Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.2 - Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais

48646 - MULHERES QUILOMBOLAS NO VALE DO JEQUITINHONHA: CIDADANIA E DIREITOS, CADÊ? PARA QUEM?
FLORA RODRIGUES GONÇALVES - IRR - FIOCRUZ MINAS, POLYANA APARECIDA VALENTE - UEMG - IBIRITÉ/ IRR - FIOCRUZ MINAS, DENISE NACIF PIMENTA - IRR - FIOCRUZ MINAS


Apresentação/Introdução
Buscamos compreender os sucessivos processos de recolonização as quais as comunidades quilombolas do Vale do Jequitinhonha estão sujeitas, compreendendo a historicidade desses territórios desde o Ciclo do Ouro, como pessoas escravizadas, ex-escravizadas, num contínuo que abrange as consequências da Revolução Verde até os dias atuais, - refletindo a insegurança territorial- pela ausência da titulação de suas terras e de políticas públicas focadas na saúde quilombola, ou seja, negando seus direitos à cidadania e ao direitos humanos.
Segundo a Fundação Palmares, os remanescentes das comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica "sofrida", mas não só. Embora as comunidades quilombolas sejam responsáveis pela manutenção das tradições culturais afro-brasileiras, assim como mestras dos saberes tradicionais de cura, da manutenção do plantio e da agricultura familiar, eles são alvos de inúmeras (des)assistências no que tange ao acesso à saúde e qualidade de vida. Soma-se a esse fato o racismo que atinge essas comunidades e impacta diretamente sua territorialidade e seu bem viver. Esse cenário mobiliza a discussão dessa proposta, “direitos humanos, direito à saúde para quem?




Objetivos
É objetivo suscitar o debate sobre formas criativas e resistentes de saúde e bem viver que são construídas pelas lideranças e mulheres quilombolas em contraste com as respostas de uma ciência rápida, em duas comunidades localizadas no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Pretende-se também problematizar a pretensa universalização dos direitos humanos e da cidadania como foco de uma política hegemônica, racista, sexista e classista; que invisibiliza pautas quilombolas e suas especificidades.



Metodologia
A metodologia foi baseada nas técnicas estratégias propostas pelas pesquisas qualitativas em saúde, privilegiando a crítica ao modelo hegemônico de fazer pesquisa e de compreender os processos de saúde-doença. Dessa forma, o trabalho foi marcadamente dialógico, considerando as representações e os discursos sociais em saúde. Foram realizadas:
(A) Entrevistas semi-estruturadas, permitindo que as (os) participantes pudessem responder as entrevistas em seus próprios termos;
(B) O compartilhamento das histórias pessoais e experiências relacionadas à saúde a partir da metodologia da História Oral - e de sua importância em acessar o protagonismo e a agência narrativa das mulheres quilombolas,
(C) Trabalho de campo de cunho etnográfico, com imersão das pesquisadoras durante os 4 anos de execução da pesquisa. A Observação direta, assim como a criação de vínculo entre pesquisadores e comunidades, é uma ferramenta necessária para relativizar o papel do investigador e sua subjetividade;
(D) Protocolo de Consulta Livre, Esclarecido e de Boa-fé: instrumento utilizado como forma de legitimar as demandas quilombolas, assim como subsidiar a segurança territorial dessas comunidades.



Resultados e Discussão
Falar sobre as mulheres quilombolas no Vale do Jequitinhonha é falar, sobretudo, da vida cotidiana das comunidades tais como: água, gênero, saúde, soberania alimentar, violência doméstica, mineração, direitos humanos, autonomia e protagonismo dos quilombolas na luta pela garantia de direitos básicos. Pensando nesse contexto, registra-se a distância histórica entre os serviços de saúde convencionais e as comunidades, não existindo nos quilombos, de forma geral, um ponto de atendimento à saúde dentro da comunidade.
A Portaria nº 344 de 1º de fevereiro de 2017 instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). No texto, assume-se o compromisso do Ministério da Saúde no combate às desigualdades no Sistema Único de Saúde (SUS) e na na promoção da saúde da população negra de forma integral, considerando que as iniquidades são consequências dos injustos processos sócio-econômicos. Porém, sem demarcar as especificidades das comunidades quilombolas. As lideranças quilombolas, são categóricas em afirmar que a Saúde para as comunidades vai além da dicotomia doença/saúde, envolve questões de segurança alimentar, desenvolvimento e respeito pela cultura. Soma-se a isso as condições de grande parte dos territórios quilombolas: a falta de saneamento básico, doenças negligenciadas, a falta de acesso à recursos hídricos, a intensa migração, a falta de demarcação e regulação fundiária são fatores que devem ser levados em conta na promoção integral da saúde dos remanescentes quilombolas.
Somado a esse cenário, dentro da necropolítica do Estado, os protocolos de saúde não registram dados sobre as comunidades quilombolas, dificultando o levantamento e proposição de políticas públicas em saúde que funcionem e promovam a saúde e o bem-estar dessa população.


Conclusões/Considerações finais
Nós, do campo da Saúde Coletiva, temos o compromisso de ampliar o debate sobre as iniquidades em saúde pública, pensar modelos de políticas que dê conta das especificidades dos diferentes grupos que compõem a nossa sociedade. O direito humano e à saúde precisa alcançar a vida das mulheres e de suas comunidades quilombolas. Para isso, sabemos que é preciso melhorar a produção e qualificação dos dados epidemiológicos da saúde dessas populações, bem como o acesso nos serviços de assistência e em sua promoção.
É preciso que essas políticas públicas em saúde sejam produzidas levando em consideração o racismo estrutural e ambiental que compõem a nossa sociedade e que os gestores em saúde convoquem os territórios para o debate. Até que um dia, o sonho dos direitos humanos seja para todos e que haja o entendimento que as vulnerabilidades e invisibilidades dos povos quilombolas é fruto de um longo processo histórico, que em diferentes momentos tenta dizimar esses povos e suas culturas.


Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. – 3. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2017.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Org. Flávia Rios, Márcia Lima 1ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Ch’ixinakak utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: N-1, 2021.

Fonte(s) de financiamento: As autoras agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro por meio da Chamada FAPEMIG 13/2023 - Participação coletiva em eventos de caráter técnico-científico no país.

Também financiaram essa pesquisa a Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec)e o Instituto René Rachou - Fiocruz Minas


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