Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.1 - Em busca de uma equidade em saúde perdida - o racismo em perspectiva

50836 - A CONSTRUÇÃO DE UMA PSICOLOGIA ANTIRRACISTA PELA EQUIDADE EM SAÚDE NO BRASIL
CONCEIÇÃO APARECIDA ALVES ASSIS - UERJ


Apresentação/Introdução
Em 2007, a Organização Mundial de Saúde reconheceu raça e etnia como “determinantes sociais de saúde e desigualdades em saúde”. As controvérsias e, cada vez mais necessárias problematizações acerca dessas noções, apontam para a necessidade de aprofundamento do debate étnico-racial e suas imbricações com as relações assimétricas de poder na sociedade. Especialmente nas duas últimas décadas, com o avanço dos movimentos feministas negros, a gramática dos processos relativos ao acesso da população negra à saúde vem ganhando destaque em nossa sociedade. Nesse contexto, o Conselho Federal de Psicologia/CFP contribuiu para qualificar o debate, de modo pioneiro, com a publicação da Resolução Nº 18/2002, que “estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial”. No aniversário de 20 anos da Resolução, o CFP, que regula o exercício profissional de Psicologia, finalizou a maior campanha nacional de sua história, intitulada “Racismo é coisa da minha cabeça ou da sua?”. Lançada em 2020, ela reuniu seminários, debates, podcasts, vídeos, cujas reflexões foram condensadas na obra “Psicologia Brasileira na Luta Antirracista” (CFP, 2022). Desse modo, o CFP materializou, no contexto adverso da pandemia de Covid-19, seu compromisso com a construção de uma sociedade mais saudável e menos desigual.

Objetivos
Identificar e descrever as principais ações institucionais do Conselho Federal de Psicologia/CFP para o enfrentamento ao racismo no Brasil, entre 2002 e 2022. Refletir preliminarmente sobre as suas condições de surgimento, as similitudes e diferenças entre os referidos posicionamentos públicos, bem como os sentidos que os sustenta(ra)m, em especial, com relação ao campo da saúde pública.

Metodologia
A pesquisa tem caráter documental e insere-se no debate sobre saúde pública e questão racial, a partir da produção técnico-científica do CFP para enfrentamento das tensões impostas pelo racismo. Concentrada nas dimensões possíveis sob as lentes de uma abordagem etnográfica dos registros oficiais (Ferreira e Lowenkron, 2020), detive-me, inicialmente, na publicação da Resolução CFP Nº 18/2002 e, posteriormente, na proposta divulgada na Apresentação e na Introdução do primeiro volume do livro “Psicologia Brasileira na Luta Antirracista”, de 2022. Considerando a perspectiva antropológica segundo a qual documentos não registram apenas “realidades pré-existentes, mas também são tecnologias centrais na produção e fabricação das realidades que governam” (Ferreira e Lowenkron, 2020), propus refletir sobre eles enquanto mediadores, o que permite indagar sobre as relações de força e de resistência que os textos carregam consigo. Para atender às restrições de tempo impostas pela finalidade da pesquisa, restringi a análise aos três documentos apontados, de modo a torná-la exequível.

Resultados e Discussão
A Resolução CFP Nº 18/2002 contem sete artigos concisos que indicam como os psicólogos devem contribuir “com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e para a eliminação do racismo” (art. 1º). Contudo, seu tom é basicamente proibitivo. Fora o primeiro artigo, os outros cinco registram interdições (não exercerão/serão coniventes/se utilizarão/colaborarão/se pronunciarão) a condutas de favorecimento, conivência ou omissão diante do racismo. Ou seja, naquela sociedade onde o debate racial mostrava-se ainda restrito ao ativismo dos movimentos negros, apesar da menção à reflexividade no início da Resolução, o CFP dirigiu-se aos psis de forma tutelar, com a finalidade de coibir práticas discriminatórias da categoria. Vinte anos depois, na contramão do caráter hermético e protocolar do documento de 2002, o órgão publicou a obra “Psicologia Brasileira na Luta Antirracista” (CFP, 2022). Nela explora a escuta e a dialogicidade, tão afetas à Psicologia, para qualificar não só o debate étnico-racial na sociedade, mas produzir reflexões sobre as diversas formas de opressão e como compreendê-las e superá-las. A publicação oferece subsídios teórico-críticos, sob a perspectiva da interseccionalidade, compatíveis com a relevância do compromisso com a Ciência e com a Saúde Pública, em um momento em que ambos estavam sob ataque. Na ocasião, pronunciamentos de autoridades brasileiras iam de encontro às orientações da OMS no enfrentamento da pandemia de Covid-19 e, junto com a instabilidade político-econômica, ofereciam solo fértil ao avanço do ideário neoconservador. O posicionamento político do CFP, portanto, assumiu contornos de resistência política, vinculada ao compromisso “em prol de uma sociedade antirracista”, materializado pelo debate amplo travado em sua campanha.

Conclusões/Considerações finais
A proposta do CFP na campanha por uma psicologia antirracista (2020-2022) contrasta com o teor da Resolução de 2002, mas esta não foi revogada. O CFP assume que a coletânea de abordagens reunidas “para o desenvolvimento de ações contra o racismo à brasileira” tem na Resolução um marco histórico, mas em 2020 a postura crítica valorizada pela Psicologia adquiriu “maior concretude e densidade”. Por outro lado, enquanto a Resolução enuncia o que não deve ser feito, o título da obra de 2022 denuncia que há uma batalha em andamento. Com isso, conclama a categoria a refletir e engajar-se na luta antirracista, apontando a insuficiência da postura passiva do “não fazer”, “não ser racista” e acionando a urgência da postura ativa para a construção de uma sociedade que se deseja menos desigual. Como a experiência cotidiana do racismo segue ampliando as desigualdades no processo saúde-doença (Batista, et al., 2017), é necessário avançar e contribuir com o projeto coletivo de mudança.

Referências
BATISTA, L. E. et al. Indicadores de monitoramento e avaliação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Saúde e Sociedade, v. 29, n. 3, p. e190151, 2020.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia Brasileira na Luta Antirracista. Vol. 1, Brasília: CFP, 2022.
_______________. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: CFP, 2005:2021.
_______________. Resolução Nº 18. Brasília: CFP, 2002.
FERREIRA, L. e LOWENKRON, L. (org.) Etnografia de documentos: pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. Rio de Janeiro: E-papers, 2020.
SANTOS, A. O. e SCHUCMAN, L. V. Desigualdade, relações raciais e a formação de psicólogo (as). Revista EPOS, 6(2), p. 117-140, 2015.
ENSP-FIOCRUZ. Os Determinantes Sociais da Saúde na OMS. Rio de Janeiro. Disponível em , acessado em 05/02/2023.

Fonte(s) de financiamento: Inexistente


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