50486 - OS DESAFIOS DA POLÍTICA DE SAÚDE NA ATENÇÃO ÀS POPULAÇÕES TRADICIONAIS DA PESCA ARTESANAL EM PERNAMBUCO RAFAELLA MIRANDA MACHADO - FIOCRUZ/IAM, JOSÉ ERIVALDO GONÇALVES - FIOCRUZ/IAM, ALYNE MARIA DA SILVA NASCIMENTO - FIOCRUZ/IAM, EVELYN SIQUEIRA DA SILVA - FIOCRUZ/IAM, IDÊ GOMES DANTAS GURGEL - FIOCRUZ/IAM, MARIANA OLÍVIA SANTANA DOS SANTOS - FIOCRUZ/IAM
Apresentação/Introdução Os desastres-crime como nos casos do rompimento da barragem de Mariana e Brumadinho no estado de Minas Gerais, a pandemia de COVID-19 e o derramamento de petróleo em 2019 no Brasil, que afetaram sobremaneira as comunidades pesqueiras, permitem reflexões acerca dos processos de vulnerabilização e das iniquidades socioambientais e em saúde que as comunidades sofrem sistematicamente.
O contexto de negação à saúde nos territórios da pesca artesanal, pode ser compreendido como interfaces do racismo ambiental, da injustiça socioambiental e da colonização do ser, do saber e do poder, que atravessam as estruturas dos serviços em saúde e das políticas públicas. Faz-se necessário a criação de estratégias de acesso a espaços de decisão política e avançar na efetivação dos serviços de saúde nessas comunidades. Descentralizando a atuação do Sistema Único de Saúde do saber biomédico e colonial, e compreendendo a saúde enquanto uma ferramenta de justiça social, ecológica, cognitiva e de resistência às investidas do capital.
A pesquisa científica, com base comunitária e participativa, é um importante recurso na mudança paradigmática e nas transformações sociais nessas comunidades. O uso de metodologias, aplicadas para o engajamento e a transformação repercutem em resultados que podem denotar contribuições na construção de políticas públicas e ações governamentais contextualizadas.
Objetivos Este relato de pesquisa pretende discutir sobre as ameaças que comprometem deliberadamente a saúde e trabalho de pescadores artesanais em Pernambuco, e que, por sua vez, posicionam-se enquanto desafios para o cumprimento da proteção social que deve ser exercida pela política de saúde brasileira.
Metodologia O Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho (Fiocruz/PE), em 2021, iniciou a pesquisa “Desastre do petróleo e saúde dos povos das águas”, em 16 municípios na zona costeira litorânea de Pernambuco. Os pescadores/as artesanais foram a principal população de estudo na investigação sobre as repercussões socioambientais, na saúde e no trabalho, decorrentes da exposição ao petróleo no ano de 2019.
A pesquisa de abordagem qualitativa e quantitativa realizou diferentes técnicas metodológicas, como inquérito epidemiológico, círculos de cultura, mapeamentos participativos, entrevistas e grupos focais, para a compreensão das vulnerabilizações. Além da promoção de iniciativas de reparação comunitária, construção de respostas para o SUS e formação popular de lideranças comunitárias.
Nas análises, viu-se que o desastre-crime comprometeu a continuidade da pesca artesanal no estado. Inclusive, expôs diversas problemáticas experienciadas nos territórios que repercutem direta e indiretamente na saúde das populações, que foram relatadas nos diários de campo dos pesquisadores. Dessa maneira, este relato sistematiza esses resultados a partir das premissas teóricas da Determinação Social da Saúde.
Resultados e Discussão O processo de vulnerabilização da saúde dos(as) pescadores(as), no contexto do desastre-crime do petróleo, dá-se, num primeiro momento, na exposição direta à substância na atividade emergencial de limpeza das praias, com objetivo de amenizar os danos para o ambiente e subsistência. Até o momento não se pode prever as sequelas que surgirão a longo prazo.
Em seguida, a pandemia da Covid-19 instalou um cenário de incertezas, devido ao rápido contágio, medidas de distanciamento social e lockdown, repercutindo na vida das comunidades da pesca artesanal, especialmente na renda e segurança alimentar.
Ambos os cenários descritos expuseram a histórica dificuldade de cadastramento no registro geral da pesca (documento que resguarda os segurados em situações periódicas de interrupção da pesca), impedindo a compreensão da dimensão desta população no Brasil. O que fragilizou o reconhecimento da identidade pesqueira e dos direitos sociais vinculados, sobretudo, no caso das mulheres pescadoras.
O modelo de desenvolvimento adotado no Brasil nos últimos anos, igualmente, tem representado um risco para a saúde dessa população, no avanço de atividades produtivas que invadem os territórios da pesca artesanal. A desterritorialização destes indivíduos, a poluição das águas pelas indústrias, falta de saneamento, e a privatização de praias mediante especulação imobiliária, sobrecarregam a continuidade da pesca, prejudicam os modos de vida, com agravantes à saúde.
As necessidades de saúde que surgem a partir destas problemáticas exigem habilidades que ultrapassam o tecnicismo, pleiteando uma compreensão ecossistêmica da saúde. Esta, em sua complexidade, precisa ser reconhecida em suas violações, sobredeterminadas socialmente, sem deixar de considerar as particularidades da pesca artesanal.
Conclusões/Considerações finais A política de saúde concretiza-se como conquista da luta popular pela saúde enquanto direito social. Desde a sua criação, o SUS enfrenta diversos desafios ao seu desenvolvimento enquanto política estatal, para a garantia da participação popular e fixação de um financiamento justo, em conformidade com as necessidades de saúde de um país de dimensões continentais.
Para os(as) pescadores(as), no contexto de avanço do capitalismo sobre os territórios tradicionais, a saúde reforça seu caráter complexo e intersetorial. As demandas de saúde emergem dos processos de vulnerabilização decorrentes da mercantilização dos bens comuns, fragilização das políticas públicas, e a concentração de riqueza nas classes sociais mais altas.
Sendo assim, para esses povos, uma política de saúde efetiva requer a defesa de condições de vida e trabalho justas. Garantindo-se a produção de saúde nos espaços de reprodução do modo de vida pesqueiro, e a potencialização da soberania de suas identidades tradicionais.
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Fonte(s) de financiamento: Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia de Pernambuco; Fundação Oswaldo Cruz/Programa Inova Fiocruz.
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