Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.3 - Acesso à saúde de pessoas LGBTQIA+

54366 - (SOBRE)VIVER: PRÁTICA DE RESISTÊNCIA E CUIDADO EM SAÚDE MENTAL POR MEIO DO DISPOSITIVO GRUPO COM A COMUNIDADE LGBTQIAPN+
MIRELA STUDART MENDES CAVALCANTE - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, ANA RAQUEL SILVA PATRÍCIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, MARIA MARIANA DE ANDRADE SILVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, ALÉXIA DE CARVALHO GASPAR - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, JÚLIA FIDELIS FERNANDES ALMEIDA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, MELYNE BRENDA MOISES DE ARAÚJO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, ANA BEATRIZ ALCÂNTARA MATEUS - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, EVELLYN GISELY DE CASTRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC


Contextualização
Nas últimas décadas, realizaram-se avanços quanto à promoção de cidadania e direitos civis da comunidade LGBTQIAPN+, a citar a criação do Plano Brasil Sem Homofobia, em 2004, ano em que também, no âmbito das políticas públicas voltadas à saúde, houve a explicitação do direito ao atendimento pelo SUS livre de LGBTfobia. Ademais, em 2011, estabeleceu-se a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT. Entretanto, observa-se que a materialização destas encontra empecilhos devido à homofobia (BEZERRA, 2019). Verifica-se que as demandas e especificidades do cuidado a essa comunidade são aspectos invisibilizados, o que, somado a discriminação e o despreparo dos profissionais de saúde, leva ao abandono ou a não procura de cuidado (BEZERRA, 2019). Além disso, a homofobia está intimamente ligada ao adoecimento psíquico dessa população (MELO, 2019), destacando-se a necessidade de abordagens específicas de atenção ao seu bem-estar psicológico. Entretanto, verifica-se a incipiência de artigos científicos e pesquisas nesse âmbito, principalmente a respeito da saúde mental da referida comunidade (DOMENE, et al, 2022). Nesse contexto, o presente trabalho busca tecer reflexões sobre o atual cenário da saúde mental da comunidade LGBTQIAPN+ e de suas políticas públicas por meio da apresentação do (Sobre)Viver, projeto de acolhimento psicológico para a comunidade.

Descrição da Experiência
O (Sobre)Viver é um grupo de acolhimento psicológico aberto para a comunidade LGBTQIAPN+. Os encontros ocorrem semanalmente, funcionando no modelo de “porta aberta” e sendo facilitados por extensionistas. A metodologia que sustenta o projeto se ancora na teoria de Carl Rogers acerca dos grupos de encontro (ROGERS, 2002). Esta baseia-se na adoção de atitudes facilitadoras, a saber a consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a autenticide, a fim de criar uma atmosfera de abertura em que as pessoas sintam-se confortáveis para compartilhar suas experiências sem o medo de serem julgadas, aspecto que parece ser muito caro para uma população que é alvo de discriminações diárias. Indo justamente em contramão a tais preconceitos, busca-se incitar a expressão genuína de cada participante. Assim, põe-se em ação o princípio da não-diretividade, o qual permite que o grupo aconteça sem uma estrutura pré-definida e se desenvolva como um coletivo, formado por cada indivíduo e sua subjetividade, explorando suas potencialidades. Portanto, observa-se que a construção desse espaço seguro promove a liberdade para que essa comunidade, tão marginalizada socialmente, possa expressar o seu jeito de ser. Cada encontro é registrado pelos facilitadores por meio da escrita de Versões de Sentido (Amatuzzi, 2001), instrumentos de descrição de experiência.

Objetivo e período de Realização
O objetivo do (Sobre)Viver, realizado pelo Programa de Educação Tutorial de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, é acolher pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ por meio de um serviço psicológico em grupo, que visa ser um espaço seguro para que cada participante possa se expressar autenticamente. Realizado desde outubro de 2022, objetiva a partilha das vivências de cada um, bem como a escuta e o acolhimento dos outros, desenvolvendo-se assim uma sensação de pertencimento e uma rede de apoio.

Resultados
A análise das Versões de Sentido (AMATUZZI, 2001) possibilita obter um vislumbre dos encontros e extrair elementos relevantes para a discussão. Primeiramente, aponta-se a frequência dos relatos de homofobia (agressões físicas e morais em diversos ambientes). Sobre isso, uma facilitadora escreve “falamos bastante sobre preconceitos, sobre sermos vistos apenas pelas nossas sexualidades, sobre sermos reduzidos a um rótulo”. Destaca-se o contraste entre tais violências e o sentimento de pertencimento dos participantes, contando sentirem-se seguros para compartilhar suas experiências, enquanto envolviam-se nas dos outros, conforme o trecho a seguir: “estavam todos totalmente voltados a ele, dispostos a acolhê-lo (...) vi ali uma comunidade, de forma que não havia visto antes”. Nesse contexto, ressalta-se o vínculo que os participantes criaram entre si e com o próprio serviço: “(ele) disse que sua quinta já estava marcada para o grupo (...) (ela) disse que era o melhor dia da semana”. Ademais, relataram a dificuldade de encontrar espaços como aquele, temendo a discriminação que costumavam experienciar nos dispositivos de saúde, mesmo os que afirmavam ser acolhedores da comunidade.

Aprendizado e Análise Crítica
Butler (2015) afirma que a violência faz parte da nossa constituição subjetiva, pois desde a revelação dos nossos gêneros são definidos, compulsoriamente, modos de existir, naturalizados por meio das normas, que definem parâmetros entre os corpos “normais” e os “abjetos”. Os que não obedecem a cisheterormatividade são expostos de maneira contínua e sistemática à violência. Enquanto a autora (2006) discorre sobre vulnerabilidade como uma condição humana, observa a distribuição diferencial dessa, ligada a relações de poder e mecanismos que permitem a maior precarização dos corpos abjetos por meio, por exemplo, da desassistência no campo das políticas públicas. A partir da experiência, observamos diversos relatos de vulnerabilidade atravessados pelo preconceito: discriminação, dificuldades de acessar dispositivos psicológicos públicos e falta de recursos para serviços particulares, resultando em sentimentos de desamparo e desconfiança no sistema. Assim, recorriam ao grupo como um espaço de cuidado alternativo. Embora visualize-se a potência do (Sobre)Viver, denota-se que este nasce como um projeto insurgente, buscando fortalecer uma comunidade marginalizada frente a ineficácia das políticas públicas de saúde, realizando, em consonância ao compromisso ético-político da práxis relatada, uma tomada de posição crítica frente aos atuais desafios no cenário das políticas públicas.

Referências
AMATUZZI, M. (2001). Versão de sentido. In Por uma psicologia humana (pp. 73-86). Campinas: Alínea.
BUTLER, J. (2006). Vida precária: Os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica.
BUTLER, J. (2015). Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização brasileira.
BEZERRA, M; MORENO, C; PRADO, N; SANTOS, A. Política de saúde LGBT e sua invisibilidade nas publicações em saúde coletiva. Saúde Debate, v. 43, n. especial 8, p. 305-323, dez, 2019.
DOMENE, F; SILVA, J; TOMA, T; SILVA, L; MELO, R; SILVA, A; BARRETO. J. Saúde da população LGBTQIA+: revisão de escopo rápida da produção científica brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27 n.10, p. 3835-3848, 2022.
ROGERS, C. (2002). Grupos de encontro. São Paulo: Martins Fontes.
MELO, D; SILVA, B; MELLO, R. A sintomatologia depressiva entre lésbicas, gays, bissexuais e transexuais: um olhar para a saúde mental. Rev enferm UERJ, n. 27, p. e41492, 2019.

Fonte(s) de financiamento: Não obteve.


Realização:



Patrocínio:



Apoio: