Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC2.1 - Em busca de uma equidade em saúde perdida - o racismo em perspectiva

50429 - A (DES) INFORMAÇÃO FRENTE A DOENÇA E AO TRAÇO FALCIFORME: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ATUAL COM MULHERES PRETAS E PARDAS DE CUIABÁ
RENATA DA SILVA LEITE HELLEBRANDT - UFMT, REGINALDO SILVA DE ARAÚJO - UFMT, SERGIO RICARDO GASPAR - UFMT


Contextualização
A Doença Falciforme de acordo com Silva et al. (2016, p. 155) é “uma das doenças hematológicas herdadas mais comuns em todo o mundo”. Esta provoca a alterações na hemoglobina fazendo com que as hemácias desenvolvam formato alongado ou de meia lua, semelhante a uma “foice”, fenômeno conhecido como “falcização das hemácias” (SANTOS, 2021). E, a vulnerabilidade associada as pessoas falcêmicas não se limita tão-somente ao quadro clínico há ainda a racialização da patologia. Outros desdobramentos seguem nos campos da saúde sexual, reprodutiva e mental, esta última constatável nas frequentes queixas de sintomas depressivos (ARAÚJO, 2006; VALÊNCIO; DOMINGOS, 2016).
Agora, tomando-se o conceito de necropolítica de Mbembe (2018) e o associando ao processo saúde-doença de Minayo (1991) e a leitura interseccional entre raça e gênero compreende-se o papel imposto as mulheres negras como sujeitos sociais do cuidado a todos os componentes da família acometidos com Doença Falciforme, verificando-se assim a um só tempo o racismo e o sexismo (LADEIRA, 2019). Identificou-se na pesquisa a incapacidade dessas mulheres desenvolver ritmo saudável em decorrência da patologia possuir dimensões somática, social e psicológica o que amplia a vulnerabilidade sociocultural das entrevistadas.

Descrição da Experiência
A pesquisa relatou o processo saúde-doença a partir de estruturas e significados histórico-culturais complexos que articulam fatores biológicos, sociológicos, econômicos, ambientais e culturais. Estes, influentes nas vivências e nos efeitos da doença falciforme sobre a maternidade de mulheres que desenvolveram o quadro ou possuem o traço falciforme e que moradoras de Cuiabá no estado de Mato Grosso.
Os diálogos iniciaram-se com a exposição da pesquisa ao presidente da organização social ASFAMT o que facilitou a identificação e a participação no estudo pesquisa de cinco mulheres entre pardas e pretas, na faixa de 30 a 50 anos. A escuta foi instrumento estratégico para compreender as necessidades de informação desse grupo de mulheres, posto que são a cuidadora principal ou exclusiva dos filhos em meio altos níveis de vulnerabilidade social das entrevistadas.
Outro ponto de destaque é que as despesas com as crianças falcêmicas atingem diretamente o grupo de mulheres entrevistadas e, ainda é fator desencadeador de desemprego e de desagregação familiar, fazendo com que o núcleo familiar careça de políticas de assistência social a exemplo do Bolsa Família. Identificou-se também demanda de instalação de redes de apoio para o manejo de situações de adoecimento, de promoção e, de adaptação as condições crônicas no sentido físico, emocional e social da doença falciforme.

Objetivo e período de Realização
O objetivo foi executar pesquisa no mês de abril de 2023 com abordagem qualitativa baseada em entrevistas temáticas estruturadas, observações e registros de falas de mulheres pretas e pardas portadoras de doença falciforme ou com traço falcêmico residentes em Cuiabá atendidas pela ASFAMT. De modo a se identificar estruturas e significados histórico-culturais que influenciaram nas suas vivências e no entendimento de como o processo saúde-doença influenciou esse grupo de mulheres.

Resultados
O diagnóstico da Doença Falciforme é relevante para o âmbito familiar, pois, é a partir daí que se busca profissionais de saúde, medicamentos e possíveis tratamentos. O cenário que se apresentou, para a maioria das informantes deste estudo, foi marcado por desemprego, famílias com baixo poder aquisitivo e, mães como únicas responsáveis pelos cuidados das crianças falcêmicas.
Ao abordar com as partícipes da pesquisa sobre as dificuldades, no processo de decisão de terem filhos e os cuidados reprodutivos, as respostas encontradas retrataram desinformação, insegurança e medo. E, ouviu-se das entrevistadas que até recentemente a maioria das famílias não acessavam o diagnóstico da doença falciforme, gerando assim equívocos no tratamento tanto por parte dos familiares, quanto dos profissionais da saúde.
Quando questionadas sobre medos e preocupações que envolvem a possibilidade em terem filhos falcêmicos, as inseguranças e os medos permaneceram, ainda que diagnosticadas tardiamente. Os relatos das entrevistadas revelam a todo momento o risco reprodutivo presente de gerarem crianças falcêmicas, condição está evitável com a disponibilização do aconselhamento genético pelo SUS.

Aprendizado e Análise Crítica
Observou-se que há uma rede de apoio entre as famílias das pessoas falcêmicas, abrangendo cuidados com as crianças ou mesmo apoio nos momentos de dor e de medo. Identificou-se também a interação entre famílias e equipes de saúde, estas últimas participam de forma auxiliar no enfrentamento da doença, minimizando as consequências negativas e promovendo adaptação e flexibilidade no enfrentamento das condições crônicas.
A pesquisa aponta como os efeitos físico, psicológico, emocional e o social da Doença Falciforme em crianças e suas famílias, requerem cuidados, diagnóstico precoce e, atendimento multidisciplinar para que se possa compreender a especificidade da patologia, os cuidados preventivos e as complicações desta. Ouvir e explorar as informações que as pessoas têm sobre a doença falciforme é fundamental para criar-se habilidades que ajudem na melhoria da qualidade de vida e do tratamento das pessoas falcêmicas e seus cuidadores.
Por fim, reitera-se a necessidade de ampliação de pesquisas junto a pacientes com Doença Falciforme com o objetivo de despertar nos profissionais de saúde a reflexão sobre os aspectos humanos do cuidado às crianças e às famílias, ao invés de limitar-se aos aspectos biológicos. A defesa do processo de educação em saúde faz-se necessária na promoção da saúde, sendo destarte relevante para prevenção, cuidado e reabilitação de pessoas falcêmicas.

Referências
ARAÚJO, R. S. Organização e politização do movimento de saúde dos portadores falcêmicos na Grande São Paulo. Série Anis. Brasília: Letras Livres, set. 2006.

LADEIRA, R. C. Um olhar interseccional sobre as mulheres negras cuidadoras na Anemia Falciforme. Rev. Ítaca. n. 34, 2019.

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: N-1 Ed., 2018.

MINAYO, M. C. S. Abordagem Antropológica para Avaliação de Políticas Sociais. In: Rev. de Saúde Pública, v. 25, n. 3, p. 233-238, 1991.

SANTOS, M. et al. Perfil epidemiológico de casos notificados da doença falciforme no Ceará. Rev. Brasileira de Desenvolvimento, v. 7, n. 1, pág. 6840-6852, 2021.

SILVA, P. H. et al. Hematologia laboratorial: teoria e procedimentos. Porto Alegre: Artmed, 2015.

VALÊNCIO, L. F. S.; DOMINGOS, C. R. B. O processo de consentimento livre e esclarecido nas pesquisas em doença falciforme. Rev. Bioética, v. 24, n. 3, p. 469-477, 2016.


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