49514 - A MARGINALIZAÇÃO DE PESSOAS SOROPOSITIVAS: REFLEXÕES PSICOLÓGICAS SOBRE OS ESTIGMAS PARA ALÉM DO HIV E AIDS E SEUS IMPACTOS NA SAÚDE COLETIVA MARIA MONIELY MARTINS FERREIRA - UFPE
Contextualização O Hospital das Clínicas (HC) da instituição conta com o Departamento de Infectologia e Parasitologia. O HC, destina parte da enfermaria deste departamento aos cuidados com pessoas que sofrem os agravos do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) ou que já apresentam a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Como este espaço oferece atendimento gratuito, o perfil de pessoas que adentram na internação é demarcado pelo um maior quantitativo de homens negros, menos abastados financeiramente, que geralmente possuem baixa escolaridade e residem longe dos centros hospitalares (LOPES et al, 2020). Muito embora esses fatores identitários não determinem quem pode ou não ter ou desenvolver as formas mais graves do HIV/AIDS, os estereótipos que marcam essas pessoas, mostram-se como um sintoma da inoperância que o Estado tem de oferecer políticas públicas de saúde que possam chegar a esses indivíduos e atenuar os agravos da manifestação viral. Visto que com as formas de tratamento que se tem atualmente, o HIV/AIDS pode ser controlado de forma a possibilitar ao indivíduo uma vida completamente saudável (LABONIA, 2022). Por isso, exprime-se que os estereótipos, tanto os associados ao vírus, como os já cunhados pelos marcadores sociais, podem afastar essas pessoas do “Bem-viver”, bem como ter acesso a um suporte psicológico continuado.
Descrição da Experiência Como atividade de estágio básico na graduação de Psicologia, passei alguns meses acompanhando a rotina da enfermaria do Departamento de Infectologia e Parasitologia do HC. Ao longo desse processo, foi possível observar o período de internação de alguns pacientes. Desses pacientes, grande parte eram homens negros, homossexuais e que detinham pouco ou nenhum suporte financeiro e/ou familiar. Um dos casos mais emblemáticos que vai para além da manifestação viral, é como os marcadores sociais são pontos de tensões para a inoperância de políticas públicas e atividades de cuidado com a saúde da população. Outro fator que demanda atenção é o quanto a saúde do homem, é negligenciada e facultativa às entidades de cuidado, tornando casos agravados pela falta de iniciativas paliativas à saúde desses indivíduos (LEMOS, 2017). Ademais, o cruzamento dos estigmas, ser uma pessoa negra, soropositiva e ainda dependente química, carrega consigo uma mácula social que é vislumbrada em um dos pacientes que estive em contato. Para essa pessoa, receber alta da internação denotaria retornar para as ruas e posteriormente voltar a beber e atenuar os cuidados com a saúde física e mental. O que em si gerava muito sofrimento psíquico que era convertido a partir de insônia, manifestações de ansiedade e que, até, potencializava os sintomas da abstinência.
Objetivo e período de Realização O objetivo desta experiência foi compreender os processos de marginalização e estigma que atravessam o paciente com HIV/AIDS dentro e fora da hospitalização por internamento. Entender portanto os atravessamentos dos marcadores sociais dentro da dinâmica do cuidado pode tornar mais eficiente e equânime as políticas públicas de saúde (BALDAN, 2017). Para tanto, os fenômenos foram observados entre 24 de fevereiro de 2023 até 28 de abril de 2023 na execução do estágio básico em psicologia.
Resultados Os impactos advindos dos estereótipos têm efeitos negativos em todas as áreas da vida, além do estigma de ser uma pessoa soropositiva, está associado ao abuso de drogas também corrobora para a precarização de aspectos fundamentais. Assim, favorecer um acesso mais integral à saúde com a intensificação do apoio terapêutico, principalmente perante os desdobramentos psicossociais do HIV/AIDS, podem trazer ainda mais sucesso ao tratamento e a não reincidência desses indivíduos na hospitalização (MELCHIOR et al., 2007). Como no exemplo, para solucionar a necessidade habitacional do usuário que poderia rescindir o uso em álcool se fosse desassistido pela internação no HC, a equipe multiprofissional, a cargo da psicóloga e assistente social, traçaram estratégias para reinserir esse paciente e oferecer-lhe uma moradia social provisória, pleiteando vaga em Residência Terapêutica. Além de pensar o retorno dele ao território, foi garantido não só cuidados com o HIV/AIDS, mas apoio psicossocial, medicamentos e encaminhamentos necessários para continuar o tratamento fora da hospitalização, mecanismos necessários para fugir dos aspectos manicomiais e segregacionistas associados aos estigmas.
Aprendizado e Análise Crítica Como produto desta experiência, o cuidado com o indivíduo que chega às formas agravadas do HIV/AIDS deve ser feito antes mesmo da necessidade de internação. Deve-se oferecer de maneira mais crível o acesso das pessoas mais marginalizadas a políticas de saúde preventivas, como o uso da PREP e PEP, por exemplo. A ineficiência dos dispositivos de saúde de oferecerem esse tipo de possibilidade de tratamento e apoio psicológico continuado no território deve ser levado em conta, principalmente em se tratando dos estigmas que invisibilizam socialmente esses indivíduos. Assim, pensar em uma política de saúde que volte a atenção ao homem negro e periférico pode ser uma estratégia de diminuir o número de internações hospitalares, o que confere altos custos operacionais. Além de poder oferecer apoio psicológico e amparo social que muito é negado a essa parcela da população. Tratar de saúde mental para a populaçao de homens negros já se torna um desafio quando se pensa em toda carga de machismo e racismo estrutural, ainda mais quando associada a uma doença que carrega consigo todo o estigma pândemico (SOUZA et al., 2018) e que dificulta desde o diagnóstico até o tratamento. Portanto, o cuidado em saúde têm que ocorrer de forma multidisciplinar, tratando essas pessoas a partir do panorama biopsicossocial e buscando atenuar os impactos que vão para além da manifestação da doença.
Referências BALDAN, Sueli Santiago. Determinantes sociais de saúde relacionados à epidemiologia da tuberculose: subsídios para reorientar os serviços de saúde. 2017.
EW, Raquel de Andrade Souza et al. Estigma e teste rápido na atenção básica: percepção de usuários e profissionais. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 31, n. 3, 2018.
LABONIA, Beatriz Cristina Pacini et al. Mulheres que vivem com HIV atualmente: estigma e qualidade de vida. 2022.
LEMOS, Ana Paula et al. Saúde do homem: os motivos da procura dos homens pelos serviços de saúde. Rev. enferm. UFPE on line, p. 4546-4553, 2017.
LOPES, Livia Maria et al. Fatores de vulnerabilidade associados às internações por HIV/aids: estudo caso controle. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 73, 2020.
MELCHIOR, R. et al. Desafios da adesão ao tratamento de pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil. Rev. Saúde Pública, v. 41, n. 2, p. 87-93, 2007.
Fonte(s) de financiamento: Financiamento pessoal
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