nas suas diversas facetas.
As evidências demonstraram que as gerações do movimento conjugam experiências, saberes e tecnologias sociais oriundas tanto do ativismo “clássico”, produzido nas décadas de 1980 e 1990, quanto do ciberativismo, a partir dos anos 2000. Sublinha-se que o incremento do ativismo digital foi essencial no desenvolvimento das redes identitárias e na capilaridade das ações.
Referências Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Sandoval, S. A. M. (2015). A Psicologia Política da crise do movimento sindical brasileiro nos anos 1990: Uma análise da consciência política num momento de desmobilização. In A. S. Silva & F. Corrêa (Orgs.), No interstício das disciplinaridades: a psicologia política (pp. 175-217). Curitiba: Prismas.
Fonte(s) de financiamento: Não houve.
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