50169 - PANDEMIA DA COVID-19 NO ESTADO DO CEARÁ: RAÇA, NECROPOLÍTICA E SAÚDE RAQUEL CERDEIRA DE LIMA - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FORTALEZA (SMS), MARIANA POMPÍLIO GOMES CABRAL - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), FRANCISCO ANDERSON CARVALHO LIMA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE), MARIA LÚCIA MAGALHÃES BOSI - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC)
Apresentação/Introdução Embora a pandemia da COVID–19 tenha reunido majoritariamente esforços para investigar a fisiopatologia da doença, este estudo pretende evidenciar a importância de compreender o fenômeno pandêmico a partir de um arcabouço prático-teórico-metodológico multifacetado, considerando conexões entre o desenvolvimento epidemiológico, crítico e social dos processos de saúde, estando a questão racial imbricada nesses entrecruzamentos. A pesquisa é um recorte local de um estudo realizado em caráter nacional, tendo como foco as duas primeiras ondas da pandemia da COVID-19 em 2020 e 2021. Ancora-se em conceitos que permitam refletir saúde enquanto um direito social, dialogando com as potencialidades e os desafios de uma política pública, instituinte do Sistema Único de Saúde (SUS), que privilegia a universalidade do acesso aos bens e serviços de saúde, o olhar integral e humano à população assistida, ratificando a necessidade de uma atenção justa e equânime. Em junho de 2021, o Brasil ocupava o 2º lugar em número de mortes, com 475 mil óbitos. Em se tratando do estado do Ceará, este ocupava destaque por bater recordes de óbitos pela doença, sendo o 1º lugar em taxa de mortalidade do Nordeste (71 óbitos por 100 mil habitantes) e o terceiro em taxa de letalidade (2,6%), levantando o questionamento sobre o perfil sociorracial implicado na crise sanitária.
Objetivos O trabalho objetiva analisar o panorama de morbimortalidade da COVID-19, conforme o quesito raça/cor, no estado do Ceará, Nordeste do Brasil, a fim de problematizar o conceito de raça como categoria estruturante para uma atenção equânime no enfrentamento da pandemia.
Metodologia É um estudo de caráter exploratório e reflexivo, realizada mediante análise documental de Boletins Epidemiológicos com recorte para a identificação dos dados de morbimortalidade por quesito raça/cor por COVID-19 no Estado do Ceará, disponibilizados na plataforma IntegraSUS do Ministério da Saúde e Secretaria do Estado do Ceará. Além disso, realizou-se uma análise de publicações selecionadas na plataforma PubCovid-19 e na Biblioteca Virtual em Saúde, com temáticas acerca do impacto da pandemia sob a perspectiva raça/cor/etnia. Para referencial analítico, usamos elementos da teoria da interseccionalidade e do conceito de necropolítica, visando tensionar o referencial epidemiológico descrito.
Resultados e Discussão Os resultados apontam que o risco, a forma de contágio e as possibilidades prognósticas da enfermidade são socialmente desiguais, haja vista que a população preta, pobre e periférica do Estado, bem como na capital, Fortaleza, apresentar maiores índices de morbimortalidade. Os resultados apontam, ainda, três pistas para entender a interface da pandemia, saúde pública, racialização e a transversalidade do contexto social da pobreza. A primeira, é a falta de acesso a serviços de saúde pública. A população negra, em geral, concentra-se nas regiões marginalizadas e periféricas, onde há baixa cobertura de serviço de saúde relativa à alta demanda, além de serem dependentes do SUS. A segunda desvela-se pelos dados de alta mortalidade em bairros periféricos da capital e cidades interioranas com baixo IDH, sendo possível inferir sobre a determinação da doença a partir das condições de vida, com pior acesso a condições de moradia salutares e onde a propagação da doença é facilitada. Por último, evidencia-se a política da sobrevivência como elemento norteador para compreender a mortalidade pela doença. A população negra e periférica, em grande medida, faz parte do mercado de trabalho informal, sem direitos trabalhistas ou garantia de renda, caso adoeça. À luz da epidemiologia social, o desdobramento da pandemia numa sociedade interseccionalizada por racismo, miséria e sexismo, penaliza os grupos mais vulneráveis. A crise sanitária evidencia uma crise já instalada, decorrente de um país historicamente estruturado pelo capitalismo escravocrata. Compreende-se, ainda, o papel do Estado sobre a gestão da vida e da morte da população com tecnologias necropolíticas de governamentabilidade.
Conclusões/Considerações finais Este estudo faz um alerta à sociedade da insistente presença de inúmeras desigualdades raciais e sociais, com distâncias abissais no acesso a bens e serviços públicos, a direitos de reconhecimento e de justiça entre população negra e não negra no Brasil. Conclui-se com o entendimento de que se faz necessária uma epidemiologia complexa para compreender a pandemia de COVID-19 e outras que porventura possam surgir, aliando à análise das políticas de saúde outras dimensões como a proteção social e o desenvolvimento econômico, além dos recortes populacionais que escancaram as desigualdades e às iniquidades em saúde, evidenciando o papel do Estado nesse processo.
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