53143 - RELATÓRIO TÉCNICO DE RECOMENDAÇÕES DE MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS - O CASO DO ASSENTAMENTO PALMARES II ATINGIDO PELA BARRAGEM DE FRONTEIRAS GEORGE BEZERRA PINHEIRO - IFCE, HIGOR SOUSA PAIVA - FACULDADE PRINCESA DO OESTE
Introdução e Contextualização Trata-se de um relatório técnico construído ao fim de uma pesquisa de mestrado profissional em políticas públicas em saúde entre 2020 e 2022. O programa propõe a construção de produtos técnicos que possam contribuir com a promoção em saúde. A pesquisa se debruçou sobre um território – assentamento Palmares Vila II localizado em Crateús-Ce – que vive um processo de desterritorialização devido à construção de uma barragem. Analisamos como esse fenômeno afeta a saúde mental da comunidade. Trabalhamos com as categorias de território, desterritorialização e saúde mental. É um trabalho que bebe na epidemiologia crítica e na determinação social em saúde. Fizemos uso de três técnicas de pesquisa: observação participante, entrevista semiestruturada e análise de conteúdo. A pesquisa apontou para a presença de um conjunto de impactos psicossociais, os quais são comuns em comunidades atingidas por barragens. Elaboramos um relatório técnico com recomendações que visam mitigar os impactos psicossociais observados. Esse documento foi direcionado ao órgão público responsável pelo projeto (DNOCS), ao consórcio de empresas responsável pela execução da obra e à instituição pública responsável pelos assentamentos em áreas federais de reforma agrária (INCRA), assim como transformou-se num instrumento a serviço da luta pela reparação integral da comunidade atingida pela barragem.
Objetivo para confecção do produto Nosso objetivo com o produto foram: a) identificar as mudanças em curso na configuração e dinâmica dos modos de vida do território atingido pela construção da barragem; b) levantar os impactos à saúde mental ocasionados pelo processo de desterritorialização a partir da percepção da comunidade; c) contribuir com subsídios para a formulação de políticas públicas que fortaleçam a ideia de saúde mental como um direito humano das populações atingidas por barragens.
Metodologia e processo de produção Como o relatório técnico é um subproduto da pesquisa de mestrado, a metodologia dialoga com a metodologia da própria pesquisa. Para identificar as mudanças em curso na configuração e dinâmica dos modos de vida da comunidade e levantar os impactos à saúde mental ocasionados pelo processo de desterritorialização, combinamos o emprego das observações de campo com a análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas realizadas com 14 sujeitos que vivem no território. Interpretamos o sentido das narrativas obtidas pelas entrevistas. Trabalhamos com núcleos de sentido ou unidades de significação. Selecionamos palavras isoladas, frases, orações e trechos mais extensos das entrevistas que expressavam uma determinada unidade de significação e apontavam para a existência de um sofrimento psicossocial. A partir daí, empreendemos o levantamento dos danos psicossociais. O pesquisador e um psicólogo sistematizaram os impactos tendo como referência pesquisas anteriores sobre sofrimento psicossocial em comunidades atingidas por barragens. As recomendações de mitigação dessa natureza foram construídas com a comunidade e validadas pela associação da vila II do assentamento Palmares.
Resultados O relatório técnico sistematiza um conjunto de impactos psicossociais que atravessa a assentamento Palmares Vila II nesse momento de desterritorialização. São eles: a) desorientação expresso na sensação de sentir-se perdido(a); b) dificuldade de organização das idéias; c) pensamentos repetitivos; d) fragilização da memória; e) preocupações excessivas com o futuro e com o estado que os(as) assentados(as) nomearam de vida parada; f) estados de aflição e angústia; g) problemas com o sono (insônia); h) stress; i) sintomas ansiosos e crises de ansiedade; j) relatos de depressão; l) tristeza; m) manifestações de desconfortos físicos; n) sentimento de perda antecipada (luto antecipatório) do território; o) perda potência de investimento no presente e futuro; p) redução relativa de autonomia por conta da estagnação e, em certos casos, regressão, dos sistemas produtivos. Também encontramos dificuldades dos serviços públicos em saúde mental de darem conta do mal-estar e sofrimento psíquico que estabelece relações com o deslocamento compulsório. Além disso, o relatório técnico sugere um conjunto de ações no sentido de mitigar esses impactos. Dividimos essas medidas em três categorias de recomendações: informações e diálogo com o poder público e o consórcio de empresas responsável pela obra; recompensação territorial e dinâmica produtiva; acompanhamento psicossocial.
Análise crítica e impactos sociais do produto Há uma crítica sobre o distanciamento entre instituições científicas e sociedade. Embora toda ciência tenha um caráter social, as camadas populares, no geral, não enxergam, no cotidiano, que elas fazem parte de suas vidas. Parte do problema tem a ver com o caráter não democrático de acesso ao ensino superior. Apesar dos avanços recentes, não estamos autorizados a dizer que superamos esse problema. Outra parte da questão encontra-se no campo da linguagem, especificamente da comunicação. A ciência se comunica mal com o povo. E, por fim, não podemos negar que há uma dificuldade da ciência se colocar a serviço das demandas populares. Dito isso, produtos técnicos de uma pesquisa de pós-graduação visa, fundamentalmente, diminuir a distância entre a pesquisa científica e a função social da mesma. Com efeito, nosso produto vem cumprindo um importante papel à medida que é utilizada como ponto do apoio do território estudado na luta contra violação de direitos e reparação integral, além de estar servindo como referência para a construção de uma peça jurídica que reforça o direito das populações atingidas por barragens. Até o momento, a peça foi trabalhada junto à comissão de direitos humanos e agropecuária da assembléia legislativa do estado do Ceará e entregue a representações do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Referências Para realizar uma abordagem territorial do problema analisado, dialogamos com Haesbaert (2004, 2008, 2009), Santos (1998, 2000, 2001), Souza (1995, 2009, 2013), Fernandes (1999, 2008, 2009, 2013) e Saquet (2008, 2012). O método que nos inspirou para a apreensão da realidade é a determinação social em saúde. Conversamos, neste sentido com Breilh (2013, 2014, 2019, 2021), Soliz (2019), Neves (2018) e Pignatti (2018). Pensando as relações entre território, saúde e ambiente, trouxemos Freitas e Porto (2006), Rigotto e Santos (2011), Monker e Barcellos (2005) e Unglert (1999). Para refletir acerca das relações entre saúde mental e espaço, trabalhamos com Amaranto (2007), Foucault (1972), Safioti (2017), Oliveira e Santos (2020), Neto e Dimenstein (2017). Sobre barragens e sofrimento psicossocial prosamos com Bertini (2014), Freitas, Bessa e Ferreira (2021), Martins (2020), Carvalho e Oliveira (2021), Duarte (2021), Katz e Dunker (2018).
Fonte(s) de financiamento: Não houve
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