06/11/2024 - 08:30 - 10:00 RC2.18 - Abrindo caminho para migrantes, pessoas privadas de liberdade e outros grupos vulnerabilizados |
52396 - ACESSO À SAÚDE POR PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE: OS PROBLEMAS PERVERSOS E A IMPORTÂNCIA DE ABORDAGENS INTERSETORIAIS NA PNAISP MARIANA SCAFF HADDAD BARTOS - USP / UNIVERSITY OF GRONINGEN, MARCO AKERMAN - USP
Apresentação/Introdução Para compreender o acesso à saúde pela população privada de liberdade no Brasil, é essencial considerar as especificidades que as prisões trazem consigo, e seus contextos de desigualdade e vulnerabilidade. Em 2014, foi estabelecida a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), com o objetivo de garantir o acesso dessas pessoas aos cuidados de saúde no SUS. Ao estabelecer a intersetorialidade como uma de suas principais diretrizes, a PNAISP reconhece a natureza multidimensional dos problemas relacionados à saúde dessa população e enfatiza a necessidade de soluções que envolvam uma abordagem coletiva, em vez de apenas um setor.
Para que a implementação da política aconteça, é previsto que os profissionais de saúde das equipes de atenção básica prisional (EABP) se articulem intersetorialmente, de modo a qualificar a atenção básica e realizar articulação territorial sempre que necessário. E é justamente neste contexto que a presente pesquisa vai se debruçar: um contexto no qual profissionais de saúde precisam realizar relações intersetoriais em um ambiente marcado por problemas perversos (wicked problems) e com lógicas de controle e punição se sobrepondo em relação à lógica do cuidado.
Objetivos Esta pesquisa tem como objetivo refletir o impacto que espaços permeados por preconceitos e desigualdades, como o sistema prisional, podem ter na implementação de políticas intersetoriais de saúde. Sendo assim, pretende-se analisar como a literatura aborda o conceito de intersetorialidade na saúde quando relacionado a ideia de problemas perversos (wicked problems) e como profissionais de saúde que atuam dentro das prisões navegam nesta lógica intersetorial.
Metodologia A pesquisa utiliza metodologia qualitativa e estudo de caso (STAKE, 2000) como método de pesquisa. O recorte da pesquisa é o Estado de São Paulo, com a maior população carcerária do país, tanto masculina, como feminina (BRASIL, 2014).
Além de possibilitar uma análise mais profunda das articulações realizadas, a escolha do estudo de caso também permite mapear em profundidade com quais outros atores os profissionais da EABP precisam se articular intersetorialmente para implementar a política.
Os dados e as informações coletadas se constituem fundamentalmente de quatro fontes complementares:
(i) Revisão da bibliografia. Articulação das seguintes literaturas: intersetorialidade, implementação de políticas públicas de saúde, determinantes sociais de saúde, sistema carcerário brasileiro, acesso à saúde nas prisões e burocracia de nível de rua;
(ii) Entrevistas semiestruturadas, com foco nos profissionais das equipes de atenção básica prisional (EABP) e demais profissionais com os quais precisam de articular para implementar a política;
(iii) Análise de documentos, com foco nos mecanismos formais estabelecidos.
Resultados e Discussão Os dados coletados por meio das entrevistas mostram como a lógica do cuidado convive com lógicas distintas dentro ambiente carcerário e como isso influencia as relações intersetoriais estabelecidas pelos profissionais de saúde, reforçando a ideia dos problemas perversos.
A literatura, por sua vez, demonstra que compreender o papel da intersetorialidade inserida em um contexto de privação de liberdade é ter como pressuposto que tanto o cárcere em si, como a dificuldade de acesso à saúde por parte das pessoas privadas de liberdade são problemas perversos - wicked problems. Estes problemas são assim definidos quando é difícil caracterizá-los linearmente, muito provavelmente por suas dinamicidades, múltiplas causas e inter-relações (RITTEL E WEBBER, 1973).
Os problemas perversos também tendem a ser instáveis; não têm soluções claras; são socialmente complexos – o que podem incluir sobreposição de vulnerabilidades -; dificilmente podem ser de responsabilidade de um só setor e de um só nível governamental; e suas soluções envolvem mudanças de comportamento (AUSTRALIAN PUBLIC SERVICE COMMISSION, 2007). São problemas que requerem uma abordagem mais interativa e não tradicional (CUNILL-GRAU, 2014),
Compreende-se aqui que tanto o cárcere em si, como a dificuldade de acesso à saúde por parte das pessoas privadas de liberdade podem ser entendidos como problemas perversos (wicked problems), reforçando a importância da intersetorialidade como estratégia e arranjo de implementação nas ações de saúde. Em grande parte da literatura, a complexidade dos problemas e suas diversas dimensões e causas estão diretamente relacionadas ao conceito de intersetorialidade, o qual acaba tendo como perspectiva básica a necessidade de um olhar integral (BRONZO, 2007).
Conclusões/Considerações finais Observou-se que, mesmo quando a intersetorialidade é consenso e diretriz, como é o caso da PNAISP, é grande a chance de aparecerem problemas em sua implementação, ainda mais em um contexto permeado por problemas perversos, como é o caso do sistema carcerário. Ao considerar, ainda, que não existe qualquer tendência natural à cooperação, torna-se relevante analisar relações intersetoriais para compreender como isso pode afetar o acesso à saúde por populações vulnerabilizadas.
Indicam-se aqui outras agendas de pesquisa, principalmente estudos que visem compreender como tem se dado a implementação da PNAISP e os principais desafios encontrados. Por fim, reforça-se a contribuição destas pesquisas na produção de dados e conhecimento sobre o sistema carcerário, visto ainda serem muito escassos e fragmentados. Que as pesquisas e análises dentro desta temática possam contribuir para uma melhor compreensão do cenário e para apoiar as políticas públicas de saúde que incidem nas prisões.
Referências AUSTRALIAN PUBLIC SERVICE COMMISSION. Tackling Wicked Problems: A Public Policy Perspective, Commonwealth of Australia. 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
BRONZO, C. Intersetorialidade como princípio e prática nas políticas públicas: reflexões a partir do tema do enfrentamento da pobreza. 2007. Disponível em: https://cladista.clad.org. Acesso em: 07 jun. 2024.
CUNILL-GRAU, N. La intersectorialidad en las nuevas políticas sociales: un acercamiento analítico-conceptual. Gestión y Política Pública, Distrito Federal, México, v. 23, 2014.
RITTEL,W; WEBBER, M. Dilemmas in a General Theory of Planning. 1973. Policy Sciences, Amsterdam, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 155-169.
STAKE, R. E. Qualitative case studies. In: Handbook of Qualitative Research. 2 ed. London: Sage Publications, 2000. cap. 17, p. 443-454.
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