Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC3.2 - Regulação de sistemas de saude e vigilancia sanitaria na garantia de acesso e qualidade no SUS

54390 - O TAMANHO DA BRECHA: COMPARAÇÃO ENTRE O TETO DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS E OS PREÇOS PRATICADOS EM FARMÁCIAS
MARINA DE ALMEIDA MAGALHÃES - IDEC, WYLLIAM EDUARDO ALVES DA SILVA - IDEC, MARINA ANDUEZA PAULLELLI - IDEC, LUCAS SALVADOR ANDRIETTA - IDEC


Apresentação/Introdução
O preço é um dos principais determinantes estruturais do acesso a medicamentos no Brasil. Em 2003, na busca de regular o mercado de medicamentos, evitar práticas abusivas de precificação e incentivar a inovação e a introdução de novos produtos no mercado, foi criada a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), responsável por estabelecer critérios para a fixação e ajuste de preços de medicamentos no Brasil. A partir disso, todos os novos medicamentos registrados no país, para serem comercializados, passaram a ter de ser submetidos à CMED, para fixação de um preço teto máximo. A implementação desta regulação foi muito efetiva para frear a trajetória de crescimento vertiginoso e injustificado de preços até o início dos anos 2000, gerando estabilidade no mercado nos anos seguintes. Contudo, há sólidas evidências na literatura de que os critérios adotados para determinar preços de entrada permitem que o teto seja fixado muito acima dos preços efetivamente praticados no mercado, sem que os fatores posteriores de reajuste permitam corrigir esta discrepância. A pesquisa se propõe a dar continuidade à coleta destas evidências e das práticas abusivas recorrentes que decorrem deste problema regulatório.

Objetivos
Objetivo geral: levantar evidências sobre preços de medicamentos e práticas de desconto no varejo farmacêutico no Brasil, buscando compreender de que forma estão de acordo com a política regulatória e a legislação consumerista.
Objetivos específicos: comparar os preços cobrados na farmácia com o preço máximo da CMED e quantificar e qualificar descontos concedidos mediante concessão de CPF.

Metodologia
A pesquisa tem natureza qualitativa e se baseou na coleta telefônica de dados primários de preços de medicamentos praticados por farmácias na cidade de São Paulo em fevereiro de 2024. A pesquisa compreende vinte medicamentos, selecionados por uma combinação de critérios considerando: condições de saúde com maior prevalência epidemiológica na população e mercados relevantes segundo classe terapêutica (Souza, 2020). Para cada um dos medicamentos pesquisados, foram consideradas as apresentações e marcas mais frequentes no mercado. Foi utilizada como fonte secundária do trabalho a lista de preços de medicamentos da CMED referente ao mês de março de 2024, considerando a referência do Estado de São Paulo.
Para análise comparativa dos dados primários e secundários, foi calculada a diferença, em valores reais (R$) e em porcentagem (%), entre os preços médios calculados e os preços-teto da CMED. No caso dos medicamentos genéricos, que têm preços-teto variados de acordo com a fabricante detentora do registro, foi considerado como preço-teto a média simples dos PMC estabelecidos para cada uma das fabricantes cujo genérico tenha sido incluído na pesquisa).

Resultados e Discussão
Entre os medicamentos de marca, mesmo antes da aplicação do desconto, a diferença média entre valores praticados e o preço máximo na regulação foi de 37,82%. A diferença média entre os PMC médios e os preços efetivamente praticados para medicamentos genéricos foi de 20,89%, menor do que aquela verificada para os medicamentos de marca.
Considerando os descontos concedidos com base na coleta de dados pessoais, a diferença em relação ao teto da CMED aumenta de forma significativa: entre os medicamentos de marca, a diferença média é de 71,63%, mais do que o dobro do que a sem desconto, com a maior delas chegando a 511,58%. No caso dos medicamentos genéricos com desconto, há um aumento ainda maior da diferença, saltando para 115,52%.
Para além dos valores percentuais, é relevante pontuar que, em casos de medicamento de maior valor, o desconto em valor absoluto pode variar de R$59,56 a R$219,97, o que corresponde a, respectivamente, 3,8% e 14,2% do salário mínimo no Estado de São Paulo em 2024.
Diferenças desta magnitude sugerem um descolamento muito significativo entre a regulação da CMED e as práticas de mercado, o que, em última instância, diminui a efetividade da regulação. Na medida em que os preços máximos não refletem a prática do mercado, abrem-se portas para que esta margem seja aproveitada em práticas abusivas como a fixação de preços artificiais para coagir o consumidor a fornecer seus dados em troca de descontos igualmente artificiais, ou a elevação extrema de preços em situações de baixa oferta ou de alta demanda, como foi no caso da pandemia.

Conclusões/Considerações finais
Foi possível verificar que a distância entre o teto de preços de medicamentos fixado pela CMED e o valor praticado no varejo farmacêutico continua existindo em patamares muito elevados, de forma similar à já descrita anteriormente na literatura. A regulação sob o modelo price cap, ainda que seja positiva e necessária para o mercado de medicamentos, contém limitações que impedem o pleno cumprimento do objetivo de promover acesso por meio de mecanismos que estimulem a oferta e competitividade no setor. Isso se deve aos preços-tetos extremamente elevados, relacionados aos critérios utilizados pela Câmara para fixá-los e à falta de transparência do setor farmacêutico, e aos desafios de fiscalização da efetiva prática do mercado. A pesquisa também reforça achados que apontam para o aproveitamento, por parte das farmácias, dessas brechas regulatórias para fixar preços inflacionados e, ao fazê-lo, coagir o consumidor a fornecer dados pessoais em troca de descontos artificiais.

Referências
DIAS, L. L. S.; SANTOS, M. A. B; PINTO, C. B. S. Regulação contemporânea de preços de medicamentos no Brasil - uma análise crítica. Saúde em Debate, v. 43, n. 121, p. 543–558, 2019.
Idec. O tamanho da brecha: Comparação entre o teto de preços de medicamentos da Cmed e os efetivamente praticados em compras públicas e em farmácias. mar 2023.
MIZIARA, N. M.; COUTINHO, D. R. Problems in the regulatory policy of the drug market. Revista de Saúde Pública, v. 49, n. 0, 2015.
ROSSI, A. O que a farmácia sabe sobre mim? UOL, 2023.
SOUZA, C. M. A. A regulação do preço dos medicamentos genéricos no Brasil. Dissertação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
SOUZA, C. M. A.; PARANHOS, J.; HASENCLEVER, L. Comparativo entre preço máximo ao consumidor de medicamentos e preços praticados na internet no Brasil: desalinhamentos e distorções regulatórias. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 11, p. 5463–5480, 2021.

Fonte(s) de financiamento: Instituto de Defesa de Consumidores - Idec


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