Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.19 - Barreirras, Acesso e Direito a integralidade do cuidado

48690 - BARREIRAS DE ACESSO AOS BANHEIROS NO ESPAÇO PÚBLICO: A PERSPECTIVA DE TRABALHADORES DE RUA QUE USAM CADEIRAS DE RODAS
FERNANDA DEISTER MOREIRA - FIOCRUZ MINAS/UFMG, LÉO HELLER - FIOCRUZ MINAS, SONALY REZENDE - UFMG


Apresentação/Introdução
A disponibilização de banheiros nos espaços públicos por si não garante o acesso a estes serviços. Existem barreiras no acesso a esses equipamentos urbanos que podem ser divididas em três dimensões: i) informacional; ii) infraestrutura e; iii) serviços (PURKAYASTHA; RAHEJA, 2022). A dimensão da informação está relacionada principalmente à sinalização e simbolização desses mobiliários. A dimensão física está relacionada com a infraestrutura dos mobiliários como suas dimensões, o layout, aspectos construtivos, privacidade e o percurso até esses mobiliários. A barreira dos serviços é multidimensional e está relacionada com o planejamento, gestão, manutenção e operação (PURKAYASTHA; RAHEJA, 2022).
Dos grupos que mais sofrem com a inacessibilidade de banheiros, nos espaços públicos, estão os trabalhadores de rua com deficiência física, por passarem a maior parte do seu dia nos espaços públicos, por estarem inseridos em um contexto de precarização do trabalho e por terem limitações de mobilidade (HELLER, 2019). Nesse sentido, os trabalhadores são levados à “sevirologia ”, termo popular para representar a arte de fazer acontecer algo em contextos adversos e com recursos escassos. De forma recorrente, tendo por mote a “sevirologia”, esses trabalhadores buscam condições mínimas de subsistência em meio às desigualdades urbanas (MARQUES, 2021).

Objetivos
O objetivo do trabalho foi compreender o acesso aos banheiros nos espaços públicos por meio da experiência de trabalhadores de rua que usam cadeira de rodas.


Metodologia
Para atingir o objetivo capítulo foi realizada uma etnografia focada, método que permite a coleta de dados com intensidade, em menores espaços de tempo (TRUNDLE; PHILLIPS, 2023). Foram realizadas entrevistas 24 semiestruturadas com camelôs e ambulantes e observações na área central de Juiz de Fora, MG, das quais quatro foram com trabalhadores que usam cadeiras de rodas. Foi utilizada a técnica da bola de neve para definição dos entrevistados. Essa amostragem é não probabilística e lança mão de cadeias de referência, ou seja, pessoas chave ou documentos e notícias dão informações sobre a quem se deve abordar e, a cada entrevista mediante solicitação, são indicadas outras pessoas com perfil desejado, privilegiando-se as redes sociais dos entrevistados (VINUTO, 2014). O ponto de parada das entrevistas resulta da saturação teórica, ou seja, quando o campo de estudo não apresenta novas demandas, evidências ou esclarecimentos. Para analisar as entrevistas foi realizada a análise de conteúdo qualitativa (SCHREIER, 2012). Após as codificações, os coeficientes de concordância e o alpha de Krippendorf foram calculados pela ferramenta Recal2 para verificação da confiabilidade da codificação.


Resultados e Discussão
Um dos trabalhadores com deficiência disse que só faz uso do banheiro em situações emergenciais e quando consegue um conhecido para tomar conta da sua barraca, uma vez que precisa se deslocar cerca de 10 minutos até um supermercado, para usar o banheiro que considera muito limpo e adequado.
Uma trabalhadora, já não tem a mesma perspectiva do entrevistado, acreditando que esse mesmo banheiro é sujo. Dessa forma, esse aspecto de aceitabilidade do mobiliário faz com que ela recuse usá-lo, além da percepção de que teria o uso negado por outros estabelecimentos. Como solução, essa entrevistada urina em um pote e, posteriormente, passa o líquido para uma garrafa pet que vai enchendo durante o dia. Essa situação de total falta de privacidade diz não a constranger.
Outro relato marcante é o de um entrevistado que usa uma bolsa de colostomia e necessita passar sonda toda vez que usa o banheiro. Ele descreve que é um processo demorado que requer cuidado para realização da assepsia que dura cerca de 20 minutos. Quando ele consegue ir ao banheiro de uma unidade de saúde próxima, ele não precisa pagar, embora seja comum ter fila para ir ao banheiro. Não é incomum que as pessoas que estão na fila percam a paciência devido à sua demora ao usar o banheiro e batem na porta, gritam e até mesmo arrumam briga por causa disso. Por isso, ele prefere pagar para usar um banheiro privado em uma galeria próxima (R$2,50) para ter mais liberdade, embora, não sem prejuízos financeiros. Uma de suas estratégias é reduzir o consumo de água para evitar passar a sonda tantas vezes e, consequentemente, necessitar usar um banheiro.


Conclusões/Considerações finais
Todas as situações relatadas, ferem a legislação brasileira, que exige que nos espaços públicos haja pelo menos uma instalação sanitária adaptada. No entanto, a cidade não possui banheiros públicos disponíveis nas proximidades do centro. A marca da “sevirologia” aparece no discurso dos trabalhadores mostrando a conformação com a situação existente sem expectativas de mudança dessa realidade. Essas pessoas são mais prejudicadas, têm a saúde afetada assim como a jornada de trabalho e, consequentemente, a renda. É importante ressaltar que muitas pessoas com deficiência trabalham nas ruas por falta de oportunidades no mercado de trabalho formal, sendo, assim, lançadas à informalidade, se vêem com menos condições de terem direitos básicos garantidos.


Referências
PURKAYASTHA, D.; RAHEJA, G. From Accessibility to Inclusion in Public Toilets: A Technology Perspective. 2022.
MARQUES, R. P. Território em ebulição: Periferia, cultura e memória no noroeste paulistano de Perus. Dissertação de mestrado—Sâo Paulo: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP, 2021.
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HELLER. A/HRC/42/47: The human rights to water and sanitation in spheres of life beyond the household with an emphasis on public spaces. 2019.
TRUNDLE, C.; PHILLIPS, T. Defining focused ethnography: Disciplinary boundary-work and the imagined divisions between ‘focused’ and ‘traditional’ ethnography in health research – A critical review. Social Science & Medicine, v. 332, p. 116108, set. 2023.
VINUTO, J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas, v. 22, n. 44, p. 203–220, 30 dez. 2014.
SCHREIER, M. Qualitative Content Analysis in Practice. 1. ed. London: Sage Publications Inc, 2012.

Fonte(s) de financiamento: As/Os autoras/es agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 - Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.


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