51293 - “A NOSSA VIDA ESTAVA TODA NO LUGAR” - DESTERRITORIALIZAÇÃO E IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL: O CASO DA COMUNIDADE PALMARES VILA II ATINGIDA PELA BARRAGEM DE FRONTEIRAS GEORGE BEZERRA PINHEIRO - IFCE, ANA CLÁUDIA DE ARAÚJO TEIXEIRA - FIOCRUZ CEARÁ, MAELISON SILVA NEVES - UFMT, LIDIANNY MARTINS - ASSOCIAÇÃO PALMARES II
Apresentação/Introdução Esse é um relato de uma pesquisa desenvolvida entre 2020 e 2022. Trata dos impactos e danos psicossociais causados pela construção de barragens. Nosso recorte espacial é um território da reforma agrária localizado em Crateús-CE. O assentamento vive um processo de desterritorialização devido à construção de uma barragem. Analisamos como o fenômeno da desterritorialização afeta a saúde mental da comunidade. Do ponto de vista teórico-conceitual, trabalhamos com as categorias de território, desterritorialização e saúde mental. O método de apreensão das situações de saúde-doença inspirou-se na epidemiologia crítica, na determinação social em saúde e na psicanálise. No tocante à metodologia, fizemos uso de três técnicas de pesquisa: observação participante, entrevista semiestruturada e análise de conteúdo. Sobre as conclusões, a pesquisa apontou para a presença de um conjunto de impactos psicossociais, os quais, conforme bibliografia pesquisada, são comuns em comunidades atingidas por barragens. Construímos, também, junto à comunidade, um relatório técnico com recomendações que visam mitigar os impactos psicossociais observados. Esse documento foi direcionado ao órgão público responsável pelo projeto (DNOCS), ao consórcio de empresas responsável pela execução da obra e à instituição pública responsável pelos assentamentos em áreas federais de reforma agrária (INCRA).
Objetivos Nosso objetivo foi o de analisar como o processo de desterritorialização, advindo da construção da barragem Lago de Fronteiras, afeta a saúde mental da comunidade do assentamento Palmares Vila II. Especificamente, objetivamos: a) realizar um diagnóstico territorial do assentamento; b) identificar as mudanças em curso na configuração e dinâmica dos modos de vida; c) levantar os impactos à saúde mental ocasionados pelo processo de desterritorialização a partir da percepção da comunidade.
Metodologia A pesquisa está no enquadramento daquilo que qualificamos de estudo de caso de abordagem qualitativa. O primeiro objetivo específico da pesquisa - realizar um diagnóstico territorial do assentamento - alcançou-se por meio de uma observação de campo participativa e da análise documental. Os registros levantados, por meio da observação de campo, conformaram um rico material. A busca pelo segundo e terceiro objetivo - identificar as mudanças em curso na configuração e dinâmica dos modos de vida da comunidade e levantar os impactos à saúde mental ocasionados pelo processo de desterritorialização a partir da percepção da comunidade - deu-se pela combinação do emprego das observações de campo, das entrevistas semiestruturadas e da técnica da análise de conteúdo. Interpretamos o sentido das narrativas obtidas pelas entrevistas. Trabalhamos com núcleos de sentido ou unidades de significação. Selecionamos palavras isoladas, frases, orações e trechos mais extensos das entrevistas, relacionando-as com os conceitos e categorias de análise da pesquisa., que expressavam uma determinada unidade de significação e apontavam para a existência de um sofrimento psicossocial.
Resultados e Discussão Boa parte dos impactos e danos psicossociais, trazidos na bibliografia que trata do sofrimento psicossocial em populações atingidas por barragens, foi identificada na análise de conteúdo das narrativas que fizemos no Palmares II. Encontramos, associados à construção da Barragem de Fronteiras, relatos de: a) desorientação expresso na sensação de sentir-se perdido(a); b) dificuldade de organização das idéias; c) pensamentos repetitivos; d) fragilização da memória; e) preocupações excessivas com o futuro e com o estado que os(as) assentados(as) nomearam de vida parada; f) estados de aflição e angústia; g) problemas com o sono (insônia); h) stress; i) sintomas ansiosos e crises de ansiedade; j) relatos de depressão; l) tristeza; m) manifestações de desconfortos físicos; n) sentimento de perda antecipada (luto antecipatório) do território; o) perda potência de investimento no presente e futuro; p) redução relativa de autonomia por conta da estagnação e, em certos casos, regressão, dos sistemas produtivos. A existência desses elementos nos leva a afirmar que há impactos e danos psicossociais, no curso da desterritorialização promovida pela Barragem de Fronteiras, que atingem, em graus distintos, os sujeitos do assentamento. Também encontramos dificuldades dos serviços públicos em saúde mental de darem conta do mal-estar e sofrimento psíquico que estabelece relações com o deslocamento compulsório. Um serviço de plantão psicológico, organizado por um grupo de extensão de uma faculdade particular e que recebeu o nome de Jornada de Cuidados, realizou 35 atendimentos no território. Essas escutas resultaram em 12 encaminhamentos distribuídos para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou para o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da faculdade em questão.
Conclusões/Considerações finais A desterritorialização traz danos e impactos psicossociais à população do assentamento. É provável que esses danos estejam presentes nos demais territórios da agricultura familiar atingidos pela construção da barragem. Tratamos o deslocamento compulsório não apenas como o ato derradeiro de expulsão e perda definitiva do território. Demos a ele um caráter de processo com várias etapas, todas produzindo precariedade e vulnerabilidade socioterritorial. Construímos um relatório técnico, a partir dos achados da pesquisa e em diálogo com a comunidade, com um conjunto de recomendações de mitigação dos impactos psicossociais que considera todas as etapas do deslocamento e aponta para uma reterritorialização inspirada no conceito de reparação integral. É importante destacar que há um rico processo de resistência, por parte da comunidade, responsável pela criação de canais por onde o sofrimento psicossocial represado ganhou vazão para ser reconhecido e validado em forma de testemunho.
Referências Para realizar uma abordagem territorial do problema da pesquisa dialogamos com Haesbaert (2004, 2008, 2009), Santos (1998, 2000, 2001), Souza (1995, 2009, 2013), Fernandes (1999, 2008, 2009, 2013) e Saquet (2008, 2012). O método que nos inspirou para a apreensão da realidade é a determinação social em saúde. Conversamos, neste sentido com Breilh (2013, 2014, 2019, 2021), Soliz (2019), Neves (2018) e Pignatti (2018). Pensando as relações entre território, saúde e ambiente, trouxemos Freitas e Porto (2006), Rigotto e Santos (2011), Monker e Barcellos (2005) e Unglert (1999). Para refletir acerca das relações entre saúde mental e espaço, trabalhamos com Amaranto (2007), Foucault (1972), Safioti (2017), Oliveira e Santos (2020), Neto e Dimenstein (2017). Sobre barragens e sofrimento psicossocial prosamos com Bertini (2014), Freitas, Bessa e Ferreira (2021), Martins (2020), Carvalho e Oliveira (2021), Duarte (2021), Katz e Dunker (2018).
Fonte(s) de financiamento: Não houve
|