48718 - “NEM QUERO SER CAUSA, NEM CASO. SÓ QUERO O MEU DIREITO”: ACESSO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA QUE FAZEM USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS À RAPS RAFAELA ALVES MARINHO - IRR/FIOCRUZ MINAS, ANA CAROLINA DE MORAES T. V. DANTAS - IRR/FIOCRUZ MINAS, ANA REGINA MACHADO - ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (ESP/MG), RÔMULO PAES DE SOUSA - IRR/FIOCRUZ MINAS
Apresentação/Introdução Apesar da heterogeneidade da população em situação de rua (PSR), sabe-se que uma das características compartilhadas é o uso prejudicial de álcool e outras drogas. Segundo a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (Brasil, 2009), 36% dos entrevistados consideraram este uso prejudicial como causa isolada de ida para às ruas. Há no Sistema Único de Saúde (SUS) serviços voltados a esse cuidado que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A existência dos serviços da RAPS não garante, entretanto, o cuidado à população em situação de rua. Alguns elementos podem dificultar o acesso dessa população aos serviços de saúde, entre eles o estigma, o atendimento perpassado por burocratizações, a não flexibilização das práticas de cuidado e a desconsideração das especificidades da PSR. Também nota-se que há ausência de fluxos e comunicação entre os serviços que cuidam desse grupo populacional (Wijk; Mângia, 2019). Além de encontrarem barreiras de acesso à serviços de saúde, a PSR também passa por dificuldades de continuidade do tratamento (Miler et al., 2021).
Objetivos O presente estudo objetivou analisar barreiras e facilitadores no acesso da PSR que faz uso prejudicial de álcool e outras drogas à RAPS em Belo Horizonte.
Metodologia Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa. Este estudo refere-se a um recorte da pesquisa “Alcance das políticas de proteção social e de saúde do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua frente à pandemia da COVID-19” financiado pelo edital INOVA/2020 “Territórios Sustentáveis e Saudáveis no contexto da pandemia COVID-19” e realizado em 2021 e 2022 pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas em Saúde e Proteção Social (GPPSPS) da Fiocruz Minas. Foram analisados dados qualitativos, coletados através de entrevistas semiestruturadas e grupos focais, de 86 interlocutores, entre PSR, gestores e trabalhadores da saúde, assistência social, Defensoria Pública, equipamentos intersetoriais e Sociedade Civil Organizada. Para a análise do acesso, utilizou-se as dimensões apresentadas por Sanchez e Ciconelli (2012) focando-se em três dimensões: Disponibilidade, Aceitabilidade e Capacidade de pagamento. A partir dessas três dimensões, que aqui classificamos como categorias analíticas (Minayo, 2014), foram construídas categorias empíricas de acordo com o conteúdo encontrado nos dados. Os dados foram analisados através da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011).
Resultados e Discussão Na dimensão da disponibilidade foi demonstrado que a comunicação entre os serviços da rede permitia a integralidade do cuidado em saúde dessa população juntamente com a construção intersetorial para o atendimento mais amplo das demandas da PSR, ambos elementos atuam como facilitadores. Por outro lado, práticas burocráticas, com poucas possibilidades de flexibilização e as mudanças no funcionamento dos serviços na pandemia dificultaram o acesso da população analisada. Na dimensão aceitabilidade o acesso foi facilitado na presença da construção de serviços baseado no vínculo, acolhimento e a partir dos modos de vida da PSR. A construção dos serviços voltados às pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas são baseados em tecnologias de baixa-exigência (Low Threshold Service). Dentre os elementos importantes para a constituição desses serviços está o vínculo, acolhimento, a confiança e a proatividade. Em contrapartida, a incompatibilidade entre o cuidado ofertado e o público da PSR e a falta de formação dos profissionais para atendimento desse público atuaram como barreiras para o acesso. Por fim, na dimensão da capacidade de pagamento houve narrativas sobre estratégias facilitadoras como o vale transporte social para garantir o deslocamento gratuito até o serviço, porém caso esse insumo seja mal utilizado isso poderia se transformar em barreira. Observou-se no estudo que alguns serviços analisados como o Cersam AD e os Centros de Saúde têm posição ambivalente na análise do acesso da PSR com a presença de elementos facilitadores e também dificultadores.
Conclusões/Considerações finais Considerando que o acesso à saúde é um direito de todos os que vivem no território brasileiro e esse cuidado deve ser provido pelo Estado. Para um efetivo acesso é importante que o poder público observe a presença de facilitadores e barreiras para o alcance do SUS aos brasileiros, em especial, os públicos mais vulnerabilizados, como a PSR. Dessa forma, é necessário que os decisores políticos construam políticas públicas de atenção psicossocial baseado no modo de vida e de organização dos usuários a que é voltada, resistindo a proposta de soluções mágicas e fáceis produzidas no contexto da contrafissura (Lancetti, 2015). Dessa forma, construindo um cuidado emancipatório, efetivo, calcado nos preceitos antimanicomiais e com capacidade de ampliação da vida e dos horizontes. Um cuidado voltado para pessoas e não para substâncias químicas.
Referências BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
BRASIL, M. Rua aprendendo a contar: pesquisa nacional sobre a população em situação de rua. Brasília: Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2009.
LANCETTI, A. Contrafissura e plasticidade psíquica. São Paulo: Editora Hucitec; 2015
MILER, J.A.; CARVER, H.; MASTERTON, W.; PARKES, T.; MADEN, M.; et al.What treatment and services are effective for people who are homeless and use drugs? A systematic ‘review of reviews’. PLOS ONE, 2021
MINAYO, M. C. S.; O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.
SANCHEZ, Raquel Maia; CICONELLI, Rozana Mesquita. Conceitos de acesso à saúde. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 31, n. 3, , 2012.
WIJK, L. B. VAN; MÂNGIA, E. F. Atenção psicossocial e o cuidado em saúde à população em situação de rua: uma revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, n. 9, set. 2019.
.
Fonte(s) de financiamento: Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 - Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.
|