06/11/2024 - 08:30 - 10:00 RC1.5 - Tecnologias, Inovações e Judicialização da Saúde: conflitos em todo da regulamentação e acesso |
51820 - JUDICIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS PARA FIBROSE CÍSTICA E O USO DOS PARECERES TÉCNICOS PELOS MAGISTRADOS NOS PROCESSOS JUDICIAIS CONTRA A UNIÃO FEDERAL GABRIELA SUAREZ PINTO - FIOCRUZ, MIRIAM VENTURA DA SILVA - UFRJ
Apresentação/Introdução A judicialização da saúde é reflexo do reconhecimento por parte da sociedade de seu direito à saúde, sob responsabilidade do Estado. Os cidadãos buscam a efetivação desse direito quando encontram barreiras de acesso a bens ou serviços para o seu cuidado, principalmente por parte do SUS, mas também de empresas de saúde suplementar. Apesar da ampla garantia do direito à saúde pela Constituição Federal, o mesmo deve ser garantido mediante políticas públicas, porém estas nem sempre abarcam todas as necessidades de saúde, de todos os cidadãos integralmente, como a Constituição visa garantir. Por isso, há o acionamento do Poder Judiciário, pela dificuldade dos contornos jurídicos reais do direito à saúde, atrelado aos princípios do SUS de universalidade e integralidade. Esse é um assunto que cresce ao longo do tempo e gera tensões entre os diversos atores envolvidos, especialmente quando tratamos de doenças raras, que possuem maiores dificuldades ao acesso a tratamentos no sistema público de saúde. Os Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) são uma política judiciária respaldada pelo Conselho Nacional de Justiça. A principal função do NATJUS é de produzir pareceres técnicos que podem ser solicitados pelos Magistrados para embasar, cientificamente e com argumentos referentes às políticas públicas, processos judiciais envolvendo saúde.
Objetivos Analisar a repercussão da utilização dos pareceres técnicos, produzidos pelo NATJUS, pelos magistrados nas decisões de antecipação de tutela, também conhecida como liminares, sobre o fornecimento de medicamentos no âmbito dos processos judiciais que reivindicam medicamentos para o tratamento da fibrose cística, entre 2009 a 2022, contra à União Federal, no âmbito nacional.
Metodologia Trata-se de estudo analítico com principais fontes de dados o banco de dados gerados pelo estudo principal “Cenário atual e futuro das demandas judiciais em saúde contra a União – ENSP-Fiocruz/DGJUD-MS” e os Relatórios Parciais de análises elaborados pela coordenação e pesquisadores do projeto referentes as variáveis sobre processos judiciais com solicitações de dois medicamentos elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) e lumacaftor/ivacaftor (Orkambi®) para a doença Fibrose Cística, em desfavor da União Federal, no período de de 2 de outubro de 2009 a 23 de agosto de 2022. Foram selecionados dados referentes às características sociodemográficas dos demandantes, à atuação do NAT/NATJUS no processo decisório de antecipação de tutela e outros elementos jurídico-políticos das decisões de antecipação de tutela. Com a base de dados formada, buscou-se a análise quantitativa, com o auxílio do software Microsoft Excel, aplicando-se a estatística descritiva de distribuição de frequência simples das variáveis-chaves selecionadas e o cálculo dos indicadores.
Resultados e Discussão Do total de 77 processos analisados, 31(40,3%) possuíam parecer técnico. No subconjunto de processos para a aquisição de elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor, do total de 8 pareceres solicitados, em 91,3% os magistrados utilizaram os argumentos dos pareceres em sua decisão. No caso do medicamento lumacaftor/ivacaftor, em 100% os argumentos dos pareceres foram utilizados na decisão de antecipação de tutela. Há predominância de concordância entre o conteúdo das decisões liminares e do parecer NATJUS, com diferenças entre os medicamentos pleiteados. Houve concordância em 87,5% dos casos de solicitações do lumacaftor/ivacaftor e de 68,2% nos casos de elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor. Todos os processos que obtiveram a concessão da antecipação de tutela já possuíam registro, pelo menos, no país de origem, e em apenas 1 (1,9%) dos 52 processos, com concessão na decisão liminar, o medicamento ainda não possuía registro no Brasil. O que se repetiu no julgamento da sentença, que só em 1 (4,3%) dos 23 processos que concederam o medicamento, este só possuía registro no FDA e não na Anvisa.
Conclusões/Considerações finais O número de solicitações de pareceres NATJUS tende a crescer ao longo dos anos, pois desde seu início em 2019, mesmo com processos mais antigos e a existência anterior do Núcleo, em apenas 30% dos processos que pleiteavam o Lumacaftor/ivacaftor, houve solicitação de parecer técnico. Já nos processos que envolviam Elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor, a proporção foi maior, de 50,8% dos casos, porém números ainda maiores poderiam beneficiar a racionalização e a segurança no uso de medicamentos. Portanto, os pareceres técnicos têm sido utilizados pelos Magistrados Federais, entretanto não atingiram sua total capacidade. O NATJUS pode ser subutilizado, mas sua existência e aumento gradativo ao longo dos anos é um ganho, principalmente se comparado à falta de parecer técnico anterior à sua instituição, quando cabia ao Poder Judiciário realizar a pesquisa sobre questões fora de sua área de formação, como por exemplo, sobre a evidência científica de medicamentos.
Referências AITH, F. et al. Os Princípios da universalidade e integralidade do SUS sob a perspectiva da
política de doenças raras e da incorporação tecnológica. Revista de Direito Sanitário, v. 15,
n. 1, p. 10-39, 2014.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 388, de 13 de abril de 2021. Dispõe
sobre a reestruturação dos Comitês Estaduais de Saúde, fixados pela Resolução CNJ no
238/2016, e dá outras providências
FIOCRUZ. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Relatório parcial outubro de
2023. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2023.
VENTURA, M. O processo decisório judicial e a assessoria técnica: a argumentação
jurídica e médico-sanitária na garantia do direito à assistência terapêutica no Sistema Único de
Saúde. 2012. 186 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.
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