Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.19 - Barreirras, Acesso e Direito a integralidade do cuidado

50413 - O USO DO QUADRO DE VULNERABILIDADES E DIREITOS HUMANOS E A TRADUÇÃO-INTERPRETAÇÃO DE NARRATIVAS DE PESSOAS SURDAS SINALIZANTES
ISABELA CARDOSO NASCIMENTO - LIDHS/IESC/UFRJ, NEIDE EMY KUROKAWA E SILVA - IESC/UFRJ


Apresentação/Introdução
No Brasil, a Língua de Sinais Brasileira (Libras) é reconhecida como uma língua oficial do país, devendo garantir-se a acessibilidade comunicacional às pessoas surdas. Apesar de ser considerada a língua de preferência da comunidade surda, nem todas se identificam como tal, não recorrendo às Libras como seu principal meio de comunicação. Alguns estudos (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005) defendem que a barreira de comunicação nos serviços de saúde poderia ser superada com a disponibilização de intérpretes de Libras nesses espaços ou mesmo pela habilitação ou capacitação de profissionais de saúde em Libras e/ou comunicação não verbal. No entanto, outros estudos (KUENBURG et al., 2016) enfatizam as dificuldades enfrentadas pela pessoa surda, que são transversais à saúde, como a baixa escolaridade, o desemprego, o estigma e a discriminação relacionados à deficiência e à língua de sinais, dentre outras. Muitos desses resultados partem de pesquisas realizadas com especialistas no assunto, sendo poucos aqueles que buscaram compreender a situação a partir da perspectiva da pessoa surda enquanto sujeito de direitos. Parte-se da premissa de que as barreiras comunicativas também podem interferir para essa iniciativa, posto que nem sempre os pesquisadores são alfabetizados em Libras, e que não se trata simplesmente de traduzir, mas de interpretar essa linguagem.

Objetivos
Descrever a experiência metodológica desenvolvida na pesquisa de dissertação que buscou compreender como as pessoas surdas reconhecem e lidam com as situações de vulnerabilidades no cuidado à saúde.

Metodologia
Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, tendo como referência o quadro de vulnerabilidade e direitos humanos e o processo de transcrição-interpretação das entrevistas, apoiada em Sassaki (1999, 2003), Boff (1999), Ayres (2003, 2014), Nunes (2016) e Ricoeur (2012). Foram realizadas três entrevistas remotas, durante o período da pandemia de covid-19 (2021-2022), com duração média de 2h cada, com pessoas surdas, em Libras. Para facilitar a compreensão, o TCLE foi gravado em vídeo (em Libras) e compartilhado em data anterior e no início das entrevistas. As entrevistas foram gravadas e transcritas num processo de transcrição-interpretação, onde se buscou conhecer os sentidos sobre o que e como era dito, sendo também registradas as expressões corporais, faciais, entre outros elementos da narrativa. O material transcrito foi submetido à avaliação do próprio participante. Através do quadro conceitual de V&DH, foi possível sistematizar as narrativas e as vulnerabilidades no cuidado à saúde sendo construídos eixos temáticos e capítulos através de cenas, analisadas de forma transversal a partir das dimensões do cuidado, da abordagem social da deficiência e da vulnerabilidade.

Resultados e Discussão
A partir do método desenvolvido, identificou-se que as diferentes experiências de vulnerabilidades em saúde da pessoa surda sinalizante do estudo, em suma, não ocorreram no espaço do âmbito da saúde. As narrativas apontaram os espaços da escola e da família como os principais produtores de vulnerabilidades ao cuidado à saúde da pessoa surda. Também apontaram a existência de um mundo surdo e um mundo ouvinte, destacando-se a seguinte cena que ocorreu no espaço da família ouvinte: “Quando eu soube que eu tive a perda auditiva que diminuiu, sabe? eu senti que diminuiu, ficou diferente, parecia que não tinha paciência, por exemplo, o meu irmão, meu irmão é muito difícil de ter paciência comigo, o meu irmão, muito difícil me comunicar, por exemplo, ele não se comunica comigo, quando está estressado ou nervoso, aí eu peço para ele explicar, de novo, ele começa a falar como se tivesse falando com ouvinte, com vizinho, é assim [...]. (Susy).” As narrativas trouxeram luz sobre a falta de paciência, o estigma e a discriminação com a pessoa surda como fatores chave para a produção de contextos de vulnerabilidade no cuidado à saúde. A Libras surgiu como uma ferramenta linguística e identitária de extrema importância, porém, isolada, não se demonstrou suficiente para a inclusão ou para a redução das vulnerabilidades experimentadas pelos participantes. Identificou-se a disponibilidade na dimensão comunicativa do cuidado como o principal elemento na superação de situações de vulnerabilidades experimentadas pelos entrevistados nos diferentes espaços em que eram situadas as narrativas, cuja iniciativa se dava pelo próprio sujeito e/ou a partir de um contexto favorável ao cuidado à saúde.

Conclusões/Considerações finais
O estudo traz um método inovador para a realização de entrevistas narrativas com pessoas surdas sinalizantes e também sobre o uso do quadro de V&DH. Compreende-se, a partir dos resultados obtidos que as vulnerabilidades estarão presentes na vida desses sujeitos, e no âmbito da saúde serão dissipadas à medida que as relações busquem o fortalecimento através da dimensão comunicativa do cuidado, favorecida em contextos onde os atores presentes na relação se demonstravam disponíveis a buscar semelhanças que os aproximavam. As diferentes histórias narradas, trazem em diversas situações e contextos um maior ou menor grau de dificuldades relacionadas a diferentes pessoas e ambientes. Com isso, destaca-se que as vulnerabilidades experimentadas não estavam condicionadas à surdez, mas também devido a ela. Confirma-se ainda o potencial do quadro de V&DH para a compreensão sobre os processos de construção dos contextos de vulnerabilidade e suas dimensões programáticas, individuais e sociais.

Referências
AYRES, J. R. Vulnerabilidade, direitos humanos e Cuidado: aportes conceituais. In: CIANCIARULLO, T. (org.). Atenção à saúde de populações vulneráveis. Barueri, SP: Manole, 2014. (Série enfermagem e saúde).
CHAVEIRO, N.; BARBOSA, M. A. Assistência ao surdo na área de saúde como fator de inclusão social. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 39, n. 4, p. 417-422, 2005.
KUENBURG, A.; FELLINGER, P.; FELLINGER, J. Health care access among deaf people. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, v. 21, n. 1, p. 1-10, Jan. 2016.
NUNES, E. D. A pesquisa narrativa em saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 22, n. 64, p. 307-312, mar. 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0240.
RICOEUR, P. Sobre a tradução. Tradução: Patrícia Lavelle. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011. 71 p.
SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.

Fonte(s) de financiamento: CAPES


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