52015 - REPARAÇÃO HISTÓRICA JÁ – UNINDO FORÇAS PARA PAGAR UMA DÍVIDA INADIÁVEL ANDRÉ LUIS DE OLIVEIRA MENDONÇA - UERJ
Apresentação/Introdução O mito da democracia racial está nu. Não há mais como esconder que os efeitos das nossas bases de cunho escravista e colonial ainda atuam na forma de racismo estrutural (ALMEIDA, 2018), ou de uma forma social escravagista (SODRÉ, 2023), responsável pela manutenção de desigualdades e privilégios gritantes. Crime perfeito segundo o antropólogo Kabengele Munanga, nosso racismo por denegação vem sendo desmontado por intelectuais negras e negros ao longo da nossa história, e, com a crescente ocupação de espaços que até então lhes eram negados, vozes negras vem ecoando o grito forte dos Palmares por justiça referente aos danos materiais e simbólicos sofridos há séculos. Esse trabalho parte da questão suleadora de que, se colegas brancas e brancos da área de política, planejamento e gestão em saúde partidários do chamado universalismo “desarmarem o espírito” face às “políticas identitárias”, poderão perceber todo o potencial transformador e revolucionário das Políticas Afirmativas e Reparadoras. Trata-se de um clamor à branquitude universalista do campo para que se alie àquelas e àqueles já mais afeitos ao “identitarismo”, a fim de que, juntas/os/es, possamos pensar estratégias de reparação histórica, posto que ela, a branquitude, tem uma dívida impagável (devido ao saque, usurpação e expropriação de saberes, territórios, culturas, subjetividades etc.) a ser quitada já.
Objetivos A partir de uma reflexão crítica fraternalmente orientada, o alvo crucial a ser atingido é o de sensibilizar colegas brancas e brancos da área de política e gestão em saúde, ao menos aquelas e aqueles que já se sintam tomando parte na luta antirracista, a fim de nos organizarmos coletivamente tendo em vista à nossa parcela de contribuição em prol do pagamento da dívida histórica que herdamos em função do pacto da branquitude pela manutenção de privilégios e vantagens de todas as ordens.
Metodologia Esse relato de pesquisa na forma de ensaio é parte dos frutos da semeadura acadêmica, na qual venho passando por um processo de radicalização de racialização como um homem branco nos últimos dez anos. Praticamente toda a minha atuação como professor, orientador e pesquisador durante este período tem tido relação direta com a temática racial, onde venho me questionando de modo mais intenso em anos recentes acerca da encruzilhada entre universalismo e “identitarismo” vivenciada no interior do campo da saúde coletiva. Nesse trabalho em particular, o que se pretende é repensar a questão da reparação histórica, dentro do marco teórico da ideia de branquitude (BENTO, 2022), em diálogo com a literatura crítica que aponta, por um lado, os limites do universalismo europeu que serviu de fundamento à construção do campo da saúde coletiva, por outro, a potência do pensamento afrodiaspórico e do feminismo negro em termos de renovação da teoria social de esquerda, inclusive por fazer germinar sementes férteis no próprio campo marxista.
Resultados e Discussão Com o ‘universalismo europeu’ colapsando, vêm sendo, dentre outros, justamente os movimentos organizados negro, indígena, feminista, LGBTQIAPN+ que estão construindo uma nova saída ‘pluriversal’ para o pensamento crítico e a práxis reformista/revolucionária sob novas bases civilizatórias, uma vez que subalternas/os/es estão agora falando por si e se fazendo escutar (SPIVAK, 2010). Em que pese todo o avanço que a área de política, planejamento e gestão em saúde representa para o campo progressista, faz-se urgente incluir em seu bojo questões negligenciadas sob pena de permanecermos reféns das estruturas de racismo, sexismo e elitismo decorrentes da persistente colonialidade (QUIJANO, 2005) na nossa Améfrica Ladina (GONZALEZ, 1988). No caso da questão racial, o nosso “planejamento estratégico”, enquanto intelectuais orgânicas/os de um campo com franca inserção epistêmica e política, deveria ser o de juntarmos forças em direção à reparação da dívida impagável com a população negra (SILVA, 2019) – bem como em relação aos povos originários – vítima de sequestro e expropriações ao longo da nossa história (NASCIMENTO, 2021). Nesse sentido, a aproximação fraterna entre marxistas universalistas e amefricanos “identitários”, que já vem sendo realizada em outros campos, deveria ser um ethos solidário a ser construído por nós. Sem deixar de reconhecer que ambos os lados precisam se abrir um para o outro, permito- me conclamar colegas marxistas e/ou universalistas para que reflitam sobre o quão precisamos lidar com a questão incômoda de termos de dialogar horizontalmente, agora nos espaços de poder como é o da Ciência, com as pessoas e grupos em nome das quais sempre supostamente falamos. Não dá mais para falar por ou sobre, o desafio maior é aprendermos a falar junto com.
Conclusões/Considerações finais Por ser um convite para que colegas brancas/brancos se unam à luta antirracista com vistas à reparação histórica, deixo, em diálogo com bell hooks (2021), especificamente o capítulo intitulado “O que acontece quando pessoas brancas se transforam”, a reflexão de que pagar a dívida não implica apenas perda. Mesmo considerando que o mais necessário é cumprirmos o nosso dever inadiável em termos de justiça racial, quando nós brancas e brancos nos irmanamos às lutas outras de modo autêntico nós mesmos nos alteramos, na medida em que passamos propriamente a nos humanizar como que comprovando a assunção davisiana/fanoniana/freiriana segundo a qual serão justamente as pessoas oprimidas (porém não vencidas) que irão nos libertar a todas/os/es por meio de uma luta constante. Por essas e outras, em vez de ficarmos acusando alguém de “woke”, “identitário”, clamo para ouvirmos sua história com atenção: ela sempre pode nos Trans-Formar.
Referências ALMEIDA, Sílvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
BENTO, Cida. Pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da amefricanidade. Tempo Brasileiro, Nº. 92/93: 69-82, 1988.
HOOKS, bell. Ensinando comunidade. São Paulo: Elefante, 2021.
NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
Quijano, Aníbal. “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. In A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciÍncias sociais. Perspectivas latinoamericanas. Edited by Edgardo Lander. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, 2005.
SILVA, Denise. A dívida impagável. São Paulo: Oficina da Imaginação e Living Commons, 2019.
SODRÉ, Muniz. O fascismo da cor. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2023.
SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
Fonte(s) de financiamento: Não há.
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