51954 - PROCESSOS DE SAÚDE E O CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM TRÊS CIDADES DO BRASIL MARIA OLÍVIA MENDES ROCHA - UFC, CAMILO AUGUSTO SOARES - UFC, VERÔNICA MORAIS XIMENES - UFC, RAYSSA MODESTO DE SOUZA BRITO - UFC, SAMYLA FERNANDES DE SOUSA - UFC, SAMIA DE CARLIRIS OLIVEIRA BARBOSA - UNIFOR, CLARICE REGINA CATELAN FERREIRA - UNIPAR
Apresentação/Introdução A princípio, compreende-se que a PSR é um grupo social complexo e heterogêneo, cujas vivências são marcadas pela extrema pobreza, ausência de moradia regular, insegurança alimentar, privação de sono, precariedade no acesso à água e à higiene básica, dificuldades no acesso aos serviços de saúde e uso problemático de substâncias, fatores que afetam os processos de saúde desse grupo e o tornam mais vulnerável ao adoecimento físico e psíquico (Aguiar & Iriart, 2012). No entanto, ainda que a dimensão da privação e da violação de direitos atravesse os modos de vida da PSR, não se pode cristalizar esses sujeitos à condição da falta, pois isso seria retirar deles o protagonismo na transformação da própria realidade a partir da criação de estratégias para a garantia da sobrevivência e da luta coletiva (Schuch & Gellen, 2012). Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 escancarou as desigualdades sociais em saúde na população em situação de rua, pois, além da doença causar mais letalidade a segmentos populacionais vulnerabilizados devido à impossibilidade de adotar medidas de prevenção e proteção (Calmon, 2020), o período pandêmico provocou mudanças significativas no cenário urbano que prejudicaram as estratégias de manutenção da vida adotadas pela PSR, dificultando o acesso já precarizado a insumos básicos para a garantia mínima das condições de saúde.
Objetivos Dessa forma, o objetivo do trabalho é apresentar os processos de saúde vivenciados pela população em situação de rua no contexto da pandemia de Covid-19 em três cidades do Brasil, das regiões Nordeste e Sul.
Metodologia Este trabalho se vincula à etapa qualitativa da pesquisa intitulada “Pessoas em situação de rua: processos psicossociais relacionados à pobreza e à estigmatização”, financiada pelo CNPq e realizada por um núcleo de estudos em psicologia de uma universidade do Ceará. A pesquisa foi desenvolvida em três cidades do Brasil: Fortaleza e Maracanaú (CE) e Umuarama (PR). Participaram 23 pessoas com idades entre 35 e 65 anos e tempo de permanência nas ruas entre 1 e 34 anos. Os equipamentos de assistência social foram utilizados para se aproximar do público pesquisado, e para a construção de dados realizaram-se entrevistas individuais no ano de 2021, durante a pandemia da Covid-19, algumas presenciais, adotando medidas de proteção contra a disseminação do Coronavírus, e outras virtuais. Em seguida, para a análise de dados, procedeu-se com a Análise de Conteúdo de Bardin e foi utilizado o software ATLAS ti 5.2 para a análise das seguintes categorias: “modos de vida”; “processos de saúde-doença”; “impactos da pandemia de Covid-19”. Foram atribuídos nomes fictícios aos participantes e a pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética da universidade à qual se vincula o núcleo de estudos.
Resultados e Discussão Os efeitos da fome, insegurança alimentar e alimentação inadequada na saúde foram muito presentes nas narrativas dos entrevistados. Um relato muito forte é o de Hugo, de Maracanaú, que diz ter sido hospitalizado após consumir alimentos com veneno encontrados no lixo. Clara e Oliver, de Fortaleza, relatam experiências de sofrimento psíquico diante da falta de alimento, água e sono adequado, além das vivências de humilhação ao ter que pedir doações de outras pessoas, o que podem ser compreendido como formas de sofrimento ético-político (Sawaia, 2010). Outras questões enfrentadas são o uso problemático de drogas e as dificuldades no acesso aos serviços de saúde. O período pandêmico, por sua vez, potencializou a vulnerabilização da PSR e intensificou as desigualdades sociais em saúde. Para além da dificuldade de adoção das medidas de proteção contra a Covid-19, houve um aumento na quantidade de pessoas em situação de rua, ao passo que a circulação de pessoas no espaço público e o funcionamento de comércios e instituições foram reduzidos, prejudicando as buscas da PSR por trabalhos e doações. Nota-se uma contradição que elucida as iniquidades em saúde da PSR, pois as medidas de distanciamento e isolamento social previnem a propagação do vírus, mas também desfavorecem a sobrevivência das pessoas em situação de rua. Além disso, Jonas, de Umuarama, relata que a estigmatização das pessoas em situação de rua como figuras de possível transmissão da doença influenciou a redução das doações, ampliando a discriminação e a invisibilização desse segmento populacional nesse momento tão crítico para a saúde pública.
Conclusões/Considerações finais É possível compreender, a partir do exposto, que as vulnerabilidades que atravessam o cotidiano da PSR afetam suas condições de saúde e potencializam os processos de adoecimento. As narrativas dos participantes sobre o período pandêmico revelam complicações nas condições de saúde já precarizadas. A ampliação da demanda por recursos concomitante à redução da assistência da sociedade civil e das políticas públicas devido ao isolamento social impactaram significativamente na PSR, escancarando as desigualdades sociais em saúde e a complexidade que envolve a manutenção da vida dessas pessoas. Observa-se, assim, uma indissociabilidade entre os processos saúde-doença-cuidado e a realidade social, sendo, portanto, impossível falar em saúde ou saúde mental para a PSR sem endereçar a vulnerabilização a qual esses sujeitos estão submetidos, assim como não se pode falar em promoção de cuidado para esse grupo populacional sem somar-se à luta por garantia de direitos e transformação social.
Referências Aguiar, M. M., & Iriart, J. A. B. (2012). Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 28, 115-124.
Calmon, T. V. L. (2020). As condições objetivas para o enfrentamento ao COVID-19: Abismo social brasileiro, o racismo, e as perspectivas de desenvolvimento social como determinantes. NAU Social, 11(20), 131-136.
Sawaia, B. B. (2010). O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: Sawaia, B. B. As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Rio de Janeiro: Vozes, 97-118.
Schuch, P., & Gehlen, I. (2012). A situação de rua para além de determinismos: explorações conceituais. A rua em movimento, 11-25.
Fonte(s) de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Chamada CNPq nº 04/2021
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