51721 - MODOS DE VIDA E SAÚDE DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE FORTALEZA CAMILO AUGUSTO SOARES - UFC, MARIA OLÍVIA MENDES ROCHA - UFC, SAMYLA FERNANDES DE SOUSA - UFC, SÂMIA DE CARLIRIS OLIVEIRA BARBOSA - UNIFOR, VERÔNICA MORAIS XIMENES - UFC
Apresentação/Introdução A população em situação de rua (PSR) é um grupo diverso, heterogêneo em suas trajetórias e que tece no cotidiano estratégias para criar possibilidades de vida e significações próprias sobre a saúde e o cuidado, mas ainda é integrado a uma percepção social que a atribui um lugar despotencializador, de vulnerabilidade, marginalização e invisibilidade, o que compromete o acesso a direitos e satisfação de necessidades básicas, influindo no escopo da saúde (Esmeraldo Filho, 2021; Aguiar & Iriart, 2012). Assim, para a compreensão ampliada dos modos de vida desse grupo marcado pela extrema vulnerabilidade e expropriação de direitos básicos, é necessário demarcar quais os processos de saúde relacionados à experiência dessas pessoas, bem como qual o cenário de acesso aos serviços. Nesse sentido, tendo em vista as várias violações presentes no cotidiano da PSR, é visto como de fundamental importância, para além da pesquisa, a politização dos dados produzidos nessa seara. Desse modo, elucidar como os resultados de pesquisas relacionam as categorias modos de vida e saúde da PSR contribui para o fortalecimento de ações que tenham como enfoque a garantia desse direito fundamental, viabilizando também novas perspectivas para o cuidado dessa população no âmbito da saúde coletiva a partir do viés da rualização (Schweitzer & Tolfo, 2022).
Objetivos Tem-se como objetivo geral desse trabalho analisar a relação entre os modos de vida das pessoas em situação de rua de Fortaleza e os principais problemas de saúde apontados por elas em duas pesquisas. Como objetivos específicos, pretende-se caracterizar a vivência nas ruas a partir de dados quantitativos, descrever as condições de saúde da população em situação de rua e visibilizar os dados produzidos nesse campo para que seu uso seja efetivado na formulação de políticas públicas.
Metodologia O estudo tem abordagem quantitativa e se debruça sobre a análise de dados secundários relacionados à população em situação de rua, gerados a partir de duas fontes de dados: o 2° Censo Municipal da População de Rua de Fortaleza (SDHDS, 2021), e os dados da etapa quantitativa da Pesquisa “Pessoas em situação de rua: Processos Psicossociais relacionados à Pobreza e à Estigmatização”, financiada pelo CNPq e realizada na cidade de Fortaleza por um núcleo de pesquisa e extensão em psicologia de uma universidade do nordeste brasileiro. A pesquisa amostral do 2º Censo contou com um grupo de 600 participantes e a etapa quantitativa da pesquisa do núcleo teve uma amostra de 236 pessoas. Para realizar as análises, foram selecionados os itens da dimensão saúde que houvessem correspondentes nos questionários de ambas as fontes. Então, foram realizadas estatísticas descritivas dos dois bancos de dados com o uso do software SPSS. Os outputs gerados foram organizados em tabelas, apontando os principais indicadores encontrados nos dois materiais. Os resultados foram divididos em três categorias: “modos de vida da PSR”, “principais problemas de saúde” e “acesso aos serviços de saúde”.
Resultados e Discussão Os resultados do estudo mostram que as condições de vida e saúde das pessoas em situação de rua em Fortaleza são cercadas de vulnerabilidades. Na pesquisa do núcleo, mais de 85% dos participantes responderam já ter passado um dia inteiro sem comer, e no Censo esse índice é de 69%. A pesquisa do núcleo mostrou que 21,6% das pessoas se alimentavam apenas uma ou duas vezes, enquanto o Censo apontou 33,4%. Nas duas fontes, doações e instituições foram apontadas como os principais meios de obtenção de alimentos e água. De acordo com a pesquisa do núcleo, mais de 30% das pessoas utilizam as ruas como principal local para necessidades fisiológicas, enquanto no Censo as instituições são esse ponto de referência (50,6%). Na pesquisa realizada pelo núcleo, os problemas de saúde mais relatados foram transtornos mentais (33,0%), infecções sexualmente transmissíveis (20,7%) e pneumonia (18,6%). Nos dados do Censo, os problemas de saúde mais prevalentes são o abuso de substâncias psicoativas (33,8%), dores crônicas (20,3%) e depressão (19,5%). O posto de saúde foi o serviço mais acessado (48,2%) de acordo com a pesquisa do núcleo. A pesquisa também mostra que 15,9% não procuram nenhum serviço de saúde, sendo importante apontar que 40,1% indicaram já ter sofrido humilhação em postos de saúde ou hospitais. No Censo, o posto de saúde também foi indicado como serviço mais procurado (58,8%). Outro dado do Censo é que 5% dos participantes já foi impedido de entrar em serviços de saúde. Portanto, entende-se que o acesso precarizado à alimentação, água, higiene e serviços se relaciona a uma constituição da rua como determinante social da saúde (Aguiar & Iriart, 2012), e ainda que a pobreza e a estigmatização presentes no cotidiano da PSR ainda operam como obstáculo ao cuidado psicossocial.
Conclusões/Considerações finais Considerando o exposto, é possível estabelecer parâmetros de análise que relacionem as condições de vida nas ruas, bem como a estigmatização presente nos corpos desses sujeitos na procura por serviços e tratamentos, aos problemas de saúde que se mostraram mais frequentes nas duas pesquisas. Assim, esses elementos que marcam a vivência nas ruas podem contribuir para uma vulnerabilização da saúde física e mental da PSR, como mostram os resultados dos problemas de saúde nas bases de dados. Nesse viés, a atenção primária se mostra como espaço fundamental para a criação de estratégias de promoção de saúde para a PSR, por ser o mais procurado. Portanto, o processo de saúde-doença-cuidado da PSR é complexo e multifacetado, marcado por situações de opressão e discriminação. No entanto, esse grupo busca fôlego em alternativas de enfrentamento que viabilizam a manutenção da vida, sendo necessária a construção de políticas participativas em saúde que constituam um cuidado território-rualizado.
Referências Aguiar, M. M., & Iriart, J. A. B. (2012). Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 28, 115-124. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000100012
Esmeraldo Filho, C. E. (2021). Pessoas em situação de rua de Fortaleza: a expressão da pobreza e modos de enfrentamento. [Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC]. Repositório Institucional da UFC.
http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/62595
Schweitzer, L., & Tolfo, S. R. (2022). Rualização: vivências de pessoas em situação de rua. Revista Ecos, 12, 54-65.
http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/3069/1752
SDHDS. (2021). Relatório do Censo Geral da População em Situação de Rua da cidade de Fortaleza/CE – 2021. Prefeitura de Fortaleza. https://desenvolvimentosocial.fortaleza.ce.gov.br/images/Relat%C3%B3rio_Censo_-_Atualizado_compressed.pdf
Fonte(s) de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Chamada CNPq Nº 04/2021.
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