Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC1.5 - Tecnologias, Inovações e Judicialização da Saúde: conflitos em todo da regulamentação e acesso

49685 - AQUISIÇÃO NACIONAL DO DOLUTEGRAVIR 50MG À LUZ DOS PREÇOS DE GENÉRICOS INTERNACIONAIS: UMA ANÁLISE SOBRE ACESSO UNIVERSAL E SUSTENTABILIDADE
LUCIANA DE MELO NUNES LOPES - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, CAROLINNE THAYS SCOPEL - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, GUSTAVO LUÍS MEFFE ANDREOLI - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, RONALDO CAMPOS HALLAL - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, FRANCISCO ÁLISSON PAULA DE FRANÇA - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, MARCELA VIEIRA FREIRE - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, TAYRINE HUANA DE SOUSA NASCIMENTO - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, LILIAN NOBRE DE MOURA - CGAHV/DATHI/SVSA/MS, CARLOS ALBERTO DE ALBUQUERQUE ALMEIDA JÚNIOR - CGAHV/DATHI/SVSA/MS


Apresentação/Introdução
O desenvolvimento de esquemas de alta potência de supressão viral a partir de 1996 reduziu a mortalidade relacionada à aids e possibilitou que a sobrevida das pessoas que vivem com HIV (PVHA) seja comparável à de pessoas que não vivem com o vírus. Contudo, o alto preço dos antirretrovirais (ARV) impôs-se como um desafio global: no início do século XXI, 1 a cada 1.000 PVHA no continente africano tinha acesso à terapia antirretroviral (Tarv). No Brasil, a possibilidade de produção nacional de medicamentos genéricos foi estratégica para a implantação do programa nacional de enfrentamento ao HIV/aids, que tornou-se uma importante referência mundial, sobretudo para o Sul Global. Em todo o mundo, diversas iniciativas buscaram reduzir custos e preços de ARV; estima-se que o acesso ampliado aos ARV tenha evitado mais de 20 milhões de mortes nas últimas três décadas. Mas a aids ainda acarretou uma morte no mundo por minuto em 2022 – o que evidencia a importância de avançar na garantia de acesso sustentável à Tarv para todas as populações. Atualmente, uma importante classe de ARV é a dos inibidores da integrase, tendo o dolutegravir (DTG) sido incorporado na primeira linha de Tarv em 2016 no Brasil – antes mesmo da Organização Mundial da Saúde recomendar, em 2018, que os países o adotassem em seus regimes iniciais preferenciais. Hoje, o DTG é utilizado por mais de 580 mil PVHA no Brasil.

Objetivos
Considerando o esquema preferencial contendo DTG para início da Tarv no Sistema Único de Saúde (SUS) e a meta global de tratar 95% das PVHA diagnosticadas até 2030, este estudo tem como objetivo analisar o histórico de aquisição do dolutegravir 50mg no âmbito do SUS e comparar os preços das aquisições brasileiras com os preços internacionais, contribuindo, assim, com o debate sobre a sustentabilidade do acesso universal à Tarv no Brasil.


Metodologia
Trata-se de um estudo longitudinal de análise, de 2017 a 2023, do histórico de aquisição do DTG 50mg pelo SUS e de comparação dos preços brasileiros com preços internacionais de genéricos em países do Sul Global. Foram pesquisadas, para cada ano, no Sistema de Controle dos Insumos Estratégicos (SIEST/DATHI/SVSA/MS), as seguintes variáveis relativas ao DTG: contrato de aquisição, empresa fornecedora, volume de aquisição, volume recebido por doação, preço unitário e câmbio contratado. Quando indisponível, o preço em dólares foi estimado com o câmbio registrado pelo Banco Central (BC) à data do contrato. Calculou-se, para cada ano, a porcentagem do orçamento para aquisição de ARV consumido pelo DTG. Para a comparação com os preços internacionais, foi utilizado o levantamento anual dos Relatórios de Mercado de ARV da Clinton Health Access Initiative (CHAI). Os preços em reais foram estimados a partir do câmbio mais alto no ano registrado pelo BC e de um aumento de preço em 25% para cobrir encargos de importação. Utilizou-se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de outubro de 2023 para deflacionar os preços finais.

