Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.10 - Cidadãos invisiveis: a saúde na rua

48698 - A RUA COMO CAMINHO: INTERSECCIONALIDADES E INIQUIDADES EM SAÚDE NA EXPERIÊNCIA DE MULHERES COM TRAJETÓRIA NA RUA
ANA CAROLINA DE MORAES TEIXEIRA VILELA DANTAS - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, PALOMA FERREIRA COELHO SILVA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, RÔMULO PAES-SOUSA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS


Apresentação/Introdução
No Brasil, observa-se um processo histórico de invisibilização da População em Situação de Rua que se reflete na ausência de dados nacionais produzidos sobre o perfil sociodemográfico, de saúde, adoecimento e acesso aos benefícios sociais. O único Censo e Pesquisa Nacional sobre essa população foi divulgado em 2009, quando o levantamento identificou 31.922 pessoas vivendo nas ruas de 71 cidades participantes da pesquisa (Brasil, 2009). Entretanto, em 2022, estimava-se que 281.472 pessoas estavam em situação de rua no país, evidenciando um crescimento de 211% em relação ao estimado na década anterior. No período, a população geral do país cresceu 11% (IPEA,2022). O fenômeno da população em situação de rua tem características eminentemente urbanas e se concentra na região Sudeste do país (UFMG, 2023; Natalino, 2020). Em fevereiro de 2024, havia 13.201 pessoas em situação de rua cadastradas para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) em Belo Horizonte/MG. Desse total, 1.432 (10,8%) eram mulheres e, dessas, 1.201 (83,9%) se autodeclararam pardas ou pretas (PBH, 2024). A vida nas ruas as coloca em situação de maior exposição às circunstâncias vinculadas à sua condição de gênero, como violências físicas, psicológicas e sexual, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez não planejada e/ou indesejada (Brasil, 2012).

Objetivos
Diante disso, buscou-se explorar, sob a perspectiva interseccional, os aspectos estruturantes da trajetória de vida de mulheres com experiência de vida nas ruas em Belo Horizonte/MG.

Metodologia
Foram analisados os relatos de 10 mulheres adultas com trajetória de vida nas ruas participantes da pesquisa “Alcance das políticas de proteção social e de saúde do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua frente à pandemia da COVID-19”. Esta pesquisa foi desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa em Saúde e Proteção Social do Instituto René Rachou/Fiocruz/MG no período de 2020 a 2022. A análise das entrevistas e grupos focais foi orientada por três categorias temáticas predefinidas: (i) motivações da ida para as ruas, (ii) experiência de vida nas ruas e (iii) perspectivas de futuro, a fim de explorar os principais temas trazidos pelas mulheres a partir das suas experiências e compreender de que modo a interseccionalidade de marcadores sociais forja iniquidades em saúde nesse contexto.

Resultados e Discussão
Os relatos remetem a um histórico de violência intrafamiliar, perda dos pais ou cuidadores ainda na infância, convívio familiar marcado pelo uso abusivo de álcool, situações de abandono por parceiros, insuficiência financeira no sustento da família e internações em clínicas psiquiátricas. A literatura aponta para a influência de fatores de ordem estrutural, biográficos e fatos da natureza, como desastres de massa, na ocorrência dessas situações. Outros estudos complementam que, para algumas pessoas, a ida para as ruas se apresenta como única alternativa ou último recurso frente às trajetórias de vida permeadas por processos de exclusão e vulnerabilização. Foram recorrentes menções relacionadas à gravidez durante a vivência nas ruas; ao uso de álcool e outras drogas, principalmente para suportar situações adversas; utilização dos serviços de saúde para condições agudas e crônicas; dificuldade na continuidade do tratamento com relação à saúde mental, especialmente quando havia necessidade de administrar medicação. Destacou-se no discurso dessas mulheres, uma percepção sobre o antes e o depois da vivência nas ruas. Nas entrevistas, se colocaram como protagonistas e responsáveis pelas mudanças que desejam para a sua vida. Porém, ao assumir seu próprio sustento financeiro, uma participante afirmou “eu sou o homem da casa”. Essas percepções remetem ao modelo patriarcal, que impacta no modo de vida das mulheres e, consequentemente, na sua saúde. A única mulher trans participante da pesquisa ressaltou o sentimento de insegurança em dormir nas ruas e as dificuldades em utilizar serviços socioassistenciais para pernoitar em função das questões de gênero, pois esses serviços, em sua maioria, são frequentados predominantemente pelo público masculino.

Conclusões/Considerações finais
Na vivência das ruas, as mulheres parecem experimentar um acirramento dos sistemas de opressão. Além disso, precisam lidar com fatores diversos, que envolvem diretamente as relações com o corpo, com a sexualidade e, por vezes, com o cuidado de outras pessoas, como os filhos. Observou-se a persistência de processos de desigualdade prévios à situação de rua, que são agravados na vivência das ruas tais como violências e uso abusivo de drogas. Nesse sentido, a análise da experiência dessas mulheres trouxe apontamentos importantes para compreender as iniquidades em saúde enquanto produto de sistemas de opressão que se sobrepõem delineando trajetórias de vida marcadas por desigualdades. Além do gênero e da sexualidade, outras questões estruturais constituintes das relações sociais, tais como raça/cor, classe social, idade/geração, se somam e configuram cenários de desigualdade e hierarquizações que impactam negativamente a saúde das mulheres.

Referências
SILVA, Maria Lúcia L. Mudanças recentes no mundo do trabalho e o fenômeno população em situação de rua no Brasil 1995-2005. Dissertação (Mestrado Serviço Social), UnB, Brasília, 2006.
SICARI, Aline Amaral; ZANELLA, Andrea Vieira. Pessoas em Situação de Rua no Brasil: Revisão Sistemática. Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2018 v. 38 n°4, 662-679.
GONÇALVES, Maria da Conceição Vasconcelos; SANTOS, Rosa Angélica dos. A persistência da desigualdade e a população em situação de rua. Políticas Públicas, Educação e Diversidade: Uma Compreensão Científica do Real. 2015.
ROSO, Adriane, DOS SANTOS, Verônica Bem. Saúde e relações de gênero: notas de um diário de campo sobre vivência de rua. Avances en Psicología Latinoamericana / Bogotá (Colombia) / Vol. 35(2) / pp. 283-299 / 2017.
TIENE, Izalene. Mulher moradora na rua: Entre vivências e políticas sociais. Campinas, SP: Alínea, 2004.

Fonte(s) de financiamento: As/Os autoras/es agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 - Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.



O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.



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