52035 - A AMBIÊNCIA COMO TOMADA DE ESPAÇO, REIVINDICAÇÃO DE DIREITOS E ESPAÇO DE VINCULAÇÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO CAPS AD. ALICE KEIKO BARBOSA UEKI - UNESP
Contextualização De acordo com a Portaria Nº 3.088 que instaura a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, a instalação de um serviço como o CAPS AD em um município deve seguir as diretrizes do respeito aos direitos humanos no âmbito da liberdade e da autonomia dos sujeitos, assim como garantir a promoção da equidade, o acesso aos serviços e ao tratamento humanizado, além do desenvolvimento de ações no território e de estratégias de Redução de Danos. Dessa forma, um CAPS AD se propõe a ser um serviço de saúde mental aberto e de caráter comunitário que se volte às demandas territoriais específicas da população a quem o serviço está sendo ofertado.
Dessa forma, últimos dados do Relatório Brasileiro sobre drogas (2021), indicam que a prevalência do uso do álcool e do crack é maior em homens do que em mulheres, da mesma forma, sabe-se que o uso abusivo de substâncias geralmente vem acompanhando de uma vulnerabilidade social, sendo muitas dessas pessoas se encontram em situação de rua. Por isso, pensando nesse panorama, entende-se que um serviço como um CAPS AD enfrentará suas próprias dificuldades no seu processo de consolidação com a chegada a um novo município, e por isso precisará pensar seu próprio modelo de funcionamento, que muitas vezes irá contra um modelo lógico institucional.
Descrição da Experiência O presente relato de experiência narra o ponto de vista de uma estagiária do sétimo semestre do curso de Psicologia que começa sua atuação por meio de um estágio obrigatório em um CAPS AD recém inaugurado em uma cidade do interior do oeste paulista. A partir de articulação com a equipe e com o núcleo de estágio, ficou posto que os estagiários do serviço participariam das atividades de ambiência durante suas práticas, assim como estariam em reunião de equipe para construir e compreender esse novo serviço junto aos trabalhadores e trabalhadoras.
O relato perpassa o fato de ser uma recém-chegada a um novo serviço que foi bem procurado desde o momento da sua instalação, fazendo com que logo após as primeiras práticas, fosse possível notar que existia a abrangência de um perfil central que acessava o serviço: homens em situação de rua que eram atravessados por interseccionalidades de raça, classe e orientação sexual. Isso fez com que a atuação na ambiência se tornasse ainda mais necessária, na dinâmica de integrar esse grupo tão desprezado pela sociedade e instituições aos outros perfis de usuários e trabalhadores presentes no serviço. Por isso, foi exigida uma prática que se pautasse nas interseccionalidades para discutir questões de violência e descaso, mas também de afetos e potências, com um olhar sempre atento ao horizonte da equidade e da luta pelos direitos humanos.
Objetivo e período de Realização Durante os meses de abril e maio de 2024, foi proposta uma prática semanal de quatro horas de duração, adicionada de presença nas reuniões de equipe, que fosse centrada na ambiência de usuários e familiares dentro do CAPS AD. Sempre acompanhada de trabalhadores, a atuação se pautou essencialmente em vincular com os presentes para trabalhar a potência das ações em ambiência buscando reforçar a ocupação de um serviço que é direito dos usuários que o acessam.
Resultados Como já era esperado, as primeiras práticas foram voltadas a criar vínculos com os usuários e trabalhadoras e trabalhadores presentes no serviço, com isso foi possível realizar momentos de escuta com os dois grupos que traziam questões como angústias relacionadas ao uso de substâncias, do afastamento familiar e das relações construídas na rua (por parte dos usuários) e de preocupações da equipe ligadas a instalação do novo serviço que desde o começo contou com um grande fluxo de usuários e teve sua atuação sempre na mira de olhares e comentários da população local.
A tomada do espaço por usuários que possuem o acesso àquele serviço garantida por direito, mostrou por si só uma prática política que incomodava diversos outros sujeitos. Da mesma forma, a ambiência no CAPS AD teve que ser pensada buscando se adaptar ao modo de vida da população que em sua maioria se encontrava em situação de rua e que trazia seus próprios modelos de vínculo para dentro do serviço, isso inclui um grande fluxo de usuários em lugares abertos buscando romper com a lógica institucional e a importância das Assembleias para concretizar acordos de convivência.
Aprendizado e Análise Crítica Apesar de parecer de curta duração, o período datado no relato revela a intensidade que um serviço recém-instalado exige de toda a equipe, assim como as especificidades ao se trabalhar majoritariamente com a população em situação de rua, que faz com que a discussão sobre direitos humanos encontre ainda mais impasses para acontecer. A angústia das trabalhadoras e trabalhadores, assim como a reação da população local dizem um pouco de como é pensar o cuidado com uma população vulnerabilizada que muitas vezes é invisibilizada ou usada como espetáculo dentro de um município de uma cidade do interior.
Da mesma forma, com o avançar da criação de vínculos, foi possível ver muita potência surgindo, não só no que diz respeito ao reconhecimento de direitos por meio dos próprios usuários, mas também a necessidade de ter pontos de atenção no âmbito do trabalho voltado a práticas que busquem sempre pautar a garantia de direitos como a autonomia e a liberdade e no que se entende sobre redução de danos. De forma geral, fica explicitado que o cuidado que envolve o uso abusivo de substâncias só pode acontecer a partir de articulação em rede e de uma equipe que se volte constantemente as especificidades da população que está sendo atendida, assim como por meio de sujeitos que atualizem seu discurso e suas práticas da mesma forma, evitando cair em ideias salvadoras ou reducionistas.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Brasília, 2011.
OPALEYE, Emérita S. et al. II Relatório Brasileiro Sobre Drogas: Sumário executivo. 2021.
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