Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.1 - Em busca de uma equidade em saúde perdida - o racismo em perspectiva

53337 - SOB A PERSPECTIVA DA AUTONOMIA: A CO-GESTÃO DO CUIDADO EM SAÚDE COM A PESSOA USUÁRIA DE CANNABIS, POR UMA POLÍTICA DE DROGAS JUSTA E ANTIRRACISTA
RENATA COUTINHO PEREIRA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP, VALÉRIA IZABEL DE MOURA - INSTITUTO DE ENFERMAGEM CANÁBICA - IECMED, JULIANA LEANDRO DOS SANTOS - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA - UESB - JEQUIÉ, VANINA CASTRO DÓRIA DE ALMEIDA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP, ÚRSULA MARTINS CATARINO - FLOR DE MARIA, MARIA DO CARMO CABRAL CARPINTÉRO - MOVIMENTO POPULAR DE SAÚDE - MOPS - CAMPINAS


Apresentação/Introdução
Autonomia é um dos conceitos centrais da Saúde Coletiva, um dos princípios da Política Nacional de Humanização (PNH) e uma busca constante dos que buscam efetivar a emancipação como um dos objetivos do trabalho em Saúde. Segundo a PNH “Qualquer mudança na gestão e atenção é mais concreta se construída com a ampliação da autonomia e vontade das pessoas envolvidas, que compartilham responsabilidades. Os usuários não são só pacientes, os trabalhadores não só cumprem ordens: as mudanças acontecem com o reconhecimento do papel de cada um. Um SUS humanizado reconhece cada pessoa como legítima cidadã de direitos e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde.” Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no relatório de 2022, na América do Sul existe uma prevalência estimada de 3,58% de pessoas que fazem uso de Cannabis, segundo o CENSO 2022 da população brasileira (203.080.756) 69,3% está no grupo de idade dos 15 aos 64 anos (140.734.964), inferindo que deste grupo 3,58% seja usuária de Cannabis temos: 5.038.311 pessoas. A Portaria 344/98 da ANVISA lista a Cannabis e o THC como planta e substâncias proscritas (Listas E e F2 do ANEXO 1), relegando à polícia um cuidado que deveria estar centralizado na Saúde. Sem a devida reavaliação deste posicionamento, o Brasil continuará tendo a pior política de drogas do mundo (Global Drug Policy Index, 2022).


Objetivos
Objetiva-se com este trabalho elencar alguns dos motivos pelos quais o atual posicionamento proibicionista do Ministério da Saúde através da ANVISA encontra-se dissonante das melhores práticas em Saúde Pública na atualidade. Também, apresentar o posicionamento do Ministério da Saúde de 1958 com relação à Cannabis e a motivação de sua proibição à época, proibição esta, ainda vigente em 2024.

Metodologia
Este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, elaborada através de revisão narrativa, com escopo na intersecção entre cuidado de saúde, autonomia no cuidado e Cannabis. Para sua elaboração foram selecionados, não sistematicamente, leis, artigos, documentos oficiais, portarias, notas técnicas, cartilhas, resoluções e livros. Não foram estudados trabalhos de conclusão de curso, dissertações ou teses. Após a leitura, foram feitos fichamentos, criadas as correlações narrativas e extraídas as conclusões.

Resultados e Discussão
Ao observarmos os avanços da descriminalização da Cannabis no mundo, podemos perceber que existe uma disputa constante da narrativa do falso cuidado, que quer justificar a criminalização com uma suposta e questionada correlação entre o uso da Cannabis e o desenvolvimento de esquizofrenia, ou: maconha é porta de entrada, mata neurônio, entre outras, ainda sustentadas por uma ciência questionável cujo resultado é a manutenção da hierarquia étnica no 2o país mais negro do mundo. Em 1830, proibiu-se no estado do Rio de Janeiro o Pito do Pango. Em 1915 o professor José Rodrigues Dória iniciou uma cruzada pela criminalização do hábito negro de usar a Cannabis, com o texto Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício, no 2o Congresso Científico Pan-Americano em Washington D. C. em 1915, disse: “...promulgada a lei que aboliu a escravidão no Brasil e integrada a nacionalidade com os libertados, tornados cidadãos; mas no país já estavam inoculados vários prejuizos e males da execrável instituição, dificeis de exterminar. Dentre esses males que acompanharam a ‘raça’ subjugada, e como um castigo pela usurpação do que mais precioso tem o homem - a sua liberdade - nos ficou o vício pernicioso e degenerativo de fumar as sumidades floridas”. Em 1958 o Ministério da Saúde, editou, publicou e distribuiu gratuitamente a 2a edição do livro: MACONHA: Coletânea de trabalhos brasileiros. No prefácio desta edição Irabussu Rocha escreveu: “Nosso objetivo autorizando a publicação de “MACONHA” pelo Serviço Nacional de Educação Sanitária é chamar a atenção dos estudiosos e dos governos para o problema. Não é um problema nacional, é um problema mundial. Não é um problema novo, ele se perde no horizonte do tempo. Mas aí está ele, desafiando a nós todos que cuidamos da eugenia da raça”.

Conclusões/Considerações finais
Em 1958 o Ministério da Saúde se posicionou pela criminalização do hábito negro, para o “cuidado da eugenia da ‘raça’”, daí a necessidade de reavaliação das motivações para a perpetuação da criminalização. A autonomia da pessoa que faz uso da Cannabis no Brasil é criminalizada, por ser uma planta proscrita através da Portaria 344/98 da ANVISA. A Lei 11.343/06, atual Lei de drogas não lista nenhuma planta ou substância em seu texto, mas cita no seu artigo 66o nominalmente a Portaria 344/98 da ANVISA. Após a implementação da atual Lei de Drogas houve crescimento de aproximadamente 550% na população carcerária brasileira até 2020, 57% dos encarceramentos femininos e 31% dos masculinos estão relacionados à dita Lei. Compreende-se que além de negados os cuidados às pessoas historicamente vilipendiadas no Brasil, se usa o argumento da “proteção do bem jurídico da Saúde Pública”, que têm representado não apenas uma grave ameaça ao cuidado e à autonomia dos povos subjugados, mas às suas vidas.

Referências
Onocko RT, Campos GW. Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In: Campos G, organizador. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 669-688.

Brasil. Ministério da Saúde. MACONHA: Coletânea de trabalhos Brasileiros. 2a Edição Serviço Nacional de Educação Sanitária. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 1958.

Brasil. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

Brasil. Ministério da Saúde. Agência nacional de vigilância sanitária, ANVISA, Portaria nº 344, de 12 de Maio de 1998.

Observatório das desigualdades. Mulheres na cadeia: crescimento populacional e questões de gênero. Belo Horizonte: 2021. Disponível em: https://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=1994

THE GLOBAL DRUG POLICY INDEX, 2022.

Fonte(s) de financiamento: Própria


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