Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.21 - Estratégias e organização de ações para as populações vulnerabilizadas

49623 - O CICLO MANICOMIAL EM UM HOSPITAL DE SAÚDE MENTAL
JOÃO HENRIQUE CORDEIRO - UECE, ISRAEL COUTINHO SAMPAIO LIMA - UECE, HELDER MATHEUS ALVES FERNANDES - UECE, ALLAN CRUZ DA SILVA - UECE, GEISA MARA QUEIROZ DA SILVA - UNIFANOR, DANIELLY CUSTÓDIO CAVALCANTE DINIZ - UECE, CARLA BARBOSA BRANDÃO - UECE, IAGO ALMEIDA DA PONTE - UECE, CIDIANNA EMANUELLY MELO DO NASCIMENTO - UECE, JOSÉ JACKSON COELHO SAMPAIO - UECE


Contextualização
Vinte e três anos após a Lei Paulo Delgado, a Lei 10216/11, que dispõe dos direitos das pessoas com transtornos mentais e regulamenta um processo histórico da luta do Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica-MBRP, ainda ocorre no Brasil um grande número de pessoas que passam por longas permanências e reincidências de internação em hospitais de saúde mental por todo o Brasil (Nunes et al., 2019).
O autor principal deste trabalho narra parte de sua trajetória como profissional de Psicologia em um hospital psiquiátrico público de grande porte que atende todo o estado do Ceará. A experiência se passa em grande parte no setor ambulatorial com usuários diagnosticados com Esquizofrenia paranoide, mas com remissão completa ou quase completa de sintomas psicóticos. O ambulatório atende cerca de cem pacientes por mês e tem um enfoque no acompanhamento farmacoterápico realizado pelos residentes de Psiquiatria supervisionados por preceptores.
Nunes, Torrente e Carvalho (2022) elaboram um conceito que será norteador na construção desse relato, pois nomeiam uma prática velada de institucionalização que o relator percebia em sua experiência, mas que assume agora o dos referidos autores: Circuito Manicomial-CM. O hospital já citado reproduz o CM quando, em seu próprio modo de cuidar, institucionaliza os usuários em consultas pouco resolutivas e com ênfase clínica centrada na doença.

Descrição da Experiência
Esse relato é pautado pela sistematização de experiências de Holliday (2006), e tem a seguinte questão problema: Quais são os modos de cuidado em saúde mental, praticados em um hospital psiquiátrico público no estado do Ceará partindo da estrutura singular da vivência do relator?
Os personagens dessa estória são: o narrador-psicólogo, com formação crítica e antimanicomial, os usuários, em maioria homens de meia idade, com significativo grau de autonomia e comorbidades relacionadas a depressão e/ou ansiedade, e por último, a cultura do hospital psiquiátrico, que até certo ponto acolhedora e humanizada, mas o ponto de inflexão aparece no hábito, nas rotinas e nas relações de poder.
O setting dessa narrativa é um grupo terapêutico, onde o relator, enquanto psicólogo, mediava atividades e diálogos entre os usuários, suas famílias e a equipe médica. Um detalhe importante é que o psicólogo, durante uma boa parcela do tempo, era o único profissional não médico nesse fluxo, o que destaca a centralidade da figura do médico dentro das relações do serviço como um problema.
O grupo terapêutico passou por uma grande metamorfose, a criação e adesão de um grupo musical que acolhia os usuários independente da sua familiaridade com os instrumentos e que focava na construção da autonomia, dentro de uma lógica decentralizada da figura de algum profissional e centrada na dialógica das relações.

Objetivo e período de Realização
Relatar a experiência vivenciada enquanto psicólogo em um hospital psiquiátrico público cearense, diante dos modos de cuidado em saúde mental praticados, entre os anos de 2022 e 2023.

Resultados
O grupo de música começou a chamar atenção no hospital, no meio de gritos de agonia, notas musicais e risadas já podiam ser ouvidas. A relação entre os participantes do grupo estava cada vez mais sólida, e alguns usuários, que há muito não tinham amigos, ou mesmo planos e objetivos, passaram a demonstrar interesse diante da possibilidade de construção de novas relações sociais nos ensaios e até fora da instituição.
O auge dessa experiência vem de uma apresentação que o grupo realizou no hospital psiquiátrico, e o relator sugeriu a gestão à promoção de uma apresentação musical para as unidades de internação. Mas ao chegarem, o grupo percebe que os convidados na verdade seriam os trabalhadores do serviço e algumas autoridades da gestão estadual, excluindo-se do evento os usuários, que deveriam ser o objetivo central da promoção.
Essa experiência possibilitou um novo devir ao grupo, ampliando a confiança a possibilidade de expansão extra muros das atividades. Porém, sempre em tensão, a diretoria e a equipe psiquiátrica cobravam um grupo terapêutico, mais focado nas atividades prescritas, de preferência que ficasse dentro da sala de atendimento.

Aprendizado e Análise Crítica
Temos nesse tipo de espaço uma demonstração do quanto estamos distantes do objetivo de desospitalizar o tratamento de pessoas com transtornos mentais graves e conseguir transformar este processo numa vertente multifatorial e comunitária. A forma do cuidado ainda é limitada em alguns contextos e a integralidade proposta pelo SUS se torna distante.
Amarante e Nunes (2018) contextualizam uma luta antimanicomial potente e reprodutora de sentidos nas existências dos sujeitos, mas o ciclo manicomial impera sob a capa da docilidade, do controle, do adormecimento. A centralização dos processos de cuidado em saúde mental nessas instituições é um reflexo da dificuldade e resistência que as instituições e a sociedade têm em compreender os usuários da RAPS como parte pertencente da realidade (Rosa; Malfitano, 2019).
Lima (2023) aponta que uma grande parte dos problemas na atenção à saúde mental vem das precárias condições de trabalho e das relações de trabalho não significativas, em desalinhamento com a interdisciplinaridade. A qual busca construir novas formas de cuidado, de modo colaborativo, criativo e participativo. Uma vez que, trabalhar na atenção à saúde mental é algo complexo, demanda entrega, afeto, compreensão e principalmente, interrelação. Não podendo ser construída com paredes, cadeados e diagnósticos isolados.

Referências
AMARANTE, P.; NUNES, M. de O. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Ciência & Saúde Coletiva, 2018.
HOLLIDAY, O. J. Para sistematizar experiências. 2. ed. Brasília: 2006.
LIMA, I. C. S. Configurações da Precarização do Trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial Territorial: olhar sobre região de Saúde no Nordeste brasileiro. 2023. Doutorado-UECE, Ceará, 2023.
NUNES, M. de O. et al. Reforma e contrarreforma psiquiátrica: análise de uma crise sociopolítica e sanitária a nível nacional e regional. Ciência & Saúde Coletiva, 2019.
NUNES, M. et al. O Circuito Manicomial de Atenção: Patologização, Psicofarmaceuticalização e Estigma em Retroalimentação. Psicologia: Ciência e Profissão, 2022.
ROSA, S. D.; MALFITANO, A. P. S. História de violência e sofrimento social de jovens adultos com trajetórias de internação em hospital psiquiátrico. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 2019.

Fonte(s) de financiamento: Bolsista CAPES


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