49322 - SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA CABANA DO PAI TOMÁS, BELO HORIZONTE/MG: APROXIMAÇÕES DA SAÚDE COLETIVA E AGROECOLOGIA LUCAS ARAÚJO DUTRA RODRIGUES - INSTITUTO RENÉ RACHOU/FIOCRUZ MINAS, BRÁULIO SILVA CHAVES - CEFET-MG E INSTITUTO RENÉ RACHOU/FIOCRUZ MINAS, CELINA MARIA MODENA - INSTITUTO RENÉ RACHOU/FIOCRUZ MINAS
Apresentação/Introdução O presente trabalho foi desenvolvido no território da Cabana do Pai Tomás, localizado na região Oeste de Belo Horizonte, com integrantes do Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana (CAAC). Visou compreender sua percepção a respeito da situação da segurança e soberania alimentar e nutricional na Cabana do Pai Tomás, a partir do diálogo entre os campos da Saúde Coletiva e da Agroecologia.
Trata-se de um recorte de pesquisa realizada no âmbito do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto René Rachou (IRR/FIOCRUZ MINAS), em 2022, em que se analisou as mobilizações da Saúde Coletiva e da Agroecologia em torno dos agrotóxicos. O tema da alimentação foi muito demarcado e hoje é objeto do doutorado, em andamento, no mesmo Programa.
A discussão sobre alimentação, atravessada pela Saúde Coletiva e a Agroecologia (Dias et al, 2021), faz emergir a Soberania Alimentar, que pode ser entendida como um princípio orientador para que se respeitem as culturas locais e a diversidade dos modos de produção, de comercialização e gestão dos alimentos produzidos e consumidos nos territórios (LVC, 2015). Nesse sentido, o segundo objetivo do trabalho consiste em refletir sobre a mobilização social em torno da alimentação na Cabana do Pai Tomás constitui uma articulação da população local pelo direito à saúde, em torno da segurança e soberania alimentar.
Objetivos - Compreender a percepção de sujeitos integrantes do Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana (CAAC), a respeito da situação da segurança e soberania alimentar e nutricional na Cabana do Pai Tomás, a partir da Saúde Coletiva e da Agroecologia.
- Refletir sobre a como a mobilização social em torno da alimentação na Cabana do Pai Tomás constitui uma articulação da população local pelo direito à saúde, em torno da segurança e soberania alimentar.
Metodologia A Cabana do Pai Tomás é uma favela localizada na região Oeste de Belo Horizonte/MG. É um território atravessado por diversas questões desde o seu processo de ocupação, na década de 1960: as conquistas sociais por meio de lutas políticas; os problemas típicos de espaços marcados por ausências de políticas públicas; as manifestações de saberes populares e ancestrais que promovem pertencimento e identidade local.
Em 2018 foi criado o CAAC, em cuja composição existem trabalhadores, membros de movimentos sociais por moradia, moradores vinculados à associação de moradores do bairro, ao comitê local de saúde e também acadêmicos. As principais ações envolvem manejo da horta comunitária e estabelecimento de redes de solidariedade entre os moradores.
Como metodologia, foram realizadas entrevistas semiestruturadas (Minayo e Costa, 2019) e análise de conteúdo (Bardin 1977). Entrevistou-se três sujeitos, integrantes do CAAC, moradores da Cabana do Pai Tomás. Eles são envolvidos em lutas sociais históricas do bairro como: na associação de moradores; no comitê local de saúde do Centro de Saúde Cabana; e no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (CONSEA-MG).
Resultados e Discussão A partir das entrevistas, a problemática da alimentação na Cabana do Pai Tomás foi abordada e problematizada de diferentes formas. Na fala de um dos sujeitos vemos a análise da situação no bairro: “O povo tá passando fome mesmo, a gente tem visto muita gente nos lixões do bairro, a gente ainda não via isso não e hoje a gente tá vendo o povo revirando os tambores lá pra almoçar, pra jantar”. A pandemia de COVID-19 impactou a segurança alimentar das populações, sentida até hoje com o aumento do preço dos alimentos e as dificuldades de acesso (Schall et al., 2022).
Apesar disso, na fala de outra participante, tem-se a percepção de que a população discute que não basta o alimento, mas que precisa ser saudável: “Por outro lado, você vê que a população quer um alimento sem veneno, mas não tem acesso ao conhecimento, até porque trabalha, oito, dez horas por dia, quando tem trabalho, aí não dá pra fazer uma incidência política pra que essas ações, de fato, aconteçam”. Um debate inserido na perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional, do Direito Humano à Alimentação Adequada (ABRANDH, 2013) e dos agrotóxicos (Chaves; Rodrigues; Pimenta, 2022).
Uma das participantes fez uma discussão sobre elementos estruturais da sociedade: “E o alimento [...] não tem um ritual de respeito, nem com as plantas, nem com o meio ambiente, nem com nada. Porque a gente vive numa sociedade de consumo”. Nesse aspecto, a soberania alimentar aciona outra relação, até simbólica, com o ato de produzir e consumir o alimento.
Outra percepção apontada foi a da importância de ações locais, comunitárias, baseadas na agroecologia e na autogestão, para satisfação de necessidades dos moradores da favela. Contudo, também apontam a necessidade de políticas públicas de combate à fome realizadas pelo poder público.
Conclusões/Considerações finais A partir das aproximações entre Saúde Coletiva e a Agroecologia, foi possível compreender que a alimentação é assumida pelos moradores da Cabana em seus contornos sociais e políticos. O acesso aos alimentos é percebido em relação à sua qualidade nutricional e a partir de considerações sobre o sistema alimentar brasileiro. Para os integrantes do CAAC, a fome em seu território não é naturalizada, como atributo local, mas percebida a partir de sua produção social. Além disso, apontam que as soluções passam por atuação política comunitária, mas também se relacionam com aspectos estruturais de uma sociedade como a brasileira.
O registro que fazem da alimentação não é meramente da nutrição, em seu aspecto de acesso a calorias e nutrientes, mas também da soberania alimentar. Os moradores da Cabana têm a possibilidade de pautar que seus alimentos sejam saudáveis e a produção do próprio alimento, respeitando a cultura alimentar local e as relações de cuidado e afeto que atravessam essa prática.
Referências ABRANDH. O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional. Brasília: ABRANDH, 2013. 263p.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70. 1977.
CHAVES, B. S.; RODRIGUES, L. A. D.; PIMENTA, D. N. Agroecologia e Saúde Coletiva na construção dos agrotóxicos como problema de saúde pública no Brasil. Saúde em Debate, v. 46, n. especial 2 Jun, p. 363–376, 2022.
DIAS, A. P. et al. (Org.). Dicionário de Agroecologia e Educação. 1ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: EPSJV e Expressão Popular, 2021. p. 59–73.
LVC. Declaración Foro Internacional de Agroecología. Via Campesina, 12 mar. 2015.
MINAYO, M.C.S.; COSTA, A. P. Técnicas que fazem uso da Palavra, do Olhar e da Empatia: Pesquisa Qualitativa em Ação. Aveiro: Ludomedia, 2019.
SCHALL, B. et al. Gênero e Insegurança alimentar na pandemia de COVID-19 no Brasil: a fome na voz das mulheres. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 11, p. 4145–4154, nov. 2022.
Fonte(s) de financiamento: Os/As autores/as agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 — Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.
Também agradecem pelo suporte financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
Por fim, ao suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir da Chamada CNPq 25/2021 - Pós-Doutorado Sênior - PDS 2021.
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