Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC3.1 - Desafios da regionalização e governança regional do SUS

51497 - ANÁLISE DO DISCURSO DO CONASS E CONASEMS DURANTE A CRISE DA COVID-19
MATHEUS BRANCAGLION - UFRJ


Apresentação/Introdução
Enquanto a literatura preconiza a necessidade da cooperação e coordenação nas políticas, – sendo a saúde, a partir do SUS, um notório exemplo –, os últimos anos impuseram sucessivos abalos a esse arranjo, com, sucessivamente: i) crescente descoordenação por parte do Ministério da Saúde nos últimos dez anos; ii) um “federalismo bolsonarista”; e iii) a emergência da crise sanitária da Covid-19.
Os secretários de saúde ganham relevância na governança em saúde a partir do paradigma da descentralização. Ressalta-se que as agremiações de secretários, Conass e Conasems, não são órgãos da administração pública propriamente, possuindo personalidade jurídica de direito privado, como associações civis sem fins lucrativos.
Durante a vigência da Espin do coronavirus, os conselhos emitiram 67 notas ao público. Com pressuposto de que o próprio discurso político é uma forma de ação afasta-se a ideia de que tais documentos sejam ineficazes. Ainda que não tenham o poder vinculante, segundo a estrutura jurídica, de dispositivos normativos, operam significativamente na arena política, ainda que na não menos importante esfera simbólica. Adota-se como pressuposto que tais notas possuem ampla capacidade de agenda-setting da mídia, e, portanto, chegam aos olhos e ouvidos dos cidadãos – e eleitores. Além disso, funcionam como orientação interna aos gestores subnacionais da saúde.

Objetivos
Objetiva-se compreender como se deram as relações intergovernamentais nas políticas de resposta à crise sanitária, a partir dos posicionamentos dos secretários, especialmente na interação a outros agentes, sendo o principal o executivo federal. Para tal, serão individualmente analisadas as notas emitidas pelo Conass e Conasems, extraindo posicionamentos e menções a outros atores federativos, buscando as relações de contraposição ou alusões positivas.


Metodologia
Será realizada análise de discurso da notas emitidas pelo Conass e Conasems no ínterim da vigência da Espin. São publicações discricionárias, ou seja, não são produtos burocráticos, resultado de uma imposição administrativa/legal. Por isso, são formas de manifestação de discurso político; um espaço para demarcações de intencionalidades. O discurso coloca o agente em determinada posição no campo político em relação a outro agente concorrente.
Na análise, serão destacados os posicionamentos adotados e relações de contraposição, apoio ou chamamentos dos secretários estaduais e municipais em relação ao governo federal, nas ações de enfrentamento à Covid, bem como realizadas tabulações sobre os assuntos principais e datas de publicação.
A disponibilização pública das notas e de alguns ofícios, nos websites oficiais dessas instâncias, será adotado com o pressuposto de que tais documentos também são direcionados ao público, seja através da imprensa, pela capacidade de agendamento – isto é, tornar-se fonte para uso da mídia na construção de notícias.



Resultados e Discussão
Comparativamente, o Conass publicou mais notas, de teor combativo e político mais intenso. O Conasems, em geral, publicou mais notas técnicas, orientando gestores municipais, especialmente sobre critérios técnicos em execuções orçamentárias. O ritmo de publicação de notas variou ao longo da vigência da Espin. 30% foram produzidas logo nos primeiros meses. Percebe-se que a troca ministerial e os avanços da vacinação foram momentos importantes. A classificação ressaltou os assuntos “relações intergovernamentais”, “financiamento” e “vacinas” em, respectivamente, 58%, 24% e 24% da notas. O pedido por uma resposta coordenada a nível federal sobre medidas de enfrentamento, foi intensamente presente nas primeiras notas.
Quanto à forma, por vezes as notas são posicionamentos ao público e à imprensa, algumas outras são orientações internas, aos gestores (especialmente as emitidas pelo Conasems). Algumas eram replicadas na imprensa (capacidade de agenda-setting).
A análise revela que diversos momentos de conflitos entre a União e entes federativos se dava especialmente com aqueles que implementaram medidas de contenção ao coronavírus, sendo o caso principal o estado de São Paulo.
As relações intergovernamentais entre governo federal e governos subnacionais que se travaram no decorrer do enfrentamento à crise pandêmica, ictu oculi, foram demarcadas pelo conflito, quando se foca na Presidência. Quando outros atores e os diferentes momentos durante a vigência da Espin são considerados, a complexidade aumenta a ponto de impossibilitar a taxatividade na conflituosidade ou no cooperativismo. Exemplo é a sinergia encontrada entre os conselhos de secretários de saúde subnacionais e a Anvisa sobre a vacinação de crianças.


Conclusões/Considerações finais
Os conselhos se mostraram engrenagens importantes da burocracia e da governança em saúde sob o SUS. Adicionalmente, se manifestaram enquanto players políticos, influenciando intencionalmente a agenda pública através do discurso em suas notas e documentos publicados. Apesar disso, há a carência de uma bibliografia que analise esses atores de forma sui generis, ainda limitada, em grande parte, a publicações institucionais.
Em suma, conclui-se que o discurso político dos secretários estaduais e municipais de
saúde, a partir dos posicionamentos públicos dos seus conselhos representativos, confirmam achados da literatura no sentido de que a condução do enfrentamento à pandemia se pautou em relações intergovernamentais conflitivas, mas sem descartar coalizões contextuais.


Referências
ABRUCIO, FL et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. RAP, 54, 2020.
ARRETCHE, M.. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. SP em Perspectiva, 18, 2,2004
BAHIA, L; COSTA, NR; STRALEN, Cv. A saúde na agenda pública: convergências e lacunas nas pautas de debate e programas de trabalho das instituições governamentais e movimentos sociais. Ciência & Saúde Coletiva, 12, 2007.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 1989.
CARVALHO, ALB et al. Os governos estaduais no enfrentamento da Covid-19: um novo protagonismo no federalismo brasileiro? Saúde Debate, 46, 2023
CHARAUDEAU, P. Discurso político. 2011.
CONASS. CONASS Debate – Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde. 2016.
LIMA, LD. A coordenação federativa do sistema público de saúde no Brasil. 2013
SOUZA, C. Coordenação de políticas públicas. 2018.


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