53317 - MUDANÇAS NAS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NA ARGENTINA E NO BRASIL NO PERÍODO DE 2010 A 2020: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS LUCÍA BELÉN PÉREZ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), NICOLAS GUSTAVO SOUZA COSTA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), AMANDA PINHEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), FRANCISCA ELIZABETH ARAÚJO BEZERRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), FRANCY PAOLA ORTIZ CARDENAS - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), CARMEM EMMANUELY LEITÃO ARAÚJO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC)
Apresentação/Introdução Alternativas às práticas manicomiais são desenvolvidas há mais de três décadas na América Latina. Apesar de dificuldades estruturais (SOSA, 2015), várias medidas governamentais foram tomadas para enfrentar problemas de violação de direitos e crescimento da prevalência e da carga dos sofrimentos psíquicos na região. Em que pese semelhanças na definição e desenvolvimento de políticas de saúde mental promotoras dos direitos humanos e construtoras de alternativas comunitárias, os países possuem trajetórias e resultados distintos em suas reformas psiquiátricas (HENAO et. al. 2016). Por certo, as políticas públicas experimentam mudanças associadas a diversos fatores, estando sob a influência de regras, contextos, idéias, coalizões e comportamento dos atores (ARAÚJO, 2017). As transformações jurídicas que possam ocorrer nem sempre representam avanços na implementação. Por vezes, políticas públicas podem manter padrões de políticas do passado e ou criar caminhos distintos daqueles esperados pelos atores defensores de novas ideias. Existem lacunas na literatura de estudos comparativos sobre os países latino-americanos no que diz respeito a políticas públicas, particularmente em relação às políticas de saúde mental (SM) (BLANCO et. al., 2017). Esse estudo busca reduzir essa escassez a partir de dois casos considerados pioneiros na região: Argentina e Brasil.
Objetivos O objetivo deste estudo foi analisar similaridades e diferenças nas políticas de saúde mental da Argentina e do Brasil, levando em consideração as trajetórias das reformas psiquiátricas, as redes de atenção estabelecidas e os significados atribuídos à experiência por atores envolvidos na gestão nacional e de serviços de saúde.
Metodologia Trata-se de uma investigação de desenho qualitativo e enfoque histórico-comparativo mediante o uso de uma fonte mista de dados, que incluiu uma revisão narrativa e análise documental. Foi utilizado o enfoque analítico da hermenêutica-dialética como meio para a autocompreensão das informações obtidas (GADAMER, 2008). Foram realizadas 35 entrevistas semiestruturadas com gestores formuladores e implementadores da política nas redes de atenção à saúde mental, conformando uma amostragem por conveniência. O trabalho utiliza a concepção de information power, considerando a potencialidade da informação obtida para produzir novo conhecimento. O cenário de pesquisa deu-se em duas unidades subnacionais que experimentaram experiências pioneiras e locais de reformas psiquiátricas – província de Rio Negro (RN - Argentina) e do estado de Ceará (CE - Brasil). Três eixos de análise foram constituídos: mudanças, permanências e retrocessos nas políticas públicas, no financiamento e nas redes de saúde mental. A análise das informações obtidas foi realizada com o suporte do software Atlas.ti 8. Apreciado pelo Comitê de Ética, parecer N° 5.124.298.
Resultados e Discussão Enquanto a Argentina logra com dificuldades a implantação da política nacional nos últimos dez anos, a proposta brasileira sinaliza para retrocessos no mesmo período. Os casos compartilham a implementação de serviços com orientação comunitária frente a fragilidades estruturais e contextuais que se mostram distintas em diferentes cidades de uma mesma unidade federativa. Há singularidades na formulação e implementação de serviços associadas às políticas nacionais. A expansão de serviços comunitários ocorreu principalmente no contexto de governos progressistas, embora não seja um fator suficiente para explicá-la. O federalismo não se mostrou um obstáculo à políticas, porém na Argentina, a produção legislativa nacional tem sofrido mais constrangimentos do que no Brasil. Salienta-se a importância de empreendedores de mudanças, com movimentos sociais mais coesos no Brasil. Os participantes destacam que ambas experiências possuem dificuldades relacionadas à formação dos profissionais e às condições de trabalho, ao financiamento das políticas, bem como à coordenação e integração de serviço. Os contextos de reformas são permeados por resistências e retrocessos que afetam os avanços perseguidos. Assim, a reforma psiquiátrica ainda é um processo em disputa nos dois países. No Brasil, os retrocessos progrediram ao ponto do desenvolvimento de novas políticas que representam um retorno à lógica manicomial e um movimento de contrarreforma psiquiátrica. Argentina corre um risco similar; além de progressos lentos, algumas pistas de retrocessos começam a serem enxergadas: no RN um serviço de funcionamento não alienado à política de SM e alguns passos na direção do financiamento de comunidades terapéuticas e questionamento às políticas de redução de danos são exemplos do retrocesso.
Conclusões/Considerações finais Destacam-se avanços lentos, insuficientes e baixo ameaça de retrocesso, revelando a necessidade de ações além das já feitas a fim de mudar lógicas de funcionamento enraizadas. Enquanto a Argentina tenta, com dificuldades, a implantação da política nacional. O Brasil sinaliza retrocessos relevantes. Destaca-se que o contexto importa e impacta nas políticas de saúde mental, sendo preocupante o atual contexto argentino com um governo de extrema direita. Orçamento e capacitação de profissionais são relevantes. O estudo também assinala a relevância de considerar contextos geográfico, político, econômico e social para a implementação de políticas públicas. Também reforça a necessidade de superar a ambivalência “potencialidade versus insuficiência das políticas”. As políticas públicas de saúde mental estão sensíveis às realidades políticas e socioeconômicas de cada país.
Referências ARAUJO, Carmem Emmanuely Leitão. Decisões Políticas e Mudanças Limitadas na Saúde. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 2020. p. 298.
BLANCO, Laura Castro; et. al. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. Universidad del Bosque, Bogotá, 2017.
GADAMER, Hans-Georg. A extensão da questão da verdade à compreensão das ciências do espírito. In: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 272-558.
HENAO, Silvia; et. al. Políticas públicas vigentes de salud mental en Suramérica: un estado del arte. Revista Facultad Nacional de Salud Pública, v. 34, n. 2, p. 184-192, 2016. Universidad de Antioquia.
SOSA, María Silvina. Análisis del Modelo de Atención en Salud Mental en los países Estados Partes del Mercosur. Revista Ciencias de La Salud, Bs As, v. 5, n. 2, 2015, p. 22-29.
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