53663 - A RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA DA DÍVIDA E OS IMPACTOS NO (DES)FINANCIAMENTO DO SUS: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DO DEBATE NA SAÚDE COLETIVA THAISA SIMPLICIO CARNEIRO MATIAS - UNIFESP/USP, ÁQUILAS NOGUEIRA MENDES - USP/PUCSP, MARIA DALVA HORÁCIO COSTA - UFRN, LEONARDO CARNUT - UNIFESP
Apresentação/Introdução Este trabalho, fruto de tese de doutorado, aborda a problemática dos aspectos nos quais o sistema da dívida e sua auditoria têm sido considerados nos debates e produções no campo da saúde coletiva, particularmente em relação ao subfinanciamento/desfinanciamento da Política de Saúde no Brasil, no contexto da implementação e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), concebido como um sistema público responsável por efetivar o direito à saúde garantido pela Constituição Federal de 1988. Compreende-se que o processo de construção do SUS tem ocorrido em um contexto de predominância do capital portador de juros, especialmente em sua forma fictícia, em um país marcado pelo capitalismo dependente, profundamente desigual e com políticas econômicas historicamente restritivas, voltadas para o cumprimento de metas inflacionárias e superávit primário. Isso tem resultando na contenção e redução do financiamento das políticas de proteção social, impactando significativamente o sistema de seguridade social brasileiro, uma das maiores conquistas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, ainda vigente, porém constantemente ameaçada e atacada no processo de contrarreformas desde a década de 1990, inclusive nos governos de coalizão de centro-esquerda, em detrimento de uma perspectiva de rede solidária de proteção social.
Objetivos O objetivo geral desta pesquisa foi analisar como a saúde coletiva tem abordado a relação entre sistema da dívida e financiamento do SUS no Brasil contemporâneo. Os objetivos específicos incluíram a análise da relação entre a mundialização financeira, o capital fictício e o sistema da dívida no contexto brasileiro; a relação da natureza do Estado com base nos fundamentos da crítica da economia; e a análise do sistema da dívida no âmbito do debate da Reforma Sanitária.
Metodologia Esta pesquisa é qualitativa, baseada no materialismo histórico e dialético alinhado à tradição marxista. A análise documental foi empregada, examinando publicações da Revista Saúde em Debate desde seu primeiro volume em 1976 até dezembro de 2019, sendo este acervo o principal meio de publicação do MRSB.
Resultados e Discussão Verificamos que o impacto da mundialização financeira do capital nas economias dependentes tem como característica marcante a centralidade da dívida pública, que está sob o domínio do mercado de capitais. Nesse sentido, a política de “ajustamento” das economias dependentes endividadas se destina a reafirmar a dominação externa sobre esses países, argumentando-se que essa reorganização política e econômica é necessária e impulsionará o crescimento dessas nações. É nesse ponto da discussão sobre a relação entre o capital fictício expresso na dívida pública e sua relação com o Estado que entendemos a disputa pelos recursos públicos na contemporaneidade como uma necessidade (do ponto de vista do capital) para alimentar o sistema da dívida, uma vez que os títulos públicos da dívida representam formas de capital fictício e esses títulos não têm valor intrínseco (Lupatini, 2012).
Além disso, são os títulos da dívida que conferem ao credor direitos sobre as receitas do Estado, especialmente os impostos. Essa compreensão nos permite inferir que o rápido aumento da dívida pública e os altos gastos com o pagamento de juros pelo Estado no capitalismo contemporâneo, especialmente no caso do Brasil, são mecanismos essenciais para mitigar a tendência de queda da taxa de lucro e, portanto, da reprodução ampliada do capital em tempos de crise de acumulação. Os desdobramentos desse processo são prejudiciais à classe trabalhadora e à proteção social. No debate sobre as políticas sociais financiadas e geridas pelo Estado, observamos que elas estão sendo configuradas de forma cada vez mais restrita e específica, em detrimento de uma perspectiva universal, mesmo que, por vezes, sejam garantidas nos marcos legais e constitucionais.
Conclusões/Considerações finais Conclui-se que o subfinanciamento e desfinanciamento da política de saúde no Brasil têm sido pouco problematizados a partir da crítica da economia política, especialmente no que diz respeito à sua relação com o sistema da dívida numa perspectiva de análise totalizante no horizonte estratégico da saúde como um bem, em contraposição à saúde como custo ou mercadoria. Verifica-se que a maioria das análises da política e do financiamento está alinhada a formulações flexíveis da Reforma Sanitária, reduzindo o desfinanciamento à crise fiscal, com poucas obras aprofundando a relação entre o sistema da dívida pública e o financiamento da política de saúde no Brasil. Isso indica a necessidade de reposicionar a Reforma Sanitária Brasileira no campo da luta mais ampla da classe trabalhadora, desafiando análises que revisitam formulações flexíveis e propondo recomposição do debate e da luta, partindo da premissa de que a efetivação da saúde como direito requer a superação da sociedade de classes.
Referências LUPATINI, Márcio. Crise do Capital e dívida pública. In: Salvador, Evilasio et al (orgs.). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez; 2012.
SANTANA, Laudicéia Araújo. Transformismo e o sistema da dívida pública brasileira nas definições programáticas do Partido dos Trabalhadores e no governo Lula (2003-2010). Tese
(Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Campina Grande, 2018.
SOARES, Raquel Cavalcante. A contrarreforma na política de saúde e o SUS hoje: impactos e demandas ao Serviço Social. Tese (Doutorado em Serviço Social), Programa de Pós-graduação
em Serviço Social/UFPE, Recife, 2010.
TRINDADE, José Raimundo. Crítica da economia política da dívida pública e do sistema de crédito capitalista: uma abordagem marxista. Curitiba: Editora CRV, 2017.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011.
Fonte(s) de financiamento: CAPES.
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