53336 - “COMIDA É CUIDADO”: CARTOGRAFIAS INTERSECCIONAIS SOBRE O TRABALHO E A SAÚDE DE TRABALHADORAS DA COMIDA DE RUA EM DUQUE DE CAXIAS/RJ CAMILA ATHAYDE DE OLIVEIRA DIAS - ENSP/FIOCRUZ, CRISTIANE BATISTA ANDRADE - ENSP/FIOCRUZ, FERNANDA MENDES LAGES RIBEIRO - ENSP/FIOCRUZ
Contextualização A pesquisa partiu do interesse em observar as silenciadas potências das mulheres periféricas que atuam como trabalhadoras informais do comércio de comidas de rua de Duque de Caxias, município localizado na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Teve como finalidade conhecer as estratégias de sobrevivência que essas trabalhadoras produzem em um contexto de violências que muitas vezes atravessam o trabalho realizado em ambiente domiciliar e/ou nas proximidades de seu território de vida e moradia, os desafios da conciliação entre o trabalho produtivo e reprodutivo e de que forma as dificuldades do trabalho sem garantias de acesso a direitos sociais e laborais básicos contribuem para desenvolvimento e/ou agravamento de sua saúde física e mental.
Foi um trabalho que teve como intenção observar as trabalhadoras caxienses do comércio de rua em seus cotidianos, conhecer suas relações com o território, as influências que as levaram a atuar na comida de rua, as redes de solidariedade que estabelecem para manter suas rotinas e os impactos que o trabalho informal, sem direitos trabalhistas ou separação do ambiente doméstico da atuação profissional, têm na saúde física e mental delas.
Descrição da Experiência Para a experiência foi utilizada como metodologia uma cartografia interseccional decolonial para acompanhar processos de maneira racializada e em interface com questões de gênero, classe e território apoiadas em referenciais teóricos predominantemente latinoamericanos para observar e compreender aspectos cotidianos de mulheres trabalhadoras da comida de rua que são, em sua maioria, periféricas mestiças, pardas e pretas, e como suas vidas estão expostas a diversos comprometimentos e agravos em função da precariedade das atividades que exercem. Considerar fatores raciais, históricos, econômicos, territoriais, sociais, culturais, subjetivos, entre outros que impactam de maneiras específicas às camadas da população foi uma ferramenta potente de investigação dos desdobramentos que as complexas vivências brasileiras podem ter, bem como seus impactos na Saúde Pública.
Foi uma oportunidade de viver o território, observar a dinâmica de funcionamento de comércio e o modo como as trabalhadoras se organizam no preparo, na infraestrutura, no posicionamento e nas relações com seus clientes e parcerias de trabalho.
Além dessa observação-participante, também foram realizadas quatro entrevistas em profundidade.
Objetivo e período de Realização Cartografar o trabalho das mulheres no comércio informal de comida de rua em Duque de Caxias e impactos no cotidiano profissional e pessoal; analisar enfrentamentos e estratégias de resistências face às condições de trabalho, cuidado familiar e possíveis violências vivenciadas; identificar interferências na rotina doméstica, bem como nas funções atribuídas às mulheres e conhecer possíveis impactos do trabalho na saúde física e mental. A pesquisa foi realizada entre de março/2021 a março/2023.
Resultados Dos resultados encontrados no campo, foi possível perceber como as trabalhadoras da comida se localizam no centro comercial do município, abarrotado de outros tipos de vendedores ambulantes, bem como lojas, e consumidores em intenso deslocamento. É um local bastante movimentado, com muitos estímulos sonoros e ofertas de serviços variados.
Nas entrevistas identificou-se uma série de semelhanças nas histórias de vida, como terem tido mães e/ou avós também vendedoras de comida, seja nas ruas ou como trabalhadoras do cuidado doméstico; além de todas elas serem de famílias de migrantes internas, majoritariamente da região nordeste. Entre suas redes de solidariedade, as principais figuras citadas foram mulheres: amigas ou parentes.
Aprendizado e Análise Crítica esta pesquisa foi a oportunidade de seguir no aprendizado do meu papel na luta antirracista enquanto um corpo feminino periférico, lésbico e pardo com passabilidade de reconhecimento como branco pela conveniência da cultura do embranquecimento. O desejo de minimamente contribuir com produções acadêmicas contrahegemônicas a fim de construir junto com outros corpos que, assim como eu, veem sentido na educação, insistem nela apesar das intensas dificuldades e percebem a urgência política em ocupar espaços de dominação da branquitude, como é a ciência, para produzir registros que analisem e documentem as nossas vivências partir de perspectivas subalternas: “Produzir memórias é também construção simbólica, por um coletivo que revela e atribui valores à experiência passada e reforça os vínculos com a comunidade” (BENTO, 2022, p. 39).
Dos limites desta pesquisa identifica-se a impossibilidade de aprofundar as bases das diversas expressões da negritude e nos possíveis impactos às trabalhadoras de acordo com a faixa etária.
Referências BENTO, C. O pacto da branquitude. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
COLLINS, P. H. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica. 1. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2022.
GONZALES, L. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. RIOS, F; LIMA, M. (Orgs). 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. da (org.). Pistas do método da cartografia: pesquisaintervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009. p. 32–51.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Clacso, Buenos Aires, , p. 117–142, 2005. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sursur/20100624103322/12_Quijano.pdf.
RATTS, A. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. 1. ed. São Paulo: Instituto Kuanza, 2007.
Fonte(s) de financiamento: nenhuma
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