Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC2.7 - Segurança alimentar

49315 - O PAPEL DAS COZINHAS SOLIDÁRIAS DO MTST NO COMBATE À INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
JÚLIA LAGE MAIA DE MORAES - FIOCRUZ, DF


Apresentação/Introdução
Em março de 2020, a doença respiratória causada pela contaminação através do vírus SARS-CoV-2 foi considerada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde. No Brasil, esse período foi concomitante a um governo de ultradireita e autoritário, marcado por altas taxas de desemprego e instabilidade na gestão da saúde (Costa; Rizzotto; Lobato, 2020).

O Brasil, que havia saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas em 2014, volta ao mapa no ano de 2020, durante a pandemia, mas ela apenas escancara um processo de desmonte de políticas públicas voltadas à alimentação desde o ano de 2016, intensificado em 2019 (Filho; Melo, 2022).

Os dados referentes à situação alimentar e nutricional no Brasil no período nos mostram que as causas da fome vão além do biológico e nos levam às desigualdades no acesso a políticas públicas e a oportunidades econômicas e educacionais, que afetam principalmente uma parcela específica da população e refletem em políticas de apagamento das culturas alimentares e no extermínio de povos e comunidades (Mbembe, 2017).

As Cozinhas Solidárias (CS) do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) surgem como unidades de produção de refeições gratuitas, em sua maioria, localizadas em regiões de maior vulnerabilidade. Nesses contextos, as CS buscam enfrentar a insegurança alimentar e nutricional (IAN) local e estimular a cultura de direitos (MTST, 2022).


Objetivos
O objetivo deste trabalho consiste em refletir sobre a iniciativa das Cozinhas Solidárias do MTST no Brasil no contexto do combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional durante a pandemia de Covid-19. Para isso, buscou-se configurar o cenário de fome e insegurança alimentar e nutricional no Brasil durante a pandemia, além de descrever o funcionamento e relevância das Cozinhas Solidárias do MTST.

Metodologia
O estudo é uma abordagem qualitativa exploratória documental, que utilizou materiais que ainda não passaram por tratamento analítico, como entrevistas e notícias, e documentos elaborados por órgãos públicos. Além disso, foi realizada a revisão de artigos científicos em bases de dados e observação participante em uma Cozinha Solidária do MTST no Sol Nascente desde novembro de 2022, região administrativa do Distrito Federal e considerada a maior favela do Brasil.

Entre março e abril de 2023, as buscas, nas bases de dados Portal Periódico CAPES e Google Acadêmico, partiram dos descritores: “cozinhas solidárias” e “MTST” combinados por operador booleano “AND”, com “segurança alimentar e nutricional”, “insegurança alimentar e nutricional” e “fome”.

Para configurar o cenário da fome no Brasil, foi estabelecido o período de corte entre os anos de 2008 e 2022, com intuito de comparar as duas últimas Pesquisas de Orçamentos familiares sobre a Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil e abarcar o período de pandemia e construção das CS.


Resultados e Discussão
Os dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional mostram que a IAN é maior nos domicílios chefiados por mulheres (63%) e pessoas negras (60%) (PENSSAN, 2022). Em uma sociedade formada a partir de um processo de colonização, a marginalização de pessoas negras, indígenas e de outras comunidades tradicionais promove o acesso precário aos direitos básicos, incluindo limitação de acesso a uma alimentação adequada e saudável que respeite as diferentes culturas.

A ideia das Cozinhas Solidárias do MTST nasce durante a pandemia. Hoje, são 47 cozinhas, distribuídas em 13 estados e no Distrito Federal, erguidas com mutirões de construção, com a solidariedade de apoiadores e as mãos de muitas mulheres que garantem a oferta diária e gratuita de pelo menos uma refeição aos moradores locais e/ou outras pessoas que necessitem.
A maioria das CS está inserida em regiões da periferia das grandes cidades. Elas atendem, em geral, trabalhadores formais e informais, com rendimento familiar baixo, ou que estão desempregados no momento, moradores da periferia e que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica (MTST, 2022).

De acordo com o site oficial, os espaços são uma referência comunitária, promovendo atividades múltiplas: mutirões para o apoio jurídico coletivo e individual, cine-debates, rodas de conversa, oficinas culturais, cursos, reforço escolar para crianças e alfabetização de jovens e adultos. Muitas possuem hortas comunitárias (MTST, 2022).

Essas ofertas, mesmo que não estejam imunes a contradições, contribuem para a promoção da soberania alimentar, driblando o sistema alimentar atual e mitigando os impactos das mudanças climáticas no local. Funcionam, portanto, como locais de resistência para além da alimentação (MTST, 2022).


Conclusões/Considerações finais
A situação alimentar e nutricional no Brasil teve grande piora nos anos correspondentes à pesquisa, percebida através do aumento da IAN em diversas parcelas da população, principalmente entre pessoas negras, populações tradicionais, mulheres e população rural.

Essa piora pode ser explicada pela descontinuidade, por parte do governo federal, de políticas públicas relacionadas à saúde, educação, SAN e redistribuição de renda, motivada, sobretudo, pelo machismo e o racismo. Além disso, o atual modelo de produção e consumo tem impacto direto na crise climática, na saúde e na justiça social.

As CS do MTST surgem como enfrentamento à essa descontinuidade e à IAN, mas, além de um espaço para alimentação, tornam-se um movimento de luta contra as diversas opressões. Em suma, elas buscam fortalecer, ainda que com dificuldades e disputas internas, um modo de produção contra-hegemônico, feito pela e para a comunidade.


Referências
COSTA, Ana Maria; RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon; LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa. Na pandemia da Covid-19, o Brasil enxerga o SUS. Saúde em Debate, v. 44, n. 125, p. 289–296, abr. 2020.
FILHO Ivanildo Oliveira Barbosa; MELO Luanna Cássia dos Santos. “Tem Gente com Fome, dá de Comer!”: resistências coletivas ao aumento da fome em tempos de pandemia da Covid-19 em Pernambuco. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, curso de graduação em serviço social, 2022. 68 p.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. arte e ensaios, v. 2, n. 32, 2017. p. 122 - 151.
MTST, Núcleo de Tecnologia. Cozinha Solidária. MTST. 2022. Disponível em: https://www.cozinhasolidaria.com/o-projeto/. Acesso em: 9 maio. 2023.
PENSSAN. II VIGISAN, Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. [s.l: s.n.]. 2022.


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