Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.16 - Saúde para os povos indigenas

53448 - SAÚDE INDÍGENA EM RETOMADA: LIMITES E POSSIBILIDADES DA ATENÇÃO DIFERENCIADA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ECOLOGIA DE CUIDADOS
BRUNA MANNA STARLING DINIZ - USP, MARILIA CRISTINA PRADO LOUVISON - USP


Apresentação/Introdução
A pandemia da Covid-19 evidenciou uma crise civilizatória anterior, da modernidade ocidental, exacerbando desigualdades sociais e ambientais. As cosmovisões dos povos originários do Sul Global possuem modos de vida que sugerem sociedades mais justas e sustentáveis, porém, a colonialidade do saber perpetua hierarquias epistemológicas, desafiando o diálogo entre medicinas ocidental e indígena. O reconhecimento e a implementação de políticas públicas voltadas para os povos indígenas, como o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) e a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), representam avanços na garantia de direitos e na valorização das especificidades culturais e de saúde desses grupos, embora desafios persistam na efetivação do diálogo intercultural e na superação da colonialidade do saber e do poder, sendo necessário reconhecer as limitações do modelo biomédico na abordagem dos processos de saúde e doença. Esta pesquisa buscou abrir espaço para interlocução com saberes e práticas em saúde indígenas, como aprendizado a partir de suas lutas e modos de vida, se concentrando no povo Guarani Mbya da Terra Indígena (TI) Jaraguá, em São Paulo, cuja resistência ao crescimento urbano e à especulação imobiliária gerou saberes valiosos que podem ampliar a compreensão hegemônica de saúde e abrir espaço para uma Ecologia de Saberes e Cuidado.

Objetivos
Objetivo geral: analisar como os saberes e práticas indígenas sobre saúde, doença, cura e cuidado se encontram com o SUS para a construção de uma Ecologia de Saberes e do Cuidado. Objetivos específicos: identificar saberes e práticas sobre saúde, doença, cura e cuidado dos indígenas da TI Jaraguá; Identificar como os indígenas da TI Jaraguá percebem a atenção diferenciada no SUS e investigar os limites e possibilidades do diálogo de saberes e práticas de saúde, cura e cuidado no âmbito do SUS.


Metodologia
Foi utilizada a metodologia qualitativa, que valoriza a compreensão aprofundada dos fenômenos, considerando crenças, valores e práticas dos sujeitos. Foram realizadas entrevistas narrativas, técnica que permite captar e reconstruir acontecimentos sociais, emergindo histórias de vida e contextos. A escolha por entrevistas narrativas se relaciona a valorização da oralidade que sustenta suas tradições indígenas como modo de vida e transmissão de conhecimento. Foram entrevistados 10 usuários do SUS da TI Jaraguá com diversidade de gênero, idade e papéis sociais e 5 trabalhadores indígenas da UBS Aldeia Jaraguá Kwarãy Djekupe. As entrevistas seguiram a técnica Bola de Neve e foram gravadas e transcritas, garantindo sigilo. Além das entrevistas, foi feita uma observação participante, utilizando um diário de campo para registrar observações. A análise dos dados seguiu a análise temática, organizando o material em núcleos de sentido. Esta abordagem valoriza a oralidade e a transmissão de conhecimento na população indígena, mantendo uma postura aberta às perspectivas dos atores sociais envolvidos.

Resultados e Discussão
A pesquisa mostrou que para os Guarani da TI Jaraguá existe uma divisão muito bem delimitada entre o que é a doença espiritual e física, sendo a primeira tratada na casa de reza (Opy) pelo Xeramõi (pajé), com forte vínculo à saúde mental; e a segunda, em sua maioria, levada para tratamento no SUS. Elementos que fazem parte da cultura tradicional, como a dança dos xondaros (guerreiros), a alimentação e o cultivo da roça, a construção da casa e o território demarcado aparecem como fundamentais para a saúde e bem-estar dos Guarani, fazendo parte de um modo de vida mais amplo, o nhanderokó. A pesquisa revela desafios de saúde: enfraquecimento da tradição devido à influência urbana, exposição ao alcoolismo, insegurança alimentar, saneamento precário e infecções respiratórias, agravadas pela má ventilação nas casas e exposição à fumaça. Embora se sintam bem atendidos na UBS, queixas mostram insatisfação comuns com questões como o agendamento rígido, poucas visitas dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS), transporte, saneamento básico. Atualmente, a atenção diferenciada (AD) se revela na atuação dos AIS e dos Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN), na integração com a rede de alta complexidade por meio de fluxos específicos para os Guarani, na proposição de PICS Guarani na UBS e na própria sensibilidade dos profissionais com a comunidade. Desafios para a AD incluem limitações de equipe, terceirização de serviços e falta de diálogo entre os órgãos governamentais envolvidos. Aspectos éticos e culturais também são sensíveis, exigindo compreensão e respeito. Ainda que se sintam bem atendidos no SUS, os indígenas consultados compreendem que a AD não é efetiva, pois a interação do SUS com suas tradições e o reconhecimento formal de suas práticas é insuficiente.


Conclusões/Considerações finais
Para os Guarani, a divisão delimitada entre a doença espiritual e física, indica diferentes tratamentos, em que o SUS, em sua maioria, se incube da segunda. Apesar de haver evidência de que os usuários se sentem bem atendidos pela UBS e de que há um encontro entre o SUS e práticas tradicionais em algumas ações, os recursos humanos, financeiros, institucionais e territoriais ainda são insuficientes. O diálogo intercultural pode melhorar a atuação dos profissionais, mas legitimar os saberes e iniciativas autônomas é essencial para uma ecologia do cuidado. A maioria dos desafios em saúde da TI Jaraguá se relaciona aos seus determinantes sociais, diretamente relacionados à falta do território demarcado. Se temos pistas de que saúde para os Guarani é manutenção da tradição e território, fica o desafio de como o SUS poderia incorporar a luta do direito à terra como parte da luta em defesa da vida, já que o território é vital para a saúde e exercício do nhanderokó para os Guarani.

Referências
GARNELO, Luiza. O SUS e a Saúde Indígena: matrizes políticas e institucionais do Subsistema de Saúde Indígena. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2014. p. 107-142
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
LANGDON, E. J. Uma avaliação crítica da atenção diferenciada e a colaboração entre antropologia e profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Contra Capa/Associação Brasileira de Antropologia; 2004. p. 33-52.
MINAYO, Marília Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Editora Hucitec, p.261-268, 2006.
NUNES. J. A; LOUVISON, M. Epistemologias do Sul e descolonização da saúde: por uma ecologia de cuidados na saúde coletiva. Saúde Soc. São Paulo, v.29, n.3, 2020.
QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, n. 13, p. 11-20. 1992.

Fonte(s) de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001


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