49532 - INTERSECCIONALIDADE E INSEGURANÇA ALIMENTAR NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE – MG KARYNNA MARIA DA SILVA FERREIRA - UFMG, ALINE DAYRELL FERREIRA SALES - UFMG, URIEL MOREIRA SILVA - UFMG, AMÉLIA AUGUSTA DE LIMA FRICHE - UFMG, WALESKA TEIXEIRA CAIAFFA - UFMG, ELIS MINA SERAYA BORDE - UFMG
Apresentação/Introdução Diversos estudos na área de segurança alimentar e nutricional já demonstraram que mulheres, negros e aqueles com menores rendas e graus de escolaridade estão mais vulneráveis à Insegurança Alimentar (IA). Entretanto, predominam estudos que abordam a IA através de uma perspectiva unitária e unidimensional, com foco em fatores de risco individuais ou na junção das variáveis. A ausência de uma perspectiva interseccional na análise dos dados e no enfrentamento da insegurança alimentar pode levar a uma negligência das relações entre diferentes domínios de poder e do contexto social, bem como da complexidade que análises interseccionais desvelam. Esta omissão obscurece a compreensão dos processos de determinação social das iniquidades em saúde e cria obstáculos significativos para garantir o acesso universal a uma alimentação adequada e de qualidade, perpetuando assim as iniquidades existentes. No entanto, abordagens da interseccionalidade ainda são pouco utilizadas em pesquisas de IA sendo que no município de Belo Horizonte - MG não foram encontrados nenhum estudo que a tenha utilizado, ainda que este município seja reconhecido como precursor de políticas públicas de promoção da segurança alimentar e nutricional (SAN) no país.
Objetivos Analisar os padrões e a prevalência da Insegurança Alimentar sob uma perspectiva da interseccionalidade em duas favelas de Belo Horizonte, município reconhecido como precursor de políticas públicas de promoção da segurança alimentar e nutricional no país, e entornos, ou seja, em bairros vizinhos e adjacentes a essas áreas.
Metodologia Foram utilizados dados do projeto BH-Viva, no contexto do qual foram realizados inquéritos domiciliares em 2017 e 2018, com moradores adultos residentes nas favelas do Aglomerado da Serra, do Cabana Pai Thomás e seus entornos (n=1194). A Insegurança Alimentar foi definida através de uma versão curta e adaptada da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Criaram-se categorias de interseccionalidade, buscando refletir as dimensões e sobreposições de marginalização (e privilégio) a partir do cruzamento entre gênero, raça/cor e vulnerabilidade socioeconômica, esta última obtida através de um Índice de Vulnerabilidade Socioeconômica sensível à Insegurança Alimentar (IVSIA) criado especialmente para este estudo por meio de 3 domínios: trabalho e renda, escolaridade e condições de domicílio. As associações entre a IA e as categorias de interseccionalidade foram estimadas através de modelos de regressão logística com interações multiplicativas.
Resultados e Discussão Foi observada alta prevalência de IA moderada/grave (36%) e marcadas iniquidades em diferentes posições interseccionais em um município reconhecido como precursor de políticas públicas de promoção da SAN no país. Pessoas negras apresentaram maior chance de IA moderada/grave que pessoas brancas, sugerindo o racismo estrutural como um dos principais impulsionadores da IA. Também se evidenciaram marcadas iniquidades entre homens e mulheres. Entre as pessoas em condições de vulnerabilidade socioeconômica, mulheres apresentaram maior chance de IA moderada/grave, quando comparadas com homens. Pessoas em condições desfavoráveis para o IVSIA apresentaram maiores chances de IA quando comparadas com pessoas em condições mais favoráveis dentro das duas favelas e seus entornos. Cabe destacar que algumas variáveis, quando estudadas isoladamente, não apresentaram o mesmo resultado, demonstrando os benefícios da utilização de índices na medida em que formas tradicionais de medir vulnerabilidade socioeconômica (renda, benefícios sociais etc.) não seriam capazes de captar a complexidade da vulnerabilidade socioeconômica nos locais do estudo. Mulheres brancas em condições socioeconômicas desfavoráveis apresentaram uma chance menor de IA moderada/grave que mulheres negras nas mesmas condições (OR=0,58), refletindo privilégios relacionados à branquitude no país. Mulheres negras em condições socioeconômicas desfavoráveis (IVSIA) apresentaram sete vezes mais chance de IA moderada/grave que homens brancos em condições socioeconômicas mais favoráveis (categoria com associação mais forte - OR=7,50, IC95%=3,20-17,58). Os resultados sugerem que um olhar interseccional para a IA e a fome é essencial, pois “em sua gênese é um objeto racializado, territorializado e generificado” (BLANCO, 2021).
Conclusões/Considerações finais O trabalho traz elementos para repensar as pesquisas na área e as políticas públicas de promoção da segurança alimentar e nutricional (SAN). Para as pesquisas, demonstra a importância da abordagem interseccional para identificar os padrões e as populações mais vulnerabilizadas diante da IA e, desta forma, permite compreender como os eixos de opressão e privilégio se articulam para moldar a insegurança alimentar em uma cidade que implementou políticas públicas abrangentes visando a segurança alimentar e nutricional. No entanto, essas iniciativas não foram suficientes para superar os desafios impostos pelas iniquidades estruturais que emergem nas interseções entre raça, gênero e classe social e outros marcadores sociais. Já para as políticas públicas, demonstra a necessidade de esforços específicos para a promoção da SAN de mulheres negras em condições socioeconômicas desfavoráveis e de um olhar interseccional para a construção dessas políticas.
Referências BLANCO, L.F. Conhecer a fome: saberes situados e a produção da desigualdade. Cadernos Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares: Interseccionalidades em alimentação e nutrição: desafios e conexões entre raça, classe, gênero e comida. Cadernos OBHA 2021; 1(3).
Fonte(s) de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
|