Resultados e Discussão
A primeira aquisição de DTG 50 mg pelo SUS foi realizada junto à GlaxoSmithKline (GSK) em 2016, para distribuição em 2017, com preço unitário de US$ 1,50 (R$ 4,86) e consumiu mais de 16% do orçamento para a compra de ARV. O preço unitário contratado do DTG foi de US$ 1,17 em 2018 e de US$ 1,15 de 2019 a 2021. Até 2021, a GSK foi o único fornecedor do ARV; a partir da segunda compra, os preços contratados em dólares foram diluídos pelo volume de comprimidos doados pela empresa (aproximadamente 80 milhões, no total), o que resultou em uma redução contínua do preço – ainda que pequena. De 2018 a 2021, os preços unitários diluídos do DTG em dólares foram, em média, 18,5% menores do que os preços contratados. Contudo, os preços em reais deflacionados pelo IPCA mostram um aumento dos preços a partir da segunda aquisição devido à inflação e à variação cambial. Para a distribuição do DTG no ano de 2022, foram adquiridos genéricos produzidos pelos laboratórios farmacêuticos oficiais Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) e Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) pelo preço unitário de R$ 5,047 e R$ 4,10, respectivamente. Em 2023, quando o DTG consumiu 51% do orçamento total para a compra de ARV, Farmanguinhos foi o único fornecedor do ARV (R$ 4,40) devido a uma controvérsia patentária. Os preços deflacionados em reais indicam que a maior queda de preços ocorreu entre 2017 e 2018 e que o maior preço da série histórica foi pago em 2021. Em todo o período, os preços brasileiros foram muito superiores aos preços dos genéricos internacionais. Desde 2020, a distância entre os preços internacionais e nacionais tem aumentado – o preço pago pelo SUS para o DTG em 2023 foi 12 vezes maior que o preço médio dos genéricos internacionais (US$ 0,06).

Conclusões/Considerações finais
Nossas análises mostraram o impacto da variação cambial, da inflação e das doações de comprimidos realizadas pela GSK nos preços do DTG no período em que a empresa foi a única fornecedora. Já a comparação entre os preços brasileiros e os internacionais mostrou uma grande distância entre eles em todo o período estudado – e uma tendência de distanciamento ainda maior nos últimos anos. O estudo evidencia a importância do monitoramento dos preços de medicamentos. Além disso, conhecer os custos de produção dos ARV é estratégico para a negociação de preços justos e a garantia da sustentabilidade do acesso universal à Tarv no Brasil. A divulgação pública dos preços dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA) usados na produção nacional e internacional do DTG, bem como de outros custos de produção, poderia contribuir para a compreensão das diferenças de preços identificadas.

Referências
CHAVES, G. C.; VIEIRA, M. F.; REIS, R. Acesso a medicamentos e propriedade intelectual no Brasil: reflexões e estratégias da sociedade civil. Sur, Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 5, n. 8, p.170-198, Jun. 2008.

LOYOLA, M. A. Medicamentos e saúde pública em tempos de AIDS: metamorfoses de uma política dependente. Ciência & Saúde Coletiva, v.13 (supl.), p.763-778, abr. 2008.

NUNN, A. S. et al. AIDS treatment in Brazil: impacts and challenges. Health Affairs, v. 28, n. 4, p.1103-1113, 2009.

UNAIDS. Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids. O caminho que põe fim à aids: relatório global do Unaids 2023. Genebra: Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, 2023. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2023/07/JC3082_GAU2023-ExecSumm_v2_embargoed_PT_VF_Revisada-EA.pdf. Acesso em 12/11/23.


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