Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.1 - Em busca de uma equidade em saúde perdida - o racismo em perspectiva

51487 - A COLETA DO QUESITO RAÇA/COR POR OCASIÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: OPORTUNIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DA PNSIPN PELO SISTEMA DE JUSTIÇA
LIANA DE BARROS PIMENTA - UFJF, DANIELLE TELES DA CRUZ - UFJF


Apresentação/Introdução
A abolição formal da escravidão não representou a inserção social da população negra no Brasil. Ao longo dos anos, as disparidades outrora institucionalizadas trajaram-se de formas mais sutis e de suposta legitimidade, com o intuito de manter o poder da elite. Em decorrência desse processo excludente, diversas iniquidades sociais e sanitárias foram e ainda são experimentadas pela população negra.
Visando alcançar medidas sanitárias mais adequadas a este segmento populacional e minimizar as desigualdades, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Brasil, 2009) e estabelecida a obrigatoriedade do preenchimento do quesito raça/ cor nos atendimentos realizados junto ao SUS, medidas que, no entanto, não alcançaram efetividade (Silveira et al., 2021).
Por outro lado, o crescimento da judicialização da saúde vem consolidando a complexidade do direito sanitário e intensificando o papel do sistema de justiça na concretização desse direito constitucional, demandando nova postura dos atores processuais.
Assim, a questão que se coloca consiste em saber de que forma a possibilidade de judicialização direito à saúde pode contribuir para o atingimento das finalidades delineadas pela PNSIPN, através do preenchimento do quesito raça/cor pelas instituições envolvidas na judicialização, notadamente a Defensoria Pública, inclusive nos processos judiciais em curso.


Objetivos
- capilarizar a coleta do quesito raça/cor;
- fomentar os escopos da PNSIPN;
- viabilizar maior inserção dos órgãos integrantes do sistema de justiça na realidade social; e
- possibilitar maior conhecimento da realidade do direito sanitário, através da identificação das demandas submetidas ao Poder Judiciário pela população negra.

Metodologia
Para o alcance da proposta, buscou-se enfrentar a realidade da Defensoria Pública, instituição do sistema de justiça mais próxima do usuário do SUS enquanto jurisdicionado. Em seguida, elegeu-se a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro - DPRJ para a análise por três fatores: está presente na totalidade das comarcas do estado; possui uma agenda comprometida com a temática étnico-racial, tendo instituído, já em 2014, o Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial (DPRJ, 2014); e tem em seus quadros pessoas negras em percentual superior à média apresentada pelo serviço público (Observatório, 2023).
Buscou-se, junto ao Verde em Dados, plataforma integrante do sistema facilitador da DPRJ, informações sobre o preenchimento da declaração de raça/cor nos atendimentos realizados. Considerando-se que o sistema retorna os percentuais de não-preenchimento do quesito desde 2021, ano inicial do cadastro, procedeu-se ao levantamento dos municípios com ausência da declaração em até 70% dos casos desde aquele ano, ou seja, com preenchimento do quesito em pelo menos 30% dos atendimentos. O percentual, embora baixo, foi adotado para possibilitar um amplo alcance de municípios.


Resultados e Discussão
Das 80 comarcas atendidas pela DPRJ, 12 apresentaram informação racial em pelo menos 30% dos casos, e a estas foi enviado o seguinte questionário, com o intuito de clarificar os procedimentos adotados:

1) a coleta dos dados sobre raça/cor no seu órgão é feita segundo os parâmetros do IBGE e nos moldes da cartilha da Defensoria (tanto no que se refere à autenticidade da declaração, quanto às classificações raciais)?
2) houve/ há algum tipo de resistência do assistido em emitir essa declaração?
3) para além da abordagem individual durante o atendimento, foi/é necessária alguma outra medida de conscientização dos assistidos, como palestras e vídeos?
4) nos casos de processos judiciais já em curso quando do lançamento da cartilha de preenchimento do quesito raça/cor, houve a coleta da informação posteriormente, ou a informação foi buscada somente nos novos atendimentos?

Sobre a observância das diretrizes do IBGE, dois respondentes afirmaram segui-las, e um não enfrentou a pergunta; os três respondentes declararam não haver resistência por parte dos assistidos, tendo um afirmado que alguns declarantes possuem dúvidas sobre haver ou não a opção ‘morena’; dois respondentes aduziram ser suficiente a orientação durante o atendimento individual, e um nada respondeu sobre o item; os três respondentes afirmaram atualizar os dados pessoais dos assistidos a cada atendimento, de modo que, já havendo processo judicial em curso, a informação é obtida tão logo seja possível.
Conquanto a DPRJ esteja aparelhada e apta a obter a informação racial em seus atendimentos, ainda é incipiente a atuação nesse sentido. Soma-se a isso o reduzido número de comarcas que responderam ao questionário, o que evidencia racismo institucional mesmo no caso de instituição comprometida com a temática étnico-racial.


Conclusões/Considerações finais
Embora o preenchimento do quesito raça/cor constitua importante ferramenta para a redução das iniquidades que atingem a saúde da população negra, as finalidades almejadas não vêm sendo alcançadas, possivelmente em razão do preterimento dessa informação por parte dos órgãos sanitários.
Uma das formas de se ampliar a coleta da autodeclaração é através da atuação das instituições do sistema de justiça, que se valeriam da crescente judicialização da saúde para melhor conhecer os usuários do SUS e suas necessidades sanitárias. A medida, no entanto, embora seja possível, ainda é incipiente, o que se depreende inclusive da realidade de entidades comprometidas com as questões étnico-raciais, como é o caso da DPRJ.
O enfrentamento do racismo institucional, a superação do mito da democracia racial e o reconhecimento do racismo como determinante social da saúde são pontos que se impactam mutuamente, e revelam-se igualmente necessários para que os princípios do SUS sejam efetivamente consagrados.


Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html.
DPRJ. Resolução nº 720, de 12 de março de 2014. Dispõe sobre a reidentificação de órgãos de atuação da Defensoria Pública. Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/legislacao/detalhes/2664-RESOLUCAO-DPGE-N%C2%BA-720-DE-12-DE-MARCO-DE-2014.
OBSERVATÓRIO DA PRESENÇA NEGRA NO SERVIÇO PÚBLICO, 2023. Disponível em: https://www.observatoriopresencanegra.com.br/.
SILVEIRA, Raquel et al. Reflexões sobre a coleta do quesito raça/cor na Atenção Básica (SUS) no Sul do Brasil. Saúde e Sociedade. São Paulo. V. 30, n. 2, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/Rd86QFbhvDXkTHvGZR7zjpQ/?format=pdf&lang=pt


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