Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.11 - Conhecimento, pesquisa e saberes das populações vulnerabilizadas

51513 - A CRISE ÉTICA DA PESQUISA CLÍNICA NO BRASIL: LEI 14.874/2024 E A FLEXIBILIZAÇÕES DAS NORMATIVAS BRASILEIRAS DE PROTEÇÃO DOS PARTICIPANTES
FERNANDO HELLMANN - UFSC, JUCÉLIA MARIA GUEDERT - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DO HOSPITAL INFANTIL JOANA DE GUSMÃO, ALINE DE SOUZA RUSCH - UFSC


Apresentação/Introdução
A pesquisa clínica é um campo essencial para o avanço da ciência médica e para o desenvolvimento de novos tratamentos. Porém, a globalização dos ensaios clínicos vem causando polêmicas, principalmente quanto a integridade dos dados coletados e possíveis violações dos direitos dos participantes1–3. No Brasil, o lobby do setor biofarmacêutico internacional (“Big Pharma”) é forte e levou à flexibilização das normas que protegem os participantes, levantando sérias preocupações éticas. Com a recente promulgação da Lei 14.874/20244, é imperativo discutir como essas mudanças regulamentares afetam a ética na pesquisa e a necessidade de políticas que priorizem a proteção dos participantes e a soberania nacional.

Objetivos
Objetivo geral: Analisar a influência da Lei 14.874/2024 na ética da pesquisa clínica no Brasil. Objetivos específicos: Discutir as desigualdades e impactos sociais da pesquisa clínica no Brasil; Avaliar a influência da Big Pharma e do lobby político nas regulamentações; Examinar a configuração histórica da ética em pesquisa no Brasil e as implicações da nova lei; Propor ações para garantir a ética e a proteção dos participantes na pesquisa clínica.

Metodologia
A análise foi realizada por meio de uma revisão bibliográfica e documental, utilizando fontes acadêmicas, legislativas e relatórios de organizações envolvidas na pesquisa clínica. Foram considerados aspectos históricos, sociais e econômicos para compreender a evolução das normas éticas e os impactos da Lei 14.874/20244. Além disso, foram analisadas as práticas de lobby da indústria farmacêutica e suas influências sobre as políticas públicas de saúde no Brasil.

Resultados e Discussão
O Brasil é local ideal para pesquisas clínicas multinacionais: população altamente miscigenada; grandes hospitais concentrados em regiões populosas, facilitando o recrutamento e propiciando menores custos; um número grande de pessoas sem tratamentos e fora de ensaios clínicos; forte relação médico-paciente, profissionais qualificados e regulação sanitária estável3,5.
Desigualdades e impactos sociais da pesquisa clínica no Brasil: Não existem normativas éticas para garantir que todos os estratos sociais sejam representados na experimentação farmacêutica. Há predominância de participantes de pesquisa provenientes das populações socialmente vulneradas.
Influência da Big Pharma e lobby político: A indústria farmacêutica sabe que seu sucesso econômico depende das decisões políticas e realiza um intenso lobby para influenciar políticas públicas e regulamentações.
Lei 14.874/2024, a ética sacrificada pelo lucro: A recente Lei 14.874/20244, torna os padrões éticos mais flexíveis e, segundo nossa argumentação, prioriza os lucros corporativos em detrimento da segurança dos participantes.
Fim do Sistema CEP/Conep e do Controle Social: A nova lei4 ignora a trajetória histórica do Conselho Nacional de Saúde (CNS) na regulamentação da ética em pesquisa e decreta o fim do Sistema CEP/Conep.
Mudanças nos CEPs: A partir das mudanças propostas o CEP deverá ser constituído de “membros das áreas médica, científica e não científica”, não se afirmando a necessidade de profissionais que entendam de ética aplicada.
Questões sobre a Proteção dos Participantes de Pesquisa: Outro aspecto preocupante é a permissão para remunerar indivíduos saudáveis que participem de ensaios clínicos, o que é especialmente preocupante no contexto brasileiro, onde a vulnerabilidade social é prevalente.


Conclusões/Considerações finais
A pesquisa clínica no Brasil deve ser conduzida de maneira ética, justa, transparente e benéfica para toda a sociedade. O afrouxamento das normas de proteção dos participantes em favor de interesses comerciais é um retrocesso inaceitável, especialmente prejudicial às populações vulneráveis.
É necessário estabelecer um sistema de pesquisa clínica que promova inovações de forma ética e sustentável. Além disso, serão necessários programas governamentais robustos para estimular estudos sobre doenças negligenciadas e populações historicamente privadas de terapias seguras, já que o setor não está interessado neles devido à baixa margem de lucro.
A crise ética na pesquisa clínica no Brasil exige uma resposta urgente. Para isso, o Poder Executivo precisa urgentemente trabalhar na regulamentação da Lei 14.874/20244, com o objetivo de reduzir os danos causados e potencializar a proteção dos participantes de pesquisa clínica e da soberania nacional.


Referências
1. Petryna A. When Experiments Travel: Clinical Trials and the Global Search For Human Subjects. Princeton University Press: Princeton, 2009.
2. Castro R. Economias políticas da doença e da saúde: uma etnografia da experimentação farmacêutica. 1st ed. Hucitec/Anpocs: São Paulo, 2020.
3. Homedes N, Ugalde A. Clinical trials in Latin America : where ethics and business clash. 2017.
4. Brasil. Lei no 14.874, de 28 de maio de 2024. Brasil, 2024.
5. Petryna A. Experimentalidade: ciência, capital e poder no mundo dos ensaios clínicos. Horizontes Antropológicos 2011; 17: 127–160.

Fonte(s) de financiamento: Não existem fontes de financiamento


Realização:



Patrocínio:



Apoio: