Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC1.5 - Tecnologias, Inovações e Judicialização da Saúde: conflitos em todo da regulamentação e acesso

49125 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO EM TORNO DO DESABASTECIMENTO DAS BENZIILPENICILINAS: DEBATES E AÇÕES, ALERTAS E OMISSÕES
RAFAEL RÊGO BARROS CARUSO - IESC/UFRJ, MARIA DE FÁTIMA SILIANSKY DE ANDREAZZI - IESC/UFRJ


Apresentação/Introdução
De 2000 a 2017, ocorreu uma grande redução no Brasil do número de formuladores de dose final (FDF) à base dos três sais do IFA benzilpenicilina (ou penicilina G)― procaína, benzatina e potássica― sem fabricação no país desde os 1980s. No mundo, a descontinuidade do sal benzatina e de seus medicamentos acabados foi grande naquele período, chegando a apenas 4 fabricantes do IFA (NURSE-FINDLAY et al., 2017). A partir de 2013, surgem diversos relatos de desabastecimento de medicamentos à base de IFA penicilina G, culminando com o desabastecimento nacional em 2015 daqueles três sais, crítico entre os fatores causais da epidemia recente de sífilis no Brasil. As primeiras informações oficiais foram Notas Técnicas do Ministério da Saúde em 2015 (BRASIL, 2015b), informando a descontinuidade do insumo no mercado mundial, sem maiores explicações. O desabastecimento teve dois momentos: 1o) os FDF alegam falta de IFA no mercado mundial; 2o) as empresas, alegando o aumento de custos, não fornecem por desinteresse comercial, exigindo aumento de preço (BRASIL, 2015a). Os impactos na epidemia de sífilis marcaram a agenda dos debates. As ações do Estado na esfera produtiva foram questionadas como decorrência dessa agenda e não como objeto principal.

Objetivos
O objetivo deste estudo é analisar as medidas tomadas pelo Estado brasileiro para enfrentar o desabastecimento da benzilpenicilina no mercado brasileiro por descontinuidade na produção, no período de 2013 a 2021.

Metodologia
O presente estudo se insere no campo da Economia Política, qual seja, das relações sociais de produção, consumo e distribuição de bens materiais. Partiremos do entendimento do Estado dentro da tradição marxista e trataremos a produção como modo de produção capitalista. Partiremos da teoria do imperialismo, desenvolvida, em 1916, por Lenin (2012) e dos desdobramentos desse trabalho (CHESNAIS, 1996). Não há um documento que ateste a intervenção do Estado brasileiro em torno do desabastecimento. Ela foi reconstruída a partir da técnica de análise de conteúdo de fontes secundárias como a documentação proporcionada por arenas de debates que ocorreram em torno dele: a Audiência Pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, em 29/9/2015; o relatório de auditoria do TCU (Processo 030.300/2016-9-RA), decorrente daquela audiência, e o Inquérito Civil MPF/PR/RJ n° 1.30.001.003101/2015-22. Os documentos foram analisados de acordo com a técnica da análise de conteúdo, incluindo comparação e contraste entre informações provenientes de fontes diferentes. Três elementos conceituais permearam a análise: inovação, imperialismo e capital financeiro.

Resultados e Discussão
Frente aos dois momentos do desabastecimento, as ações do Estado podem ser analisadas e divididas em seis eixos de discussão sobre as políticas produtivas: (I) medidas regulatórias sanitárias; (II) aumento excepcional de preços; (III) poder de compra do Estado; (IV) priorizar uso para indicações específicas; (V) medidas coercitivas; e (VI) produção de IFA e pelos LFOs. O Estado se omitiu em relação às duas últimas. A isenção temporária de registro para IFA reflete o dilema dos reguladores (EMA, 2012): o risco sanitário por falta de acesso ao medicamento ou por acesso a um sem qualidade assegurada. O reajuste pleiteado pelos FDF foi de até 574,37% do sal benzatina, 1.236% acima do preço da compra centralizada, via OPAS, de um FDF da Índia ― país não usado como referência pela CMED―, foram plenamente concedidos por ela, mediante compromisso de produzir por 3 anos. O objetivo seria garantir a promoção da assistência farmacêutica à população de produtos estratégicos (BRASIL, 2017), para a qual não foram abordados: a produção de IFA, LFOs, aumento da capacidade produtiva ou PDPs. Os LFOs estariam focados em inovação para os quais as PDP seriam alavancas de negócios (VIEIRA; SANTOS, 2020). Também não registramos nenhuma medida coercitiva diante de grave ameça ao interesse coletivo como a recusa a vender ou o descumprimento de prazos da RDC 18/2024.
Não houve descontinuidade dos mesmos sais para uso veterinário durante o período, condizente com a especialização regressiva (RODRIGUES et al., 2018). Confirmando que preço não reflete custos num mercado oligopolizado e que o aumento do primeiro não garante produção, em 2020 um FDF peticionou a descontinuação definitiva por motivo comercial da benzilpenicilina potássica.


Conclusões/Considerações finais
O estudo constata que o Poder Executivo essencialmente se omitiu quanto à descontinuidade produtiva das penicilinas G. Constata, outrossim, a não ocorrência de desabastecimento dos mesmos IFAs e respectivos medicamentos acabados para uso veterinário. A documentação aponta que o Estado foi enfático ao dizer que, para garantir a assistência farmacêutica, se centraria nos mecanismos de estímulo às empresas. Abriu um precedente que se tornaria a regra no enfrentamento dos desabastecimentos na pandemia. Os achados apontam para três elementos essenciais ao entendimento do desabastecimento: a questão da inovação na área farmacêutica, o papel do Estado e o imperialismo. A descontinuidade produtiva vem se agravando há mais de 20 anos, uma consequência e característica do setor monopolizado. O monopólio é resultado da concorrência, intrínseca ao estágio atual do capitalismo, o imperialismo: a descontinuidade não é contraditória com a dinâmica do capital, é seu desdobramento.

Referências
BRASIL. Câmara dos Deputados. Audiência Pública Ordinária. CSSF, Sessão 41212. Brasília: Câmara dos Deputados, 29Set2015. BRASIL. MPF. PFDC. IC MPF/PR/RJnº1.30.001.003101/2015-22. Rio de Janeiro: MPF, 14Nov2019. BRASIL. TCU, TC030.300/2016-9-RA. Brasília: TCU, 13Set2017. CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. EMA. European Medicines Agency. EMA/590745/2012. 22Nov2012. LENIN, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo: ensaio popular. São Paulo: Expressão Popular, 2012. NURSE-FINDLAY, S. et al. Shortages of benzathine penicillin for prevention of mother-to-child transmission of syphilis…. PLoS Medicine, v.14, n.12, 2017. RODRIGUES, PH et al. A evolução recente da indústria farmacêutica brasileira nos limites da subordinação econômica. Physis, v.28, n.1, e280104, mar.2018. VIEIRA, FS; SANTOS, MAB. O setor farmacêutico no Brasil sob as lentes da conta-satélite de saúde. Brasília: Ipea, 2020.


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