Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC1.4 - Política e Acesso à Saúde

54017 - O ARCABOUÇO POLÍTICO-JURÍDICO ESTATAL COMO INDUTOR DA PARTICIPAÇÃO DA LÓGICA PRIVADA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS E NA GESTÃO DAS INSTITUIÇÕES DO SETOR SAÚDE
GEANDRO FERREIRA PINHEIRO - UFRJ


Apresentação/Introdução
No projeto de investigação ora em tela, vinculado a processo de doutoramento, buscamos testar nossa hipótese de que as metamorfoses na legislação federal que deram contorno material à ossatura do Estado brasileiro nos últimos 30 anos, a partir da Constituição de 88, têm restringido de forma significativa o campo de atuação e de tomada de decisão dos agentes públicos das esferas administrativas nacional e subnacionais, limitando sua relativa autonomia de forma contínua e permanente.
Assim, as transformações em movimento do aparelho estatal formalizam balizas, enquadramentos, condicionantes e determinações que, de maneira incremental em termos de direcionalidade, circunscrição e abrangência, têm condicionado, motivado ou induzido os agentes públicos a adoarem estratégias e/ou instrumentos gerenciais e institucionais, que modelam sob a lógica do mercado a formulação e instituição de políticas sociais e a gestão estatal.
Decorrem desses deslocamentos um contínuo rebaixamento dos direitos sociais e a renúncia relativa ou absoluta de funções que poderiam ou deveriam estar sob responsabilidade e gestão estatal.
Nos dispomos a analisar como esses movimentos têm historicamente impactado o setor da saúde, considerando sua amplitude e alcance ao longo do tempo.


Objetivos
Analisar como, e em que extensão e amplitude, as metamorfoses na legislação federal, que formaram e reconformaram o arcabouço jurídico-institucional e a ossatura do Estado brasileiro a partir da promulgação da Constituição de 1988 e nos trinta anos subsequentes, incidiram nas relações público-privadas no âmbito da formulação e implementação das políticas sociais, especialmente em sua expressão na gestão pública, com destaque para o setor da saúde.

Metodologia
Inventariamos e analisamos os principais arranjos legais, modelos organizacionais e de gestão, e dispositivos jurídicos e burocráticos estabelecidos na relação entre o público e o privado no Estado brasileiro nos últimos 30 anos, desde a Constituição de 1988, com foco na saúde.
Em etapa posterior, a ser concluída, examinaremos os movimentos e conflitos entre classes sociais na disputa por diferentes projetos societários para a saúde, considerando sua interação política com os formulação legislativa e institucional.
Por fim, destacaremos os principais efeitos dessa intensa metamorfose institucional no direito à saúde e na materialização dos princípios do sistema de saúde brasileiro.
Para suporte teórico, realizamos estudo comparado de categorias analíticas no contexto do modo de produção capitalista, tanto dentro quanto fora do campo marxista. Enfatizamos o exame do Estado, suas determinações, seu papel nas relações capitalistas, sua relação com as classes sociais e inter-relações com as políticas públicas e os direitos sociais. Também recorremos à literatura comparada acerca da relação entre o público e o privado no Estado brasileiro, destacando sua interferência no setor da saúde.

Resultados e Discussão
Na primeira etapa da pesquisa, inventariamos as principais mudanças legais e institucionais no arcabouço político-jurídico estatal brasileiro nas últimas três décadas, categorizando-as e analisando-as em quatro grupos:
a) Modificações relacionadas à estrutura do fundo público, especialmente do Orçamento da Seguridade Social (OSS) ou ao seu gerenciamento.
Estas condicionam um subfinanciamento crônico, e em tempos mais recentes, a um desfinanciamento da saúde e das políticas sociais.
Destacamos a Desvinculação de Recursos da União (DRU) e suas formas pretéritas (FSE e o FEF), legislações sobre a dívida pública e a Emenda Constitucional que instituiu o chamado o "teto de gastos", resultando em subfinanciamento crônico e desfinanciamento da saúde e das políticas sociais.
b) Contrarreformas administrativas e do Estado, desde as mais abrangentes (bresseriana) até as de contorno mais específico. Ressaltamos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um dos elementos mais fortemente condicionantes da lógica privada no Brasil.
c) A constituição de “novos modelos” para a gestão de políticas e serviços públicos. Aqui incluímos as Organizações Sociais (O.S.), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), Fundações estatais de direito privado, e rearranjos de Empresas públicas para gerenciamento do setor social.
d) Dispositivos regulatórios referentes à participação do setor privado nas políticas públicas. Citamos a criação das agências reguladoras, como a Agência Nacional de Saúde Supletiva (ANS), voltada para o mercado de planos e seguros de saúde, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), regulando modos de funcionamento de operadores da saúde; e as políticas de fomento ao desenvolvimento de produtos em saúde, através de parcerias público-privadas.

Conclusões/Considerações finais
Nossos resultados indicam que desde a Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem fortalecido suas funções de
garantidor das condições de reprodução do capitalismo e da repartição desigual do fundo público.
Essa tendência é particularmente evidente nas políticas sociais, como a saúde.

A forma pública de organização e provisão de direitos tem se mesclado ou se convertido a cada inflexão estatal em formas cada vez mais próximas da esfera mercantil.
Mesmo iniciativas voltadas para a classe que vive do trabalho destinam-se apenas a aspectos recortados das necessidades sociais, e não para a construção de bases sociais, econômicas e polítcas que resultassem em mudanças estruturais do Estado.

Na etapa final da pesquisa, a ser concluída, examinaremos os movimentos e conflitos entre classes sociais na disputa por diferentes projetos societários para a saúde, considerando sua interação política com os processos de formulação legislativa e institucional.

Referências
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BRAVO, M. I. S..Política de saúde no Brasil. In MOTA, A.E. ET AL (osgs) Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional, v. 3, p. 1-24, 2006.

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GRANEMANN, S. O desmonte das políticas de seguridade social e os impactos sobre a classe trabalhadora: as estratégias e a resistência. LONDRINA: SERV. SOC. REV., V. 19, N.1, P. 171-184, JUL/DEZ. 2016.

GURGEL JR., G.D.et AL (Orgs.). Novos modelos de gestão no SUS e as relações interinstitucionais de controle em foco. Recife: Editora da UFPE, 2021.

MANDEL, E. O Capitalismo Tardio. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

POULANTZAS, N. (Org.). O Estado em crise. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 3-41.

SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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