53294 - DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: DIÁLOGOS COM MULHERIDADES EM CONTEXTO DE USO DE DROGAS E VULNERABILIDADES DAYANE DA ROCHA PIMENTEL - INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ; CENTRO ACADÊMICO DE VITÓRIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, RUTH CAROLINA LEÃO COSTA - INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, CAMILA PIMENTEL - INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, KEILA SILENE DE BRITO E SILVA - CENTRO ACADÊMICO DE VITÓRIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Contextualização A forma como entendemos os Direitos Sexuais Reprodutivos (DSR) hoje em dia, foi fruto - e ainda é - de uma ampla disputa. As ideias base do DSR remontam aos anos 70 e suas raízes não se restringiram ao Norte global, ao contrário, seu significado foi potencializado quando mulheres dos países do Sul global, juntamente com as mulheres negras do Norte, intensificaram debates sobre autonomia sexual e reprodutiva e integridade corporal (Corrêa; Petchesky, 1996).
Os DSR, em caráter amplamente revolucionário e emancipatório dos corpos, representaram um avanço na perspectiva do cuidado feminino centrado unicamente na maternidade e pautou sua defesa inabalável da autonomia, integridade, igualdade, diversidade e justiça. Apesar do movimento significativo de expansão, observamos uma trajetória diferente emergindo, no qual os DSR tem sido alvo constantes de ataques e de inação para garantir a sua efetivação (Brandão; Alzuguir, 2022), principalmente quando se trata de mulheridades em contextos de vulnerabilidades e com experiência de uso de drogas. Portanto, a defesa dos DSR é cada vez mais necessária, sobretudo em cenário recente de retrocesso democrático e populismo reacionário, o que prejudica fortemente a garantia de direitos fundamentais.
Descrição da Experiência O presente texto é fruto dos momentos iniciais de aproximação do campo de pesquisa. Traz um relato de experiência das pesquisadoras vinculadas ao Laboratório de Estudos de Vulnerabilidades e Marcadores Sociais em Saúde da Fiocruz a um Centro de Convivência. Esse último, localizado em uma capital do Nordeste do Brasil, realiza atividades voltadas para a prática de redução de danos, promoção do cuidado em liberdade, cidadania e dignidade humanas para segmentos em situação de vulnerabilidades e família e comunidades afetadas pela atual política de drogas.
Nesse espaço, atualmente encontra-se em andamento um curso de formação pessoal e social que irá transcorrer sobre temáticas relacionadas a gênero e saúde, violência, feminismo e antiproibicionismo, identidade e pertencimento étnico-racial, saúde mental, economia de rua, estratégias de cuidado em rede etc. A partir da educação popular, os formatos das atividades atendem a metodologias ativas, escuta, compreensão das subjetividades, valorização da troca de experiências e reflexividade entre pares.
Os encontros ocorrem com frequência semanal e terão duração de cinco meses. A primeira turma conta a participação de 30 mulheridades, denominação política para afirmação da pluralidade que compõe o grupo (mulheres cis, trans e travestis), a equipe de redução de danos, estagiários e apoio das pesquisadoras da instituição de ensino.
Objetivo e período de Realização No presente relato de experiência será dada ênfase à vivência que promoveu o diálogo sobre DSR no Centro de Convivência. Assim, partindo do reconhecimento de situações enfrentadas, foram tecidas trocas sobre especificidades referentes à temática, gênero e sexualidade, aborto legal, consentimento, direito a escolha e empoderamento diante das garantias de direitos fundamentais. O período de realização ocorreu no mês maio de 2024.
Resultados A atividade formativa inscreveu a temática no campo dos direitos humanos. Foi problematizado a definição de DSR a partir do livre arbítrio das pessoas decidirem sobre os seus corpos; a terem acesso à informação de forma oportuna e de qualidade; e a garantia de exercer a sexualidade livre de discriminação. A partir das experiências das conviventes, foi solicitado a contribuição para atender às seguintes perguntas disparadoras: “O que é consentimento?”, “Quais os significados e sentidos atribuídos às práticas de violência?” e “Conhece alguém que obteve desfecho desfavorável durante a prática de aborto?”.
Os relatos anunciaram uma carga simbólica quando as mulheridades reconheceram o aumento da vulnerabilidade quando estão sob uso de substâncias psicoativas. E, para aquelas que estão em dinâmica de situação de rua e extrema pobreza, acrescentou-se também as restrições na rede de apoio e limitação de acesso aos serviços socioassistenciais. Acerca da prática de aborto, a totalidade das participantes conheciam alguém que não teve acesso ao procedimento para as situações previstas em lei; e, ou, houve adoecimento, morte, encarceramento ou instauração de processo judicial.
Aprendizado e Análise Crítica A noção de hierarquização de acesso aos DSR pode ser associada diante dos exemplos de violações vivenciadas pelas mulheridades. A discussão de “vidas precárias” propostos pela autora Judith Butler (2011) é fio condutor para identificar como ciclos de pobreza e vulnerabilizações são mantidos pela regulação formal empregada pelo aparelho do Estado (mediante controle, medicalização e criminalização), especialmente quando se trata de pessoas com experiência de uso de drogas (Brandão; Cabral, 2021).
Diante da complexidade, o fortalecimento do debate na Saúde Coletiva mostra-se bastante promissor (Martin; Pereira, 2022). Dada a capilaridade que possui enquanto campo interdisciplinar, poderá subsidiar a reorientação de políticas estratégicas com vistas a avançar em discussões intersetoriais para o atendimento das especificidades, adotando a categoria de análise de interseccionalidade como marcador de diferença social (Costa; Lobato, 2024).
Por fim, faz-se necessário articular justiça e autodeterminação reprodutiva como meios de comunicação entre lutas, nessas incluídas o fortalecimento da estratégia de redução de danos como alternativa possível de uma política de cuidado.
Referências BRANDÃO, E. R.; CABRAL, C. S. Vidas precárias: tecnologias de governo e modos de gestão da fecundidade de mulheres “vulneráveis”. Horiz. antropol., v. 27, n. 61, p. 47–84, set. 2021.
BRANDÃO, E. R; ALZUGUIR, F. C. V. Gênero e Saúde: Uma articulação necessária. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2022.
BUTLER, J. Vida precária. Contemporânea, São Carlos, n. 1, p. 13-33, 2011.
CORRÊA, S.; PETCHESKY, R. Direitos Sexuais e Reprodutivos: uma perspectiva feminista. Physis, v. 6, n. 1-2, 1996.
COSTA, A. M.; LOBATO, L. V. C. O que querem as mulheres? Saúde e direitos sexuais e reprodutivos. Saúde debate, v. 48, n. 140, p. e140ED, 2024.
MARTIN, D.; PEREIRA, P. P. G. Repensar a Saúde Coletiva e o papel das Ciências Sociais e Humanas em Saúde. Interface, v. 27, p. e220395, 2023.
Fonte(s) de financiamento: Programa Inova Fiocruz. Programa de Excelência em Pesquisa (PROEP) – Instituto Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (IAM-Fiocruz/PE).
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