Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.12 - Saúde Mental e Território no contexto das populações vulnerabilizadas

53742 - PERSPECTIVAS SOBRE GÊNERO E SAÚDE MENTAL DA MULHER
SOFIA DIONIZIO SANTOS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE (UFCG)


Apresentação/Introdução
Nas últimas décadas tem avançado a construção de um cenário de discussões amplas, em que se reconhecem, cada vez mais, as questões de gênero como aspecto fundamental das experiências de vida das mulheres, o que inclui sua vivência com relação à própria saúde.
A saúde das mulheres já foi abordada como política de saúde focada apenas na perspectiva de função materna das mulheres. Atualmente, está vigente uma política que se propõe integral, mudança que se deve, em grande parte, às lutas sociais do movimento feminista (Souto; Moreira, 2021).
Espera-se que a atenção à saúde mental das mulheres também seja organizada na perspectiva da integralidade, sendo capaz de considerar as múltiplas possibilidades singulares de experiências sobre ser mulher. No campo da saúde mental, entretanto, mantém-se uma disputa sobre a orientação desta política de saúde, que se refletiu em retrocessos em anos recentes (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020). Para as mulheres, isso pode significar a reprodução de discursos ideológicos hegemônicos que sustentam iniquidades de gênero. Alguns desses discursos, inclusive, estão especificamente atrelados a representações históricas sobre a mulher e a loucura.

Objetivos
Discutir, em diálogo com textos selecionados da literatura, experiências de sofrimento psíquico de mulheres, abordando discursos promotores de iniquidades em saúde e contemplando as perspectivas de gênero.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica, para produção de conhecimentos acerca da temática proposta. Buscaram-se, na literatura, produções bibliográficas que contribuíssem para a discussão sobre a saúde mental das mulheres, contemplando a perspectiva de gênero. Fundamentando-se nesses textos de referência, propuseram-se algumas possibilidades de compreensão sobre experiências de sofrimento psíquico de mulheres.

Resultados e Discussão
Um elemento relevante para analisar os discursos sobre a loucura e o feminino é o resgate das representações sobre a “histeria”. Ao discutir essa representação, Stuart Hall (2016) toma como objeto o quadro “A lição clínica do Doutor Charcot”, de André Brouillet. Esta obra permite compreender a construção, naquele momento histórico, da histeria como uma condição simbolicamente feminina. Também se ilustra a performance característica do tema por Charcot, em Salpêtrière. Palestras abertas, fotografias e outros recursos indicam uma construção discursiva em que se explicita o poder exercido pela figura de autoridade masculina diante da manifestação da “histeria” feminina.
Na abordagem atual da psiquiatria diante do sofrimento psíquico de mulheres, percebe-se a necessidade de um olhar gendrado (Zanello, 2014). É necessário ir além do confronto entre análises epidemiológicas fundamentadas em um substrato biológico ou em causas sociais. A semiologia psiquiátrica, assim como outras áreas da medicina, é mediada pela linguagem e cultura. Constata-se que gênero é um fator na formação dos sintomas e manifestação dos transtornos, que não existem critérios diagnósticos neutros, e que ignorar esse olhar gendrado amplia o risco de medicalização/psiquiatrização de mazelas sociais (Zanello, 2014).
Uma das possíveis manifestações de sofrimento psíquico relacionado à questão de gênero se expressa nas vivências da mulher “dona de casa”, que assume múltiplas funções no âmbito doméstico, sem apoio e sem reconhecimento social (Santos; Diniz, 2018). De forma semelhante, mulheres “cuidadoras” vivenciam ausência da divisão da atividade de cuidado, sobrecarga, má qualidade de vida, insatisfação com relações familiares e maior prevalência de transtornos psiquiátricos menores (Kantorski et al., 2019).

Conclusões/Considerações finais
Conclui-se que não é possível pensar a saúde mental da mulher sem pensar nas condições sociais de sua existência. É necessário perceber a compreensão dessa questão como algo estreitamente relacionado à linguagem e à cultura, o que se expressa nas construções discursivas históricas sobre os transtornos mentais em mulheres. Por outro lado, evidenciam-se algumas consequências, para a dinâmica psicossocial e a manifestação de sofrimento psíquico, de ser mulher em uma sociedade patriarcal. Essas conclusões tornam imprescindível refletir sobre o papel de profissionais de saúde, gestores e da sociedade em geral no compromisso com a transformação dessa realidade, por meio da oferta de serviços adequados a essas condições e de apoio a ações coletivas de empoderamento, como construídas pela luta feminista.

Referências
CRUZ, N.F.O.; GONÇALVES, R.W.; DELGADO, P.G.G. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, 2020.
HALL. S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Apicuri, 2016.
KANTORSKI, L.P. et al. Gênero como marcador das relações de cuidado informal em saúde mental. Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, 2019.
SANTOS, L.S.; DINIZ, G.R.S. Saúde mental de mulheres donas de casa: um olhar feminista-fenomenológico-existencial. Psicol. clin., Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, 2018.
SOUTO, K.; MOREIRA, M. R. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: protagonismo do movimento de mulheres. Saúde em Debate, v. 45, n. 130, 2021.
ZANELLO, V. A saúde mental sob o viés de gênero: uma releitura gendrada da epidemiologia, da semiologia e da interpretação diagnóstica. In: ZANELLO, V.; ANDRADE, A.P.M. Saúde mental e gênero. Curitiba: Appris, 2014.


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