53739 - RACISMO CIENTÍFICO NO BRASIL (1880-1920) ANÁLISE DE UM TEXTO GENEALÓGICO DE NINA RODRIGUES DANIEL DE CASTRO BARRAL - UERJ
Apresentação/Introdução Suely Carneiro (2005) aponta a publicação do texto de Nina Rodrigues "O animismo fetichista dos negros da Bahia" (1850) como um momento genealógico do racismo científico no Brasil. Pensando no final do século 19 como marcado pelo medo das elites brancas de revoltas negras ao estilo Haitiano de 1808, múltiplas revoltas escravas na Bahia, o lento fim do regime escravagista caracterizado no Brasil pelo reaquecimento da trata escravagista e aumento do tráfico ilegal de escravizados, especialmente na Bahia (Reis, 2019), penso a cidade de Salvador como um estudo de caso para retratar as relações raciais no Brasil no início da república e pensar como esse cenário político se articula com os discursos médicos e sanitaristas para enfrentar epidemias como a Sífilis entre 1880 e 1920. O historiador E. P. Thompson (1963) descreveu a formação de classes na Inglaterra como uma “educação do desejo”, uma descrição que Ann Laura Stoler (1995) reapropriou para realizar uma releitura do pensamento de Foucault (1999) enfatizando as relações coloniais de raça e classe. Já o historiador José Murilo de Carvalho nomeia seu livro como “A formação das almas” (1992) quando pensa a formação da identidade cidadã brasileira. Seguindo esses pensadores, a presente pesquisa propõe pensar como certos discursos impactaram na formação e aparecimentos de determinados sujeitos modernos em Salvador.
Objetivos Realizar uma análise do livro “O animismo fetichista dos negros da Bahia” de Nina Rodrigues. Através da leitura, objetiva-se entender melhor a conformação social do final do século 19 na capital bahiana e como a presença negra em salvador era lida e entendida por um dos médicos mais influentes da sociedade soteropolitana. Ademais, relaciona-se a proeminência dada ao texto com a epidemia de Sífilis, que ganhava destaque no período em que é lançada a tradução do texto para português.
Metodologia O presente relato de pesquisa reúne proposições metodológicas e reflexões teóricas resultantes da pesquisa que tenho conduzido para o Doutorado junto ao Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro orientado pelo professor Sérgio Carrara.
A análise do documento será realizada a partir de uma leitura Foucaultiana do funcionamento do discurso e suas relações com o poder (Foucault, 1995) porém expandida para abarcar recortes de gênero, classe e raça e como esses elementos são construídos e delimitados no campo social dentro de um dispositivo que forma indivíduos ao mesmo tempo que é formado por eles (Stoler, 1995).
A reconstrução da perspectiva histórica será realizada a partir da História social (Thompson, 1963), dos estudos decoloniais (Stoler, 1995) e dos estudos subalternos (Guha, 1983) entendendo o documento histórico tanto como um agente em seu contexto passado e presente como também pensando como o documento relata e exerce ações em uma luta de poder social onde este representa apenas uma das partes, não raro, aquela que detém maior poder político e econômico.
Resultados e Discussão Para além dos objetivos mais diretos do autor, o texto se encontra em um contexto histórico e político marcado pela necessidade brasileira de firmar-se no cenário internacional como uma força política cuja soberania deveria ser respeitada. Vários intelectuais da época se perguntavam como que as grandes potências europeias iriam respeitar o Brasil como um Império independente com o tamanho do contingente negro da população nacional e múltiplas respostas a esse problema,"a questão racial", foram propostas, porém, era reconhecida a necessidade de estudos científicos e maior entendimento técnico da realidade da população brasileira e suas características raciais exatas. O texto "O animismo fetichista dos negros da Bahia", publicado pela primeira vez em 1850 em francês e apenas traduzido para o português em 1879, foi uma dos primeiros ensaios nacionais a tentar enfrentar esse problema da caracterização científica do conhecimento sobre a população negra do Brasil. O texto "O animismo fetichista dos negros da Bahia" (1850) marca o início de uma forma diferenciada de discurso sobre a população escravizada e liberta residente em Salvador, tendo sido caracterizado como um momento genealógico para o racismo científico no Brasil (Carneiro, 2023). O texto tenta dar conta de prover uma visão científica e objetiva sobre a religiosidade negra e se estabelece como uma reflexão progressista, dentro dos parâmetros da época, ao reconhecer a existência de vida psíquica nas mulheres e homens negros escravizados.
Conclusões/Considerações finais Apesar de utilizar de um sistema novo de descrição, Nina se insere em um projeto de desafricanização da cidade em sua análise, ofertando um discurso supostamente imparcial para substituir os esforços anteriores de desafricanização urbana em salvador (Reis, 2019). Como demonstrado pelo historiador João Reis, é possível traçar uma continuidade entre a revolta dos malês em Salvador e uma série de incidentes de desobediência e levantes negros tanto livres quanto escravizados até a greve negra de 1857. Essa resistência fazia frente a um esforço contínuo de embranquecimento do espaço urbano soteropolitano cujo objetivo era encorajar a realocação de pessoas negras, especialmente os africanos, para os espaços rurais da Bahia ou deportação para o continente africano. Os esforços fiscais e legais de desafricanização encontraram na comunidade negra de Salvador um oponente à altura e o texto de Nina Rodrigues pode ser pensado como uma estratégia nova para mesma questão.
Referências Carneiro, S. (2005). A Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser. Tese de Doutorado em Educação, na área de Filosofia da Educação, São Paulo: FEUSP.
De Carvalho, J. M. (1992). A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Companhia das letras.
Foucault, M. (1995). A Arqueologia do Saber. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Foucault, M. (1999). História da sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal.
Guha, R. (1983). Subaltern Studies VI: Writings on South Asian History (Vol. 6, p. 335). Oxford University Press(Ed.).
Reis, J. J. (2019). Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia. Companhia das Letras.
Stoler, A. L. (1995). Race and the education of desire: Foucault's history of sexuality and the colonial order of things. Duke University Press.
Thompson, E. P. (1963). A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, (1 Vol.).
Fonte(s) de financiamento: O presente artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla de doutorado junto a UERJ financiada pela CAPEs pelo modelo bolsa de pesquisa
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