Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.18 - Abrindo caminho para migrantes, pessoas privadas de liberdade e outros grupos vulnerabilizados

49841 - TRAVESTIS E MULHERES TRANSEXUAIS EM SITUAÇÃO DE PRISÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: SEUS CORPOS E SUAS (SOBRE)VIVÊNCIAS.
CARLOS RENATO ALVES-DA-SILVA - IFF-FIOCRUZ E SEAP-RJ, CLAUDIA BONAN JANNOTTI - IFF-FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
INTRODUÇÃO
O encarceramento de travestis e mulheres transexuais no Brasil ocorre com diferentes configurações espaciais nas unidades prisionais, apesar dos regramentos legais vigentes que regulamentam a privação de liberdade dessa população. Nas prisões brasileiras se observam situações regionalizadas de violências contra suas existências, como demonstrado em pesquisas realizadas em São Paulo, Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais, e no Rio de Janeiro1. Nesse último Estado, essas mulheres são encarceradas em unidades prisionais masculinas, onde se observa a alta desproporção entre elas e os homens cisgênero e heterossexuais nos espaços de recusão2.
Não diferente de outras prisões ao redor do mundo, o ambiente estudado é doutrinador, panóptico e violador de direitos humanos3, onde a gestão das identidades de gênero, o acesso às tecnologias de saúde e a outros direitos básicos de cidadania servem como analisadores da trama de opressões, violências e cerceamentos experimentados e vivenciados pelas travestis e mulheres transexuais.
Diante dos poucos estudos e documentos nacionais e internacionais sobre a situação de pessoas transfemininas em situação de prisão, torna-se necessário conhecer as condições de acesso às tecnologias de saúde e de afirmação de gênero, bem como os possíveis fenômenos sociais envolvidos no aprisionamento dessa população4.


Objetivos
OBJETIVOS
Este projeto objetivou realizar primeiramente um estudo exploratório sobre e com as travestis e mulheres transexuais em situação de prisão, descrevendo-as por meio da análise do perfil sociodemográfico e prisional, bem como através das informações sobre o acesso as tecnologias de saúde, e de afirmação de gênero: cosméticos, roupas e acessórios femininos. Objetivou também conhecer as dinâmicas sociais estabelecidas pelas entrevistadas, antes e ao longo de seus aprisionamentos.


Metodologia
CAMINHO METODOLÓGICO
O estudo foi realizado em onze unidades prisionais masculinas situadas na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. A proposta metodológica se pautou no desenvolvimento de um estudo descritivo e compreensivo, com abordagens quantitativa e qualitativa. O estudo quantitativo foi censitário, em que 151 travestis foram identificadas por meio da consulta na base de dados no sistema de identificação penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, e pela técnica de amostragem “bola de neve”. Foi utilizado um questionário estruturado com variáveis que permitiram descrever o perfil sociodemográfico e prisional, além das condições de acesso às tecnologias de saúde, e de afirmação de gênero para a produção dos corpos transfemininos. No estudo qualitativo, empregou-se o método de estudo das narrativas de entrevistas individuais, sendo selecionadas aleatoriamente vinte travestis e mulheres transexuais, todas de uma mesma unidade prisional de regime de pena fechado e provisório. O presente estudo teve aprovação do CEP do Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz) e da Escola de Gestão Penitenciária da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP-RJ).


Resultados e Discussão
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Dentre as entrevistadas, 85,4% se autodeclararam preta ou parda, refletindo o perfil das prisões brasileiras, conforme dados anuais do Depen referentes aos anos de 2021 e 2022, a população carcerária autodeclarada negra era respectivamente de 67,0% e 67,2%5,6.
A escolaridade encontrada entre as travestis e mulheres transexuais nesse estudo foi baixa. Mais da metade (51,0%) não concluiu o ensino fundamental, revelando uma escolaridade insuficiente entre elas, percentual que corrobora com diversos estudos que relacionam esse fenômeno social como consequência dos diversos fatores que as excluem das instituições de ensino.
Em relação a fonte de renda antes do aprisionamento, o trabalho sexual comercial – a prostituição – foi a atividade remunerada mais desempenhada entre elas, situação similar relatada em outros estudos7,8.
A situação dentro das prisões também revelou que 97 entrevistadas estavam de volta ao sistema penitenciário – reincidência penitenciária - (64,2%) e 111 se encontravam encarceradas com homens cisgêneros e heterossexuais, em uma proporção superior à 1:10 (84,7%).
As taxas de soropositividade encontradas foram de 34,4% para o HIV, e 48,9% para sífilis, e 0,8% para as hepatites do tipo B e C. O aumento no nível de escolarização (p=0,037), e possuir parceiro fixo na prisão (p=0,041) foram considerados fatores de proteção. Foram identificadas dificuldades no acesso às tecnologias de prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis, tais como preservativo masculino, gel lubrificante, testes rápidos, e terapias antirretrovirais profiláticas para o HIV.
Apesar das dificuldades no acesso às tecnologias de gênero, como roupas, maquiagens e acessórios femininos, foi desvelado um cenário melhor quando comparado a outros estudos nacionais1.


Conclusões/Considerações finais
CONCLUSÕES
A maioria das entrevistadas eram negras, demonstrando que a intersecção raça e gênero vulnerabiliza ainda mais a população transfeminina encarcerada.
A prostituição foi a atividade relatada majoritariamente por elas como principal fonte de renda, porém esta atividade exercida em guetos repletos de violências, drogas e perseguições funcionam como uma antessala para as prisões.
Se, por um lado se observam normativas para o tratamento a ser ofertado para elas no sistema penitenciário brasileiro, o lado de suas falas e de seus perfis prisionais revelam grandes lacunas, seja por meio das dificuldades em acessar tecnologias de saúde e de afirmação de gênero, seja por meio da desumanização impelida contra elas nos ambientes prisionais analisados.
A conquista de autonomia para manter suas necessidades básicas que assegurem minimamente suas (sobre)vivências por meio de suas corporalidades e corporeidades transfemininas é fator primordial para apoiar suas lutas nesses campos de batalha.


Referências
REFERÊNCIAS
1 – Alves-da-Silva CR; Bonan C. Elas também não são mulheres? Travestis e mulheres transexuais em situação de prisão no Rio de Janeiro. Dilemas 2024;17(2).
2 – Brasil. LGBT nas prisões no Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento 2020.
3 – Foucault M. Vigiar e punir: nascimento das prisões. Petrópolis. Editora Vozes, 2019.
4 - Rodrigues NG, et al. Visibilidade de pessoas trans na produção científica brasileira. Rev Eletron Comun Inf Inov Sau 2019;13(3).
5 - Brasil. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Sistema Penitenciário no Brasil, 2021.
6 – Brasil. Informação nº 95/2022/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ.
7 – Carrara S; Vianna ARB. “Tá lá o corpo estendido no chão ...”: Physis, Rev Sau Colet, RJ, 2006;16(2).
8 - Benevides BG. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2022. ANTRA, 2023.

Fonte(s) de financiamento: Não houve fonte de financiamento


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