50340 - DESAFIOS DA REGIONALIZAÇÃO NO SUS: IDENTIFICANDO ELEMENTOS TOTALITÁRIOS NAS RELAÇÕES FEDERATIVAS SILVIA KARLA AZEVEDO VIEIRA ANDRADE - UEL, FERNANDA DE FREITAS MENDONÇA - UEL
Apresentação/Introdução Quando Hannah Arendt apontou que a dignidade humana necessitava uma nova garantia, a partir de novos princípios políticos, tendo limitado e controlado o poder, ela se referia aos danos irreversíveis deixados pelo totalitarismo na sociedade contemporânea, após a Segunda Guerra Mundial (Arendt, 2013). Suas reflexões alcançam os tempos atuais e impactam nos desafios para a política de saúde no Brasil.
O totalitarismo se caracteriza pelo excesso de hierarquia nos diferentes modos de exercício do poder e as relações totalitárias são produzidas por meio da sobredependência (Elazar, 1995; Srour, 1998). Intenções marcadas pelo totalitarismo tendem a suprimir a capacidade humana de produção de conflitos como meio para a solução de problemas sociais, produzida pela participação democrática (Melucci, 2001). Chaui (2019) afirma que em tempos em que o poder político é tomado pelo poder econômico, o neoliberalismo é o novo totalitarismo.
Com isso, a regionalização coloca-se ao centro no avanço da política de saúde, sendo marcada por elementos organizaram a gestão e o planejamento em saúde. Porém, podem ser percebidos sinais de totalitarismo nas relações federativas, impactando frontalmente na consolidação desse processo. Diante disso, emergem questões acerca da existência de elementos que impedem o fortalecimento das relações dialógicas e a consolidação da regionalização no SUS.
Objetivos Neste sentido, este estudo objetiva analisar criticamente o processo de regionalização do SUS, a partir dos elementos do totalitarismo na relação governamental entre os entes. Como objetivos específicos, o trabalho se propõe a identificar os elementos totalitários presentes nos espaços formais e informais de deliberação entre gestores do SUS e analisar os efeitos do totalitarismo no processo de regionalização.
Metodologia Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e natureza exploratória, que foi desenvolvido tendo como uma de suas estratégias a realização de entrevistas. O local de estudo é uma região de saúde da Macrorregião Norte do Estado do Paraná, composta por uma população de cerca de um milhão de habitantes. Os informantes-chave foram os gestores municipais representantes de municípios de grande, médio e pequeno porte, além de representantes das equipes de gestão estadual, dirigentes técnicos de consórcios e assessores técnicos do colegiado secretários de saúde no estado.
As entrevistas foram gravadas e transcritas em sua integralidade. Foi disponibilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos participantes. A análise dos dados foi realizada por meio de análise de discurso, segundo Martins e Bicudo (1989), a partir das etapas ideográfica e nomotética, para atribuição de significados às unidades extraídas a partir do discurso. A pesquisa seguiu os critérios da Resolução CNS n.° 466/2012, que estabelece diretrizes para a realização de pesquisas com a participação de seres humanos e teve parecer do Comitê de Ética em Pesquisa favorável à sua realização.
Resultados e Discussão Foram encontradas 91 Unidades de Significado referentes ao exercício do poder nas relações federativas. Destas, 29 se referiam à existência de elementos autoritários ou totalitários e 23 delas se relacionavam diretamente com a verticalização e a hierarquização das relações entre os entes federados no âmbito do planejamento em saúde e da regionalização no SUS.
Os achados evidenciam elementos de sobredependência entre os entes, em especial por parte do estado junto aos municípios de pequeno porte. Verificou-se que nos espaços formais e informais de tomada de decisões do SUS esses gestores enfrentam o medo da exposição de suas ideias quando contrárias às pautas da gestão estadual, de serem confrontados ou ridicularizados frente aos seus pares, de perder o apoio do estado nas situações específicas de seu município e/ou sentimento de que não são potentes o suficiente para confrontar. Além disso, as evidências mostram que há situações de silenciamentos e de predileção e seletividade na participação em grupos de trabalho, onde são convidados aqueles que não oferecem resistências para aprovação de temas importantes para a gestão estadual.
A realidade desvelada pelo estudo mostra que a hierarquização desses espaços impede que a regionalização avance e encontre novos caminhos para sua consolidação. Ainda assim, o governo estadual encontra apoio por parte dos gestores deste mesmo território para a reeleição de mandato e para a continuidade de políticas construídas de forma verticalizada pela equipe gestora estadual. Neste sentido, Arendt (2008) indica que o totalitarismo pode ser combatido, mesmo que não compreendido, de forma que compreender é uma atividade interminável, um processo complexo, uma ação sem fim, que não gera resultados definitivos e inequívocos.
Conclusões/Considerações finais O processo de regionalização do SUS enfrenta sérios desafios devido à presença de elementos totalitários nas relações federativas, caracterizados pela hierarquização e verticalização das decisões. Esses elementos resultam em relações de sobredependência, além de um ambiente de medo e silenciamento que compromete a participação democrática dos gestores locais.
A análise crítica realizada evidenciou que a estrutura atual impede avanços significativos na regionalização, mantendo um ciclo de dominação que favorece a manutenção do poder centralizado. Este estudo contribui para a identificação desses desafios e sugere a necessidade de promover espaços mais democráticos e dialógicos na gestão da saúde. Com isso, as reflexões apresentadas reforçam a importância de revisar as práticas de governança em saúde, buscando romper com as estruturas limitantes, permitindo que a regionalização do SUS se consolide de forma mais cooperativa, equitativa e participativa.
Referências ARENDT, Hannah. Compreender: formação, exílio e totalitarismo; ensaios (1930-1954). Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Neoliberalismo: a nova forma do totalitarismo. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 2019.
ELAZAR, Daniel J. Federalism: an overview. Pretoria: HSRC Publishers, 1995.
MARTINS, Joel; BICUDO, Maria Aparecida. A pesquisa qualitativa em Psicologia. Fundamentos e recursos básicos. 1. ed. São Paulo: Ed. Moraes, 1989.
MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
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