Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC1.5 - Tecnologias, Inovações e Judicialização da Saúde: conflitos em todo da regulamentação e acesso

51423 - DECLÍNIO DA IRRADIAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PARA O ACESSO A MEDICAMENTOS E INOVAÇÕES CIENTÍFICAS PARA SAÚDE.
MIRIAM VENTURA DA SILVA - UFRJ / IESC


Apresentação/Introdução
Nos anos 90 firmou-se a concepção do direito humano ao acesso a medicamentos garantindo-se na Declaração de Doha/Acordo TRIPS (2000), a priorização dos DH de saúde pública em detrimento aos direitos de patente. A influência no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi uma das maiores realizações dos países em desenvolvimento à época. Todavia, na Covid-19 a força da Declaração de Doha revelou fragilidades para pressionar os detentores de patentes reduzirem seus preços ou negociarem licenças voluntárias. Garantir o acesso às tecnologias na saúde, seu uso racional e a sustentabilidade dos sistemas de saúde são indispensáveis a uma atenção à saúde com qualidade e efetiva. A pesquisa de novas terapêuticas, a produção e a provisão deste recurso às populações têm sido submetidas a fluxos globais capitalistas com a sujeição do próprio Estado ao mercado, reduzindo e/ou anulando a capacidade decisória dos governos. Evidenciam-se disparidades econômicas e tecnológicas, escassez e diferenças injustas e evitáveis no acesso às novas tecnologias, exigindo uma reestruturação e alternativas factíveis de governança global e sistemas regulatórios eficazes ao enfrentamento da problemática. Presenciamos um declínio dos DH na garantia do direito à saúde?



Objetivos
Com base na literatura crítica da saúde global e dos DH o estudo visa compreender as principais características e déficits das normativas dos DH, ao longo da última década, sobre o acesso a medicamentos nos sistemas de saúde, nas três principais instâncias de DH da ONU (CESCR, Conselho de Direitos Humanos (CDH) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Metodologia
Pesquisa documental que buscou nas três principais instâncias referidas anteriormente normativas e recomendações regulatórias aos países relativos ao acesso a medicamentos. Foi examinada a produção dos últimos 10 anos, até junho de 2020, focalizando-se na definição do conteúdo e o alcance dos direitos humanos sociais da saúde (art. 12) e o de usufruir dos benefícios do progresso científico (art. 15, b) e de proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção cientifica (art. 15, c), afirmados no Pacto Internacional de DESC (PIDESC) que constituem obrigações estatais extraterritoriais.



Resultados e Discussão
Emergiram da pesquisa três categorias principais: mercado, inovação e intervenções nos sistemas de saúde. Na primeira, as normativas, sem considerar as capacidades dos estados nacionais, reforçam suas responsabilidades de restringir o marketing, controlar preços e utilizar as flexibilizações, para redução dos custos e a produção de genéricos. A inovação e a pesquisa científica em saúde, apesar de reconhecerem que a intensidade das atividades econômicas e lucrativas tem produzido efeitos danosos, se limitam a sugerir ações normativas locais que assegurem as patentes de forma que não impeçam o cumprimento das obrigações estatais de DH; legitimando, excepcionalmente, restrições em razão da função social do progresso científico e do dever do Estado de garantir o interesse público. As intervenções para a garantia do acesso reforçam medidas técnicas e burocráticas, como: a eficiência, com a redução de custos e desperdícios, maior investimento público local e parcerias público-privado; o uso da Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) na seleção de medicamentos essenciais e diretrizes clínicas e no estabelecimento de prioridades, baseada em evidências científicas; integração e articulação dos sistemas regulatórios. As normativas acentuam a adoção de medidas tecnocráticas e financeiras buscando compatibilizar a lógica liberal e social, minimizando as dimensões éticos-políticos e jurídicas das leis internacionais de direitos humanos, enquanto valor que deve orientar à ação pública e privada no âmbito internacional. É urgente a ampliação da inter-relação dos direitos à saúde e de usufruir do progresso cientifico e suas aplicações de forma a conferir maior poder decisório e apoio aos países no âmbito global com maior justiça social e equidade.



Conclusões/Considerações finais
A efetivação dos DESC é um dos grandes desafios dos DH. A não superação da “apartheid sanitário” na emergência sanitária COVID-19 mostrou-se um desfecho previsível e anunciado na década examinada. É necessária a especificação do conteúdo e do alcance do art. 15 do PIDESC sobre o direito de desfrutar dos benefícios do progresso cientifico nos documentos examinados. A ausência fragiliza a repercussão desse enunciado nas negociações, incentivando soluções unilaterais entre estados e mercado, com repercussões negativas para os países com menor poder decisório e capacidade técnica e financeira. Necessária mas insuficiente a afirmação da possibilidade de flexibilização de Doha e a reivindicação como bens públicos mundiais os tratamentos e vacinas. O adiamento da conclusão do Acordo sobre Pandemias e Reforma do RSI na 77ª Assembleia Mundial da Saúde, 05/2024, aponta a dificuldade que o tema traz e a necessidade do resgate dos DH para orientar os processos decisórios sobre o tema.

Referências
CESCR, GC n. º 24/2017 – Business Activities and obligations
WHA 72.8 - Improving the transparency of markets for medicines, vaccines, and other health products (2019)
WHA 68.18 - Global Strategy and Plan of Action on Public Health, Innovation and Intellectual Property (2015)
CESCR, GC n. 25/2020 (Ciência e Economia),
CESCR, GC n. 24/2017 (Ativ. Empresarias)
CESCR - GC n. 17 /2006 (Propriedade Intelectual)
CESCR - GC 25/2020 (Ciência e Economia)
Castro, Elza Moreira Marcelino de. O acordo TRIPS e a saúde pública: implicações e perspectivas / Elza Moreira Marcelino de Castro. –Brasília: FUNAG, 2018.
Hunt P, Khosla R. Acesso a medicamentos como um direito humano. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos. 2008; 5(8):100-121

Fonte(s) de financiamento: Edital Faperj n.º 33/2021, "Programa Jovem Cientista do Nosso Estado - 2021"processo 9E-26/201.376/2022.


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