Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.16 - Saúde para os povos indigenas

49999 - A DETERMINAÇÃO SOCIAL DAS INIQUIDADES RACIAIS EM SAÚDE BUCAL DOS POVOS INDÍGENAS
LUCAS FERNANDO RODRIGUES DOS SANTOS - IAM (FIOCRUZ PE); UFPE-CAV, TAINÁ FAUSTINO MAFRA - IAM (FIOCRUZ PE), HERIKA DE ARRUDA MAURICIO - UPE-FOP, RAFAEL DA SILVEIRA MOREIRA - IAM (FIOCRUZ PE); UFPE-CCM


Apresentação/Introdução
A abordagem da determinação social do processo saúde-doença-cuidado entende a saúde articulada com processos socio-históricos. Se distancia de uma proposta biologicista, descontextualizada, individualizante e naturalizadora de injustiças sociais, posicionando-se em disputa ideológica contra o paradigma neoliberal, questionando sobre a necessidade de mudanças estruturais para promoção da saúde, compreendendo as assimetrias de poder na ordem socio-econômica-jurídica vigente como elementos analíticos, almejando uma sociedade com menos desigualdades injustas(1).
Nações construídas sobre os legados coloniais de racialização, desumanização, inferiorização e escravização, apresentam um perfil intenso de desigualdades raciais na saúde, enquadrando-se como iniquidades em saúde, uma vez que estão intrinsecamente vinculadas à inabilidade de tratar o evitável, assimétrico e injusto processo histórico-político denominado racismo, que se materializa como discriminação racial(2,3).
O racismo impacta em todas as facetas do bem-estar humano, incluindo o campo da saúde bucal. Este campo permite um olhar diferenciado acerca das injustiças sociais na medida que reflete simultaneamente circunstâncias materiais desiguais, acesso desigual aos serviços de saúde e iniquidades estruturais ao longo da vida e das gerações. Dessa forma, uma boa condição de saúde bucal é indicador do exercício de cidadania(4,5).

Objetivos
O objetivo deste trabalho é a elaboração de reflexões críticas sobre as iniquidades raciais que atingem as condições de saúde bucal dos povos indígenas, sob a perspectiva da determinação social do processo saúde-doença-cuidado, visando contribuir com proposições para enfrentamento da estrutura e dos modos de socialização que as reproduz, e para a desnaturalização das injustiças em saúde.

Metodologia
Um ensaio crítico articulando os temas da saúde bucal de povos indígenas, iniquidades raciais em saúde e a abordagem da determinação social do processo saúde-doença-cuidado foi conduzida. A abordagem da determinação social da saúde, diferenciando-se da difundida abordagem sobre determinantes sociais da saúde, toma como fundamental para análise da realidade os modos de organização, formação e reprodução social, e suas consequências sobre a saúde populacional, para que se respondam questões de pesquisa ancoradas na realidade concreta(1,2).
Nesse sentido, buscou-se traçar reflexões sobre como as iniquidades raciais que atingem a saúde bucal dos povos indígenas apresentam uma determinação social, compreendendo que as condições de saúde e adoecimento dos povos indígenas dependem das condições de vida as quais estão sujeitados, que, por sua vez, dependem das condições sociais de reprodução da vida no contexto social-econômico-jurídico nos quais estão inseridos. Assim, se propõe uma denúncia das iniquidades raciais em saúde bucal, contextualizada socio-historicamente e compreendendo as assimetrias de poder e as dinâmicas sociais da ordem sociopolítica vigente(1-3).


Resultados e Discussão
Considerando as expressões institucionais/estruturais do racismo, abordar a extensão da iniquidade entre grupos racialmente hierarquizados requer não apenas modificar comportamentos individuais, mas também processos institucionais, ideologias e estruturas de poder que sustentam o racismo, e, portanto, violam direitos à saúde e inviabilizam a democracia2-6.
Iniquidades raciais em saúde não são determinadas pelo atributo raça/cor, mas sim pela exclusão e violência racial sofrida pelos grupos subalternizados pela racialização. Raça não atua de maneira isolada, sendo fundamental a compreensão da sua sobredeterminação social com a noção de classe, assim como em um processo interseccional, via marcadores como gênero, sexualidade e religião2,3,6,7.
A discussão da saúde dos povos indígenas precisa incorporar os impactos de um legado colonialista, via políticas de concentração da terra, o argumento de inferioridade ou primitivismo, a prática de tutela, assimilação cultural, o impedimento de acesso a políticas públicas, extermínio e exploração2,3,7. Nesse sentido, faz-se necessário superar a abordagem metodológica do racismo como um simples fator de risco ao adoecimento bucal, compreendendo-o como um sistema de dominação multidimensional, como elemento fundante das sociedades contemporâneas, e assim, motor de mecanismos subjacentes às precárias condições de saúde bucal dos povos oprimidos pela racialização3-6.
Em todo o mundo, povos indígenas apresentam elevadas iniquidades em saúde bucal, havendo uma relação entre a adoção de políticas neoliberais e o aumento de desigualdades sociais e dos impactos na saúde bucal desses povos2,4. Tais impactos são expressos por maiores índices de adoecimento bucal, menor acesso aos serviços odontológicos e autopercepção negativa da saúde bucal4-6.

Conclusões/Considerações finais
Estratégias para reduzir as iniquidades raciais em saúde bucal são variadas, coletivas e intersetoriais. Exigem um compromisso contracolonial/antirracista amplo e sustentado, visando influenciar os domínios de poder do sistema de discriminação racial, mitigar o impacto racista nos sistemas jurídico, educacional, e de saúde, e apontar a responsabilização da estrutura capitalista e seus atores.
Faz-se necessário intervenções em políticas públicas, em específico na Política Nacional da Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, junto à um redirecionamento da pesquisa-ensino, da gestão/atenção em saúde bucal, de maneira a qualificá-las ao reconhecimento das necessidades em saúde deste grupo; dos processos de determinação social que atingem sua saúde, suas dinâmicas e especificidades históricas, culturais, territoriais/ambientais e sociodemográficas; à difusão do debate crítico sobre colonialidade e racialização, desnaturalizando estigmas e falsas associações entre iniquidades em saúde e raça/cor.

Referências
(1) Borde E, Hernández M. Revisiting the social determinants of health agenda from the global South. Glob. Public Health (2018);
(2) Almeida SL. Racismo Estrutural. São Paulo (BR): Sueli Carneiro;Pólen (2019);
(3) Brambilla BB et al. A branquidade e a (des)racialização do estado brasileiro e suas desigualdades. In: Cordeiro RC, et al. Saúde da população negra e indígena. Editora UFRB (2020);
(4) Jamieson L et al. How neoliberalism shapes indigenous oral health inequalities globally: Examples from five countries. Int J Environ Res Pub Heal (2020);
(5) Santos MPA, Bastos JL. Ethos antirracista em saúde bucal coletiva como imperioso à vida. Cien Saude Colet (2024);
(6) Bastos JL et al. Making science and doing justice: the need to reframe research on racial inequities in oral health. Community Dent. Health (2021);
(7) Baniwa G. Vozes Indígenas na produção do conhecimento: para um diálogo com a saúde coletiva. São Paulo (BR): Hucitec (2022).


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