Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC1.2 - Reforma e Sistemas de Saúde: desafios para a universalização do direito à saúde

52864 - DIREITO UNIVERSAL À SAÚDE NO BRASIL: DA EXPANSÃO RESTRINGIDA AO DESMONTE
LENAURA DE VASCONCELOS COSTA LOBATO - UFF


Apresentação/Introdução
O trabalho analisa o processo de desmonte da estrutura do Sistema Único de Saúde no pós-2016. O desmonte é tratado a partir de duas abordagens complementares. Uma, a do processo de retração vivido pelos sistemas e estruturas de bem-estar, analisando sua particularidade na experiência brasileira de país em desenvolvimento que procura construir um modelo avançado de welfare state (WS). A outra perspectiva é a do policy dismantling, que analisa aquele processo de retração no nível intermediário das políticas públicas. Na perspectiva da construção do WS ampliado no Brasil (pós-88), há que se considerar o momento particular que ele emerge e a ausência de fatores que orientaram a experiência similar nos países centrais. A hipótese central é a de que, no caso brasileiro, o processo de retração é concomitante ao de expansão de direitos sociais e de saúde, o que faz com que as dimensões remercantilização, contenção de custos e recalibragem (Pierson, 2001) informem não somente a retração, mas a própria constituição dos modelos de proteção social. Isso fez com que o processo de expansão dos direitos sociais e de saúde tenha sido de uma expansão restringida. O quadro se altera a partir de 2016, com políticas e proposições que podem sim ser caracterizadas como corte, diminuição ou mesmo retirada de políticas existentes (Jordan et al, 2013), que juntas constituem processo claro de desmonte.

Objetivos
Analisar o processo e condições da expansão restringida do direito universal à saúde e diferenciá-lo do período considerado como propriamente de desmonte, após 2016, que é caracterizado a partir da análise do papel do Ministério da Saúde e de duas políticas estratégicas, a Política Nacional de Saúde Mental e a Estratégia de Saúde da Família, selecionadas por seu caráter de políticas de ‘alta institucionalidade’ (Machado e Batista, 2012).

Metodologia
Foi realizada revisão bibliográfica dos processos de austeridade e retração dos welfare states, dos processos de desmonte de políticas e da vasta literatura brasileira de análise do desenvolvimento das políticas de garantia do direito à saúde, assim como análise de documentos oficiais, legislações, normas e dados secundários que caracterizam as políticas de saúde no Brasil. Para a análise e diferenciação da trajetória expansão restringida – desmonte foram priorizadas as dimensões de financiamento e relações público-privadas. As políticas selecionadas para analisar o desmonte - Política Nacional de Saúde Mental e Estratégia de Saúde da Família o foram por se tratar de políticas de ‘alta institucionalidade’ que percorrem e apoiam o processo de implementação do direito universal à saúde e do SUS e que apresentam alterações significativas em sua concepção e orientação no pós - 2016. A pandemia de Covid-19 atravessa a análise do desmonte através do papel do Ministério da Saúde e da captura da burocracia pela militarização.

Resultados e Discussão
No caso brasileiro, e da saúde especificamente, há que separar a etapa de constitucionalização de direitos sociais universais (Fleury, 2009) - sua inserção na Constituição de 1988 e nas Leis fundamentais que regem o direito à saúde (Lei Orgânica da Saúde) – do processo de consolidação do aparato que lhe dá sustentação. Para além da estrutura legal originária do direito universal à saúde, todo o processo posterior foi na verdade de expansão, ou expansão restringida da política de saúde, já que se verifica expansão em relação ao modelo anterior, mas restrição em relação ao previsto na Constituição de 1988. Assim, o processo de retração deve ser tratado em concomitância ao de expansão do próprio WS. Pode-se falar de desmonte dos princípios e diretrizes que deram corpo ao aparato legal originário de sustentação do direito universal à saúde, mas não de desmonte do que na verdade estava sendo construído.
Essa expansão restringida vinha garantindo, mesmo que de forma fragilizada, o direito universal à saúde a partir do SUS. O quadro se altera a partir de 2016, com políticas e proposições que podem sim ser caracterizadas como corte, diminuição ou mesmo retirada de políticas existentes (Jordan et al, 2013), que juntas constituem processo claro de desmonte, onde se reordena e se radicaliza a orientação antipolíticas redistributivas características da austeridade. Essa distinção é fundamental porque: reconhece os limites da emergência e constituição do WS no Brasil; reconhece que, a despeito dessas limitações, um conjunto de fatores permite a expansão do WS, dando materialidade ao conflito distributivo expresso no direito universal à saúde; permite a análise dos distintos fatores políticos e institucionais que favorecem a expansão ou, ao revés, a retração.


Conclusões/Considerações finais
O direito à saúde e a implantação do SUS como previstos na Constituição de 1988 foram fragilizados por não terem sido centrais nos sucessivos projetos governamentais, que se pautaram, em maior ou menor grau, na austeridade fiscal. Contudo, é possível distinguir um período de expansão restringida em que, em paralelo à contenção de custos e à remercantilização, políticas amplas e progressistas foram se institucionalizando em uma estrutura profissionalizada e democrática, configurando um cenário de disputa social e política sobre o direito à saúde. Daí nossa hipótese de que, diferentemente dos países centrais, onde os processos de remercantilização, contenção de custos e recalibragem (Pierson, 2001) são posteriores à consolidação dos WS, aqui o processo é um só, o que demonstra a singularidade do caso brasileiro e talvez possa ajudar a elucidar processo atuais e recorrentes de