48560 - TRAJETÓRIAS DE GRADUANDOS QUE INGRESSARAM EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA POR MEIO DE AÇÕES AFIRMATIVAS KAMILA VASQUES CARVALHO RODRIGUES - UNESP, DINAIR FERREIRA MACHADO - UNESP
Apresentação/Introdução Transformar pela educação, cota não é esmola
No Brasil, desde o período colonial até dias atuais persiste a distribuição desigual de renda, principal desencadeador das desigualdades econômicas e sociais, sendo fortalecida por meio da ausência de políticas sociais de qualidade, bem como ao cenário de desemprego conjuntural e estrutural. O acesso à educação é a principal forma de transformação social, do sujeito e da sociedade, para o grande pensador Paulo Freire (1987) educar é transformar, desde que transforme a realidade opressora, desigual e desleal, um enfrentamento sócio-histórico.
Há de se contextualizar a história para que a consciência de classe e social em tempos atuais fortaleça-se. Apesar da princesa Isabel, ter assinado a lei Áurea aos 13 de maio de 1888, por grandes pressão inglesa, uma vez que já estavam apontando as ideias e os ideais da Revolução Industrial, tornando-se o Brasil o último pais das Américas a abolir a escravidão, o fim, não significou a garantia de politicas que os integrassem socialmente ao novo regime de organização de trabalho e educação (ABREU E PEREIRA,2011).
Todas as instituições e entidades se isentaram de quaisquer responsabilidades com os libertos, mesmo em liberdade, os negros permaneceram marginalizados, despossuídos de bens e propriedades, com acesso restrito a educação, morando em áreas periféricas e tendo que se sujeitar a trabalhos degradantes, muitas vezes ainda nas casas de seus antigos senhores, em troca de baixos salários. Além disso, continuaram a sofrer com o preconceito e com o racismo que marcou e ainda marca a sociedade brasileira, que muito discriminou e os tratou como sendo inferiores (FERNANDES, 1965).
Constituindo se em um processo desigual, desleal e opressor, a forma como se dá o processo de abolição deixou marcas sociais, seus vestígios são sentidos até nos dias atuais.
Para Djamila Ribeiro, (2019) no livro Pequeno Manual Antirracista quando estudamos a história do Brasil, vemos como esses e outros preceitos, estabelecidos durante e após a escravidão, contribuíram para a manutenção da mentalidade “casa grande e senzala” no país em que, nas senzalas e nos quartos de empregada, a cor foi e é preta. Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades, e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer, reforçando as ações do patriarcado.
Ao que se tange o processo de consolidação do ensino superior no Brasil, trata-se de um espaço destinado a poucos, visando privilegiar as elites sociais (Carneiro e Bridi,2020), as primeiras experiências surgem no Brasil colonial onde eram ministradas por religiosos da igreja católica, limitadas aos cursos de filosofia e teologia com viés dogmático e de captar evangelizadores para a igreja católica. Com a vinda da família imperial portuguesa, são trazidos os cursos de engenharia, medicina, direito e agronomia (Rodrigues,2011), o objetivo era formar burocratas para o estado e especialistas para a produção, iniciando a formação de profissionais liberais, filhos de fazendeiros.
Segundo Coelho (1999), até o século XVIII, a tarefa de curar pessoas era compartilhada por pessoas com diferentes formações (de curandeiros a barbeiros), mas no século XIX a medicina se tornou uma profissão e passou a controlar o mercado de tratamento de doenças. Assim, a formação de médicos se tornou importante para cuidar da saúde da elite. Já os engenheiros eram necessários para o desenvolvimento do território, uma vez que havia o interesse em construir estradas, pontes, edifícios e explorar recursos naturais. Por fim, os advogados serviam à importante tarefa de regular o estado, neste período que os diplomas de nível superior passaram a conferir uma espécie de status social aos graduados, que se tornaram uma aristocracia ocupacional. Questiona se onde estariam os negros libertos neste processo de consolidação do ensino superior, uma vez que é sabido que a mão de obras para construção de estradas e pontes era negra, bem como que doentes sem recursos e os marginalizados sem defesa.
Nesta perspectiva histórica, por volta de 2000, chega ao Brasil após pressão social a política de ações afirmativas, criada nos Estados Unidos da América na década de 1960, pelo então presidente Kennedy, trazida com intuito de diminuir e amenizar as desigualdades sociais e econômicas entre brancos e negros na mesma perceptiva dá do país que a crio.
Promulgada em 29 de agosto de 2012, a lei 12.711, denominada lei de cotas, dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, estabeleceu reserva de vagas para estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas e oriundos de escolas públicas. Falando sobre a educação de pretos; pardos e pobres, agências de pesquisas tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2020), apontam que 79,2 % de jovens que frequentaram a rede privada de ensino ingressaram no ensino superior contra 28,2% de jovens da rede pública; 36% dos jovens brancos entre 18 a 24 anos estão estudando ou terminaram a graduação, sendo apenas 18% entre pretos e pardos.
As ações afirmativas representaram um avanço significativo em relação ao acesso ao ensino superior, mas muito ainda precisa ser feito para alcançar de fato a realidade de uma igualdade sociorracial, uma vez que o ingresso, a evasão e a retenção de estudantes acompanham as marcas de estigmas sociais.
Investir em práticas que ressignifiquem os caminhos para a educação, fortalece ações de justiça social para grupos historicamente excluídos. Contudo, as cotas resolvem o acesso desse grupo ao ensino superior e não a permanência e o pertencimento deles nesses espaços. Deste modo, as condições de renda, cor de pele e gênero podem se tornar empecilhos para a permanência, vivência universitária e para a conclusão do curso.
Estudos indicam que mulheres pretas cotistas enfrentam dificuldades de permanecer no ambiente, a falta de identificação e representatividade em “um espaço brancocêntrico” na fala de Alcântara e Silva Júnior (2020) enfatiza a hierarquização de raça, gênero e sexualidade. Trazendo a ideia de Nascimento (2015), quanto mais melanina, mais difícil se torna o espaço acadêmico, expor a negritude; a aparência física ;o nariz largo, a boca grossa, o cabelo crespo, trazem episódios de racismo, sexismo e classicismo. O silêncio por trás da “brincadeira” dói, o olhar tem peso, o racismo é destrutivo a vida humana.
Já os estudantes oriundos da escola pública encontram dificuldades de “acompanhar” os demais alunos no que cabe ao conteúdo acadêmico, entretanto, compete salientar que esta dificuldade não se dão por questões cognitivas em sua maioria, mais sim, devido ao histórico de privações sociohistóricas, econômicas e culturais, sendo sabido, que a grande maioria dos ingressantes em universidades públicas têm sua formação básica preparada por escolas particulares. QUEIROZ E SANTOS, (2016)
A questão econômica também afeta diretamente a participação em atividades que fazem parte da vida acadêmica, uma vez que os cursos de graduação são em período integral, sendo altos os custos para sua manutenção. Nesta perspetiva políticas de permanência estudantil são estratégicas para diminuir a evasão e garantir a conclusão do curso. Entretanto, muitas vezes, os recursos são insuficientes, se levarmos em consideração o quantitativo de estudantes em vulnerabilidade social que ingressam todos os anos nas universidades. COPE (2021)
Ao que se refere a perspectiva de saúde mental de estudantes cotistas, a poucos estudos, entretanto, Barros,(2021), aponta que os estudantes cotistas de maneira geral tendem a ter maiores chances de apresentarem transtornos mentais comum, depressão e ansiedades, estariam presentes nestes contextos repercussões sobre auto estima ou auto imagem bem como a pressão por desempenho, como já dito anteriormente o racismo mata, podendo ser mencionada ainda as múltiplas situações de violências vivenciadas em corredores, sem câmeras ou testemunhas.
Exige-se dessas estudantes esforços múltiplos, na condição de mulheres pretas, estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas e oriundos de escolas públicas, para saírem da invisibilidade social em que foram colocadas, a importância da inserção de políticas afirmativas de recorte étnico-racial nas universidades, favorece a ampliação do acesso da população subalternizada ao ensino superior, como também de manutenção destes na trajetória universitária, aspectos essenciais na luta em prol da reparação histórica junto a estes sujeitos.
Deste modo, o presente estudo será orientado pela seguinte pergunta de pesquisa: Como têm sido as trajetórias de vidas de jovens que ingressaram na graduação no curso de medicina via sistemas de cotas?
Objetivos Analisar dificuldades socioeconômicas, raciais e de gênero e as situações de preconceitos e de violências de estudantes cotistas que ingressaram na graduação em medicina de uma universidade pública.
Metodologia Trata - se de uma pesquisa qualitativa a qual busca responder questões peculiares da vida e comportamento das pessoas, preocupando-se com realidades, percepções, crenças, aspirações, valores, atitudes e contextos sociais que não podem ser quantificados (MINAYO, 2021). Foram entrevistados 16 estudantes da graduação de medicina de uma Universidade Pública do interior do estado de São Paulo, sendo 8 do sexo masculino; onde 4 de cor de pele preta e 4 de cor de pele branca, posteriormente serão entrevistados também 8 do sexo feminino; onde 4 de cor de pele preta e 4 de cor de pele branca, as entrevistadas acontecerão de forma individual e gravadas, orientadas por um roteiro semiestruturado a seguir:
1) Fale como era a sua vida antes de entrar na faculdade (com quem morava, dinâmica familiar/ dificuldades familiares/ violências/trabalhava e estudava…)
2-) Fale como foi quando foi chamado para a matrícula (dificuldades familiares/financeiras/psicológica/ medos/apoios…)
3-) Fale como foi quando chegou em Botucatu/SP( teve ajuda dos calouros/da instituição/medos /inseguranças/passou alguma dificuldade)
4-) Fale como foi adentra em um curso de graduação em medicina de uma universidade pública por meio de cotas (como foi recebido pelos demais alunos/ como se sentiu durante as aulas)
5) Fale sobre como você tem enfrentado emocionalmente esse novo ciclo da sua vida
6-) Deixe uma mensagem para os futuros alunos cotistas
Os dados foram analisados segundo a teoria da análise de conteúdo, modalidade análise temática (Bardin, 2011),
Resultados e Discussão Os resultados nos proporcionaram o conhecimento das vivências, das experiências e das lutas enfrentadas para se ter acesso à educação superior, as dificuldades socioeconômicas, raciais e de gênero, bem como as situações de preconceitos e de violências de estudantes cotistas que ingressaram na graduação em medicina de uma universidade pública.
Conclusões/Considerações finais Pretos, pobres, patriarcados, a educação pública no Brasil é transgredida por grandes desafios oriundos da falta de investimentos bem como ao um cenário de equívocos socioculturais enraizados; o racismo e as dificuldades socioeconômicas, dificultam o acesso igualitário ao ensino superior. Nesse sentido, torna-se necessário a adoção das políticas afirmativas; ações adotadas, com um caráter transitório até o alcance de padrões sociais mais igualitários.
Referências 1 - Abreu, Martha e Pereira, Matheus Serva - Caminhos da liberdade : histórias da abolição e do pós-abolição no Brasil / Martha Abreu e Matheus Serva Pereira (orgs.) . – Niterói : PPGHistória- UFF, 2011.
2- Alcântara, M. S., & Silva Junior, P. R. (2020). Uma investigação sobre as trajetórias de mulheres negras na universidade pública. Revista AMAzônica, 25(2), 127-163.Acesso em 07 de junho de 2023 https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/amazonica/article/view/7767
3 - BARDIN, Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. .
4 - BARROS, Rebeca Neride - Saúde Mental de estudantes universitários, o que está acontecendo nas universidades?/ dissertação mestrado
5 - BRASIL. (2012, 29 de agosto). Lei no 12.711, de 29 de Agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.
6- BRASIL, Decreto 7824- Regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7824.htm
7 – Carneiro, L.A.V., & Bridi,F.R.S.(2020). Politicas Publicas de Ensino Superior no Brasil:um olhar sobre o acesso e a inclusão social. Revista Ibero Americana de Estudos em Educação,15 (1), 146 – 158. Acesso em 05 de junho de 2023 https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12059
8 - Coelho, Edmundo Campos - 1999. As Profissões Imperiais
9- Fernandes,F. (1965). A Integração do Negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus.
10 - Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro: Paz e Terra.
11- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: coordenação de população e indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE.
12 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA 2020 Atlas da violência 2020. 10 - Nascimento, G. X. C. (2015). Os perigos dos Negros Brancos: cultura mulata, classe e beleza eugênica no pós-emancipação (EUA, 1900-1920). Revista Brasileira de História, 35(69), 155-176. Acesso em 02 de junho de 2023
https://www.scielo.br/pdf/rbh/v35n69/1806-9347-rbh-35-69-00155.pdf
13 - Queiroz, D. M., & Santos, C. M. (2016). As mulheres negras brasileiras e o acesso à educação superior. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, 25(45), Acesso em 02 de junho de 2023.
Fonte(s) de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
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