54313 - CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NO SERVIÇO SUBSTITUTIVO EM PRÁTICA CURRICULAR DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA : UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DAILEY OLIVEIRA CARVALHO - UEFS, TATIANE DE OLIVEIRA SILVA ALENCAR - UEFS, LAYLA SALUANNE BARBOSA DOS SANTOS - UEFS
Contextualização Os transtornos mentais (TM) têm tido relevância significativa na situação de saúde da população brasileira ao se apontar um crescimento considerável desses agravos. Em nível global, as estimativas indicam que 4,4% das pessoas sofrem de transtorno depressivo e 3,6% de transtorno de ansiedade, o que pode indicar a necessidade de boas práticas na área de saúde mental (Araújo; Torrenté, 2023).
A saúde/doença mental é muitas vezes relacionada à vulnerabilidade social por reproduzir uma lógica simplista que associa “loucura” e “pobreza”, o que representa a estigmatização com relação à uma população menos favorecida (Gama et al., 2014). Além dos retrocessos no modelo de atenção à saúde mental, as desigualdades sociais no acesso ao tratamento, a insuficiência das políticas de atenção e a invisibilidade dos contextos e/ou condições que produzem o adoecimento constituem-se em barreiras no enfrentamento dos TMs (Araújo; Torrenté, 2023).
Apesar dos avanços no cuidado ao indivíduo portador de TM, ainda se mantém uma permanência da lógica psiquiátrica biológica, marcada pela medicalização como primeira escolha. O aumento considerável no consumo de psicotrópicos associado ao crescente número de diagnósticos de transtornos psiquiátricos na população enfatiza a necessidade de uma assistência eficaz para o tratamento de indivíduos com transtornos mentais (Santos; Felipe, 2018).
Descrição da Experiência Trata-se de um relato de experiência, de caráter qualitativo e descritivo, de uma docente de universidade pública, doutoranda em Saúde Coletiva, num serviço substitutivo de saúde mental, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III, numa cidade no interior da Bahia, no ano de 2023. Neste cenário, desenvolvia suas atividades práticas com estudantes de enfermagem na perspectiva de cuidado baseada na política de saúde mental do Brasil, de 2001, fruto da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), convergente com as premissas de um modelo de atenção antimanicomial e desinstitucionalizadora; e nas políticas farmacêuticas, com a preconização do uso racional dos medicamentos.
A prática no CAPS III era um dos campos de atuação dos estudantes, que cumpriam uma carga horária total de 60 horas, divididas com outros serviços da Rede de Atenção Psicossocial. Neste cenário, as atividades envolveram o conhecimento do processo de trabalho dos profissionais de saúde e da oferta de serviços, prestação de cuidados que envolviam desde aferição de sinais vitais, anamnese psiquiátrica, exame físico, administração de medicamentos, bem como realização de educação em saúde.
Objetivo e período de Realização Relatar a experiência de uma docente de universidade pública, doutoranda em Saúde Coletiva, no cuidado ao indivíduo com TM num serviço substitutivo de saúde mental, em atividade de prática curricular do curso de enfermagem, onde se observou práticas multiprofissionais reducionistas ao tratamento medicamentoso e sem considerar a escolha do indivíduo com TM, no ano de 2023.
Resultados Durante as práticas curriculares, pode-se observar práticas multiprofissionais marcadas pela frequência na prescrição de muitos medicamentos, efeitos adversos, não adesão ao tratamento e uso abusivo de polifármacos. Sendo assim, a padronização das condutas e estabelecimento de listas de medicamentos essenciais pelos serviços é essencial na garantia do acesso a terapias seguras e eficientes (Silva et al., 2020).
Além disso, no cotidiano do serviço, observou-se processos de trabalho pautados na imposição do tratamento ao sujeito com TM, sem respeito as suas escolhas, repercutindo em práticas normatizadoras, sem considerar a reabilitação psicossocial e reconhecendo o medicamento como única forma de tratamento.
Diante disso, os desafios para a reconstrução de políticas de atenção em saúde mental no país envolvem transformação nos modelos de assistência e a necessidade de transformações sociais. A atenção psicossocial centrada na inclusão social e na produção de autonomia das populações com TM implica na superação de estruturas geradoras de opressão e subordinação, que intensificaram as desigualdades sociais e a exclusão de parcelas significativas da população (Araújo; Torrenté, 2023).
Aprendizado e Análise Crítica O objeto de estudo da tese do doutorado: políticas farmacêuticas para a saúde mental em países com Sistema Universal de Saúde permitiu reflexões sobre como os psicotrópicos correspondem a uma possibilidade terapêutica fundamental no tratamento de muitos transtornos mentais, porém, necessita-se de cautela, pois o uso indiscriminado pode expor os usuários a eventos adversos e interações medicamentosas importantes.
As práticas curriculares foram capazes de instigar a reflexão acerca dos desafios para as políticas farmacêuticas e de saúde mental no Brasil, que prescindem de espaços coletivos para a construção de alternativas e inovação nos serviços de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), pautada nos princípios de defesa de direitos e da dignidade humana.
Considera-se de extrema importância que os profissionais de saúde em formação tenham um olhar crítico sobre o discurso biomédico que ainda ocupa papel hegemônico, e que compreendam a necessidade de mudanças no tratamento de pessoas com TM, pautados na base comunitária, assegurando direitos humanos e potencializando a cidadania.
Almeja-se a construção de novos espaços de discussão sobre as práticas em saúde voltadas para o uso racional de medicamentos e o respeito às escolhas do indivíduo com TM, na perspectiva de fomentar proposições de políticas públicas de saúde que fortaleçam os serviços de saúde mental do SUS.
Referências ARAÚJO, T.M.; TORRENTÉ, M.O.N. Saúde Mental no Brasil: desafios para a construção de políticas de atenção e de monitoramento de seus determinantes. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, 32(1):e2023098, 2023.
GAMA, C. A. P.; CAMPOS, R. T. O.; FERRER, A. L. Saúde Mental e Vulnerabilidade Social: a direção do tratamento. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 17(1), 69-84, mar. 2014.
SANTOS, A.M. FELIPE, R.L. A ATUAÇÃO DO FARMACÊUTICO NA SAÚDE MENTAL APÓS A REFORMA PSIQUIÁTRICA: UMA REVISÃO DA LITERATURA. Trabalho de conclusão de residência apresentado ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde. UBERLÂNDIA - MG 2018.
SILVA, S.N.; LIMA, G.M.; RUAS, C.M. Uso de medicamentos nos Centros de Atenção Psicossocial: análise das prescrições e perfil dos usuários em diferentes modalidades do serviço. Ciência & Saúde Coletiva, 25(7):2871-2882, 2020.
Fonte(s) de financiamento: Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação)
UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana)
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