05/11/2024 - 13:30 - 15:00 RC2.11 - Conhecimento, pesquisa e saberes das populações vulnerabilizadas |
48571 - A GENEALOGIA DECOLONIAL COMO FORMA DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR EM SAÚDE GUILHERME RIBEIRO DOS SANTOS SENA - UFRN
Apresentação/Introdução Faz-se importante explicitar que o conceito de raça não existiu desde os primórdios da humanidade como um dispositivo de verdade baseado na diferenciação e hierarquização de indivíduos que apresentam traços genotípicos e fenotípicos distintos. De acordo com Aníbal Quijano (2005), essa criação data de meados do século XVI, com a invasão européia nas Américas. Havendo a necessidade da invenção de um mecanismo para legitimar a colonização, os europeus tomaram para si a superioridade branca e todos os benefícios que esse título confere a seus detentores, relegando o resto do mundo à inferioridade material, cultural, histórica, epistemológica e racial. Dessa forma, os processos brutais de colonização e escravização perduram até hoje nos diversos âmbitos das populações racializadas, inclusive na saúde. Pessoas pretas apresentam maiores chances de desenvolverem pressão alta por conta tanto do pior acesso a comida de qualidade, atualmente, quanto pelo excesso de sal que a que eram submetidos, durante o período colonial, por exemplo. Dito isso, se faz necessário entender como a branquitude e a negritude se apresentam enquanto mecanismos de promoção e negação de saúde, respectivamente e como esse se constituiu enquanto forma de opressão das formas tradicionais de promoção de saúde para a afirmação do seu ideal eurocêntrico e farmacocêntrico atual.
Objetivos O objetivo desta pesquisa é delinear a emergência e os atributos de uma genealogia decolonial do saber/poder e seus possíveis usos teórico-metodológicos-práticos na pesquisa em saúde, buscando explicitar saídas aos processos de saúde-doença ocidentalizadas. Com isso exposto, trarei à discussão os conceitos de branquitude e negritude vistos como mecanismos de negação do outro e afirmação de si, respectivamente.
Metodologia A análise aqui proposta foi engendrada a partir do projeto de pesquisa do primeiro autor como voluntário de iniciação científica, orientado pelo Prof. Dr. Lucas Trindade da Silva, do Instituto Humanitas de Estudos Integrados (UFRN). Além de Foucault e Quijano, os autores que serviram de inspiração para esse trabalho foram: Santiago Castro-Gómez e Walter Mignolo devido a suas importantes contribuições à teoria crítica da modernidade e dos problemas que o capitalismo periférico gera, além de permitirem uma maior compreensão de como poderiam ser pensados os processos de saúde-doença na materialidade latino-americana; Franz Fanon, por ser precursor dos estudos pós-coloniais, além de ser um dos maiores estudiosos dos processos de adoecimento psíquico dentro do contexto do colonialismo e da colonialidade; e Domenico Uhng Hur, por possibilitar o entendimento da esquizoanálise e esquizodrama e de como essas correntes teóricas entendem os processos de saúde-doença, possibilitando uma junção entre clínica e política.
Resultados e Discussão Dessa forma, foi possível entender a materialidade das relações etnico-raciais herdadas do processo colonizatório sob um novo prisma, enfatizando a historicidade e como elas se perpetuam. Bem como existem alternativas aos processos de saúde-doença que fujam dos ideias hegemônicos-eurocêntricos. Para tanto, foi necessário um aporte teórico que rompesse com o cânone predominante das ciências humanas, ao se propor uma ressignificação das possibilidades de pensar as formas racistas de classificação social, foi possível compreender a necessidade de descolonizar essas áreas do saber, de forma que não sirvam mais a interesses das elites europeias, nem como ferramentas de impor, através de estruturas sociossimbólicas, a normalização dos indivíduos. Dessa maneira, os aportes teórico-metodológicos da esquizoanálise e do esquizodrama permitem o entendimento da junção de uma clínica dos devires com as questões sociopolíticas, como o racismo. As iniquidades em saúde mental atingem patamares elevados quando analisamos o parâmetro étnico-racial, sendo, de acordo com Hur (2023), preciso exercitar devires pretos. Dessa forma, a genealogia decolonial opera como forma cartográfica de retirar órgãos dos corpos racializados (Hur, 2023), no âmbito da saúde, por se propor a analisar a situação a que esses corpos são submetidos e como são produzidas essas iniquidades decorrentes do marcador racial.
Conclusões/Considerações finais Portanto, se faz necessário entender como os processos raciais se originaram em consonância com o capitalismo, além das suas implicações na subjetividade humana. Além disso, mostrar como as identidades europeia e americana surgiram no mesmo movimento histórico, com a chegada desses em solos americanos. A dominação empreendida nesse continente se deu através de grande genocídio e epistemicídio das populações autóctones, com a conversão compulsiva à fé cristã, as populações que não foram totalmente exterminadas fisícamente, perderam parte do seu contato com suas culturas originárias. Em relação ao exposto, o trauma colonial se aprofundou com a chegada de pessoas em situação de escravidão vindas de África, fato fundamental para o desenvolvimento da Europa como potência econômica global. Dessa forma, os saberes tradicionais de saúde desses povos vieram para as Américas dentro dos navios, mas passaram por diversas formas de repressão ao longo dos séculos.
Referências CASTRO-GÓMEZ, S. Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da “invenção do outro”. In: Lander, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, p. 87-95, 2005.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo, SP: Ubu editora, 2020.
HUR, D. U. Esquizoanálise e esquizodrama: clínica e política. 2 ed. Campinas, SP: Alínea Editora, 2023.
MIGNOLO, W. Desafios decoloniais hoje: Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, pp. 12-32, 2017.
FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. 12 ed. São Paulo: Perspectiva, 2019.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 13 ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e terra, 2021.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
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