52833 - DESLOCAMENTOS TRANSNACIONAIS DE PESSOAS LGBTQIA+ PARA O BRASIL: CONCEITOS, PRÁTICAS E AÇÕES ATUAIS E A NECESSIDADE URGENTE DE POLÍTICAS PÚBLICAS FÁBIO URIA MALVEIS - ENSP/FIOCRUZ, SIMONE GONÇALVES DE ASSIS - CLAVES/ENSP/FIOCRUZ, CRISTIANE BATISTA ANDRADE - CLAVES/ENSP/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução No Brasil, em maio 2023 a partir de deliberação do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) aprovou a adoção de rito simplificado para análise de pedidos de refúgio de pessoas LGBTQIA+ vindas de países que as criminalizam, ou seja, com penas de morte ou prisão para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) recomenda essa ação desde 2002, mas a iniciativa brasileira é entendida como de vanguarda, sendo uma das primeiras adotadas por seus entes. Essa orientação segue o entendimento de que os marcadores de orientação sexual e/ou identidade de gênero são fatores deflagradores de migrações forçadas, motivadas por questões como a criminalização, a violência, a perseguição e a exclusão social (ACNUR, 2017).
A migração forçada, assim como as situações específicas de refúgio, atravessa a vida das pessoas, quer sejam pelas diferenças culturais expostas, medos e incertezas em seu novo “habitat”, preconceitos vivenciados em forma de discriminações e estigmatizações, precarização do trabalho ofertado e muitos outros fatores que potencializam a vulnerabilização desses indivíduos. Seu acesso a serviços públicos de saúde e a condições dignas de trabalho e geração de renda é condição mínima de proteção à dignidade dessas pessoas, como preconizam os direitos humanos.
Objetivos Trazer reflexão às práticas e ações de acolhimento e amparo, oferecidas pela sociedade civil e pelo Estado, aos migrantes LGBTQIA+ vítimas de perseguições e violências em decorrência de suas identidades de gênero e orientações sexuais em seus países de origem, e que buscam, migrando para o Brasil, expressarem-se como são, com liberdade e proteção. Pretende ainda, discutir o tema da migração de pessoas LGBTQIA+ e as suas inter-relações com a saúde e as violências sofridas por essa população.
Metodologia A partir de um levantamento bibliográfico, estabelecemos compreensão sobre o fenômeno dos deslocamentos transnacionais de pessoas LGBTQIA+, analisando contextos específicos à essa realidade, orientados pelas teorias decolonial e interseccional.
A seguir, foi feito um levantamento de instituições que se dedicam ao acolhimento de migrantes LGBTQIA+ no Brasil, em busca feita online e através de contato com profissionais e especialistas que trabalham e militam na área.
Em uma próxima etapa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores dessas instituições, identificando práticas, disponibilidades e territorialidades de atuação, procedendo-se análise temática sobre o material produzido nesses encontros. Estas entrevistas foram feitas online ou presencialmente e gravadas, sendo posteriormente transcritas para análise. As informações divulgadas pelas instituições, disponíveis em meio físico e/ou digital, serão analisadas qualitativamente, utilizando-se para tanto a técnica da análise de conteúdo (MINAYO, 2021, p. 75-86).
Ao final desse trabalho, foi desenvolvido uma cartilha informativa, para divulgação desses resultados.
Resultados e Discussão Enquanto humanos, migramos desde que existimos, não importa qual for o estudo de quando e onde isto ocorreu, seja para nos aproximar de melhores ofertas de alimento, condições de clima ou, até, nos distanciarmos de nossos predadores. Assim buscamos, desde então, melhores condições de vida e permanência. O movimento migratório explica o povoamento do homo sapiens pela Terra e nossa constituição em sociedades distintas e longínquas, muito antes de estabelecermos divisórias, físicas ou imaginárias, restringindo esse ir e vir.
Os deslocamentos humanos, como fenômeno social das migrações transnacionais ou internas, constituem parte fundamental na configuração das sociedades contemporâneas. Citando apenas os eventos ocorridos até fins do século XIX e meados do século XX, esse movimento remonta às sociedades primitivas, passa pelo período das conquistas e invasões, reforça-se durante a escravização do povo africano e, então, na fuga dos europeus nas guerras mundiais. Apesar disso, os autores clássicos da sociologia, em especial Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920) são pouco relacionados a esse tema, assim como ao próprio migrante como ator social. Segundo Giddens e Turner (1999), na obra de Marx somente se distingue um interesse biográfico pelo tema, não analítico.
A reflexão sobre os anseios desses migrantes, assim como a perspectiva de aumento da demanda por vistos especiais de refúgio, motivados pela simplificação do processo no Brasil, traz a urgência do debate sobre a necessidade da criação de políticas públicas de amparo e proteção aos migrantes LGBTQIA+, uma vez que são escassas, ou mesmo inexistentes, as ofertas de cuidado direcionadas, em especial, a esse “público”.
Conclusões/Considerações finais As pesquisas clássicas sobre migração não destacaram questões como gênero e sexualidade como fatores motivadores para esse deslocamento, pressupondo que os migrantes seriam uma massa de sujeitos heterossexuais, homens ou mulheres, que migrariam apenas por questões econômicas, equiparando migrantes a trabalhadores.
São ao menos 71 os países que criminalizam relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo, sendo 10 deles com pena de morte. Com número crescente, em dados de março de 2023, já são mais de 600 solicitantes atendidos no país após a mudança no rito. Comparativamente, entre 2010 e 2018 foram recebidas 369 solicitações dessa natureza, com aprovação de apenas 130 dos pedidos. Estima-se que o Brasil receba um aumento cada vez maior na demanda de solicitações de refúgio de pessoas LGBTQIA+, no entanto, o movimento jurídico para facilitação da migração de pessoas LGBTQIA+ não foi acompanhado da implementação de políticas públicas de acolhimento e cuidado para essa população.
Referências ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Cartilha Informativa sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Refúgio LGBTI. Brasília, 2017.
GIDDENS, A. e TURNER, J. (orgs.). Teoria Social Hoje. São Paulo, Editora da Unesp. 1999.
MINAYO, M. C. de S. (org). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Editora Vozes. Petrópolis. 4ª reimpressão. 2021. 95 p.
Fonte(s) de financiamento: CAPES
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