Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.12 - Saúde Mental e Território no contexto das populações vulnerabilizadas

54408 - CORPOS (E MENTES) INVISÍVEIS?: UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA PESSOAS TRANS NO BRASIL
MIRELA STUDART MENDES CAVALCANTE - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC


Apresentação/Introdução
O Brasil tem se consolidado como o país que mais mata pessoas trans no mundo (SOUZA; PRADO, 2019), sendo essa população exposta diariamente a violência. Teóricos como Butler (2006) afirmam que tais agressões estejam incorporadas naturalmente a sociedade, uma vez que existe um sistema de normas (práticas repetidas cotidianamente) que definem parâmetros entre o considerado “normal” - corpos cis, héteros - e o “abjeto” - toda sorte de corpos e modos de existir que não obedeçam a cisheteronormatividade. Tal delimitação confere também legitimidade a determinadas existências, de modo que a existência trans não é compreendida como inteligível e as leis denominadas de direitos “humanos” não se aplicam a esses corpos (BUTLER, 2006). Assim, essa população encontra-se desassistida pelo Estado, pelas garantias de segurança, educação e saúde (SOUZA; PRADO, 2019). No contexto do presente trabalho, enfoca-se a saúde mental, verificando que esse cenário inóspito é também uma fonte inegável de adoecimento psíquico. Assim, busca-se perscrutar o campo das políticas públicas, que embora possam existir e ter avançado desde o início da reivindicação dos direitos pelos movimentos sociais LGBTQIAPN+ no Brasil, têm se mostrado ineficazes, a fim de contemplar a conjuntura da saúde mental da população trans (PT) no país.

Objetivos
Observar a produção científica acerca de políticas públicas de saúde mental para a população trans no Brasil, buscando tecer reflexões acerca do resultado encontrado de forma qualitativa e quantitativa, contemplando o que tem sido produzido, a quantidade em que tem sido realizada tal produção, bem como que aspectos do tema são tratados nos textos selecionados. Desse modo, procura obter-se um vislumbre de como tem sido retratada uma população historicamente marginalizada pelo sistema público e de saúde.

Metodologia
A partir da pergunta norteadora “O que tem sido produzido acerca das políticas públicas envolvendo saúde mental para a população trans no Brasil?”. escolheram-se os descritores “políticas públicas”, “saúde mental” e “pessoas trans”, com base nos Descritores em Ciências da Saúde. A busca avançada com esses descritores por textos de quaisquer anos e idiomas foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde e na Plataforma Periódicos CAPES em junho de 2024. Para a seleção dos artigos, realizou-se a leitura do resumo e, se necessário, do texto completo. Os critérios de inclusão foram: tratar-se do cenário brasileiro; foco na PT; trazer reflexões sobre a saúde mental da PT; contemplar o campo das políticas públicas. Encontraram-se, inicialmente, dezessete artigos. Desses, excluíram-se treze após leitura do resumo, pois: dois não contemplavam a PT; oito não enfocavam o Brasil, dos quais dois também não tratavam de saúde mental; e três eram duplicatas. Após leitura integral, excluiu-se mais um por tratar-se de um texto de natureza mais conceitual que não contemplava bem o enfoque da saúde mental. Assim, sobraram três artigos para leitura completa e análise.

Resultados e Discussão
O primeiro trabalho se tratava de uma revisão integrativa sobre a saúde mental das pessoas trans durante a pandemia da COVID-19 (SANTOS et al, 2023); o segundo, um artigo de reflexão sobre a construção de políticas públicas para essa população com base na Psicologia, que tem a atribuído noções patológicas (VIEIRA et al, 2019); o último era uma pesquisa qualitativa analisando a relação entre o acesso e o uso de serviços por saúde mulheres transexuais no interior do nordeste e os fatores de estresse e resiliência apresentados por elas (MEDEIROSA et al, 2024).
Observa-se que os artigos possibilitam um olhar acerca das experiências das pessoas trans e da conjuntura em que estão inseridas em relação a desassistência das políticas públicas, bem como o prejuízo causado por tal desamparo ao bem-estar psicológico desses indivíduos (VIEIRA et al, 2019). Observou-se um histórico quanto às políticas públicas de saúde para pessoas trans, como a Política Nacional de Saúde Integral a LGBT, que especifica a necessidade de cuidados especiais a saúde mental dessas pessoas, e a portaria lançada em 2013 que amplia a rede de cuidados do processo transsexualizador do SUS, oferecendo, inclusive, acompanhamento terapêutico. Entretanto, vê-se que tal oferta de cuidado possui também um caráter patologizador, sendo necessário o psicodiagnóstico e um laudo para realização do processo de “redesignação de sexo”. Tais políticas, formuladas com base na lógica cishetenormativa, muitas vezes não se materializam, são ineficazes e de difícil acesso para a PT (MEDEIROSA et al, 2024).


Conclusões/Considerações finais
Dos dezessete trabalhos primeiramente encontrados a partir da busca com os descritores, posteriormente filtrados em quatro, observa-se que apenas um trata diretamente das políticas públicas em saúde para a PT no Brasil, apresentando também dados sobre a saúde mental. Ainda que a leitura do restante permita reflexões importantes sobre a vivência dessa comunidade, que é perpassada por desassistência, violências sistemáticas e discriminações diárias, conclui-se que o resultado encontrado nesta revisão foi incipiente. O corpo (e, pode-se dizer, a mente) trans, cuja autonomia busca ser retirada por meio de laudos e protocolos, é não apenas agredido nos sistemas de saúde que deveriam acolhê-lo, mas invisibilizado pelos estudos que deveriam levantar dados, avaliar tais procedimentos e criar abordagens atentas às especificidades dessas pessoas.

Referências
BUTLER, J. (2015) Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização brasileira.
SOUZA, M; PRADO, M. Violências, mulheres travestis, mulheres trans: problematizando binarismos, hierarquias e naturalizações. Rev. Polis e Psique, v. 9 n. 2, p. 45-66, 2019.
SANTOS, M et al.. Impacto Psicossocial da Pandemia de COVID-19 na Saúde Mental de Pessoas Transexuais e Travestis: Revisão Integrativa. Psico-USF, Bragança Paulista, v, 28, n 3, p. 579-598, jul/set. 2023.
VIEIRA, E; DUTRA, C; PEREIRA, C; CAVALCANTI, C. Psicologia e Políticas de Saúde da População Trans: Encruzilhadas, Disputas e Porosidades. Psicologia: Ciência e Profissão v. 39, n.spe 3, p.161-173, 2019.
MEDEIROSA, M; GOMES, S; JUNIOR, V. Fatores de estresse e resiliência no acesso e utilização de serviços de saúde por travestis e mulheres transexuais no nordeste brasileiro. Saúde Soc. São Paulo, v.33, n.1, e220904pt, 2024.

Fonte(s) de financiamento: Não obteve.


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