Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.9 - Acesso à saúde da população em situação de rua

52151 - MATERNIDADE NA RUA: ENTRE O ABISMO E A ESPERANÇA
ALISIA DA CRUZ SANTOS LOPES - ENSP/FIOCRUZ, ELYNE MONTENEGRO ENGSTROM - ENSP/FIOCRUZ, ALINE AZEVEDO VIDAL - UFRJ


Apresentação/Introdução
O cenário internacional destaca a pobreza como uma grave questão a ser severamente combatida. No Brasil, essa questão é agravada pelo caráter estrutural da desigualdade social que perpetua o patriarcado,racismo,capitalismo. A persistência dessa desigualdade e pobreza,resulta no fenômeno da População em situação de rua(PSR).Embora esta população seja ponto de interesse de diversas áreas, as políticas brasileiras abordam o tema de forma superficial. Como resultado,essa população permanece privada de seus direitos sociais constitucionais, ignorada em sua existência e negligenciada em suas necessidades, sobretudo em relação à proteção social e à saúde, perpetuando uma realidade desumana e cruel.Para além dos desafios comuns à PSR ,Mulheres em situação de rua (MSR) enfrentam vulnerabilidades específicas profundamente ligadas à desproteção social e à violência. Esse preconceito resulta na negligência das desigualdades estruturais e na exclusão dessas mulheres, evidenciando a ligação clara e direta com o patriarcado. No tocante à esfera reprodutiva, gestação e maternidade são temas complexos, frequentemente negados e ocultados sob a justificativa de incapacidade, violando direitos constitucionais e humanos, além de deixar clara a fragilidade da cidadania feminina, diante das políticas públicas contemporâneas para essas mulheres.


Objetivos
Este estudo propõe a reflexão sobre a maternidade de mulheres em situação de rua e os desafios para garantir uma maternidade segura e amparada,considerando estigmas e a prática de retirada compulsória desses bebês. Este tema está presente no cotidiano dos serviços, da assistência à saúde e sistema de justiça, manifestando-se em tensões.No Brasil há uma escassez de estudos nessa área, objeto de desconhecimento e preconceitos. No entanto,há uma perspectiva de inclusão em políticas futuras.

Metodologia
Este estudo aborda a interface entre os desafios e as esperanças relacionados à maternidade de mulheres em situação de rua (MSR).
Diante do estereótipo enfrentado por essas mulheres, além do estigma e preconceito, elas são privadas de direitos básicos como moradia, saúde, alimentação, educação e assistência, fundamentais para uma vida digna. A maternidade, nesse contexto, é complexa e afetada por fatores como a violência de gênero. Esta tem origem nos espaços relacionais e é influenciada pelos fatores sócio-históricos moldados pelo racismo, sexismo e pobreza. Portanto, a maternidade em situação de rua é permeada por julgamentos morais, estigmatizações e discriminações, influenciados por estereótipos de classe, raça, gênero e idade (Benbow et al., 2018, 2019; Reppond & Bullock, 2019; Sarmento, 2020).
A metodologia deste estudo baseou-se em pesquisa documental e observação da temática, sob a perspectiva dos estudos de gênero e suas interseccionalidades com classe e raça.


Resultados e Discussão
O fenômeno da situação de rua, fruto da dinâmica capitalista, é uma clara manifestação de um desafio social. Analisar a PSR revela a degradação das condições de vida urbanas, marcada pela pobreza, exclusão e desigualdade.
Diante da vulnerabilidade desse grupo social,voltamos nossa reflexão para as mulheres,cujas vulnerabilidades se acentuam,aliadas a outros fatores de discriminação e opressão.Nesse sentido,a perspectiva da abordagem interseccional (Crenshaw,2002) ressalta o cruzamento de identidades e marcadores sociais. Akotirene (2019) amplia essa ideia ao discutir a relação entre racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado como um “sistema de opressão interligado” que afeta a vida de mulheres negras. Essa concepção e seus efeitos políticos e legais, tem facilitado a aproximação com os Direitos Humanos, promovendo estratégias adaptadas às necessidades dessa população.Em termos de direitos sexuais e reprodutivos, gestação e maternidade em situação de rua são problemas de saúde pública.Nesse sentido,as equipes do Consultório na Rua buscam oferecer um pré-natal eficiente, atendendo às demandas específicas dessas mulheres,para reduzir o sofrimento e a exclusão social,visando a construção da cidadania.Embora a proteção à maternidade seja um direito constitucional,mulheres em situação de rua frequentemente enfrentam barreiras impostas ao seu exercício. Compreender esse desamparo social exige refletir sobre o contraste entre o ideal romântico de mãe, enraizado no racismo e na criminalização da pobreza, e as mulheres em situação de rua, que enfrentam uma matriz de opressões (Akotirene, 2019), com ênfase na vulnerabilidade da cidadania feminina frente às políticas públicas contemporâneas voltadas para essas mulheres.


Conclusões/Considerações finais
A desigualdade social e a pobreza, moldadas histórica e estruturalmente na sociedade, representam aspectos de um contexto social perverso. Diante de uma temática marcada por preconceitos, estigmas e opressões de raça, classe e gênero que afetam a maternidade das mulheres em situação de rua (MSR), é de suma importância considerar a implementação de políticas públicas baseadas em perspectivas inovadoras, uma vez que devem promover a reflexão acerca da subjetividade dessas mulheres, visando a garantia dos seus direitos. É fundamental adotar uma abordagem inclusiva e sensível, considerando as necessidades materiais, mas também a singularidade de cada experiência de vida.Mesmo em situação de rua a maternidade é viável, com políticas públicas abrangentes que envolvam moradia, renda, educação e saúde.É imprescindível aprofundar o debate e a reflexão para fortalecer e proteger a história dessas pessoas e contribuir para a emancipação social e cidadania.


Referências
Akotirene, C. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Barros, K. C.; Moreira, R. C. R.; Leal, M. S.; Bispo, T. C. F.; Azevedo, R. F. (2020). Vivências de cuidado por mulheres que gestam em situação de rua. Revista Rene, 21, e43686.
Crenshaw, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p.171-188, jan. 2002.
Sarmento, C. S. (2020). "Por que não podemos ser mães?": Tecnologias de governo, maternidade e mulheres com trajetória de rua (dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


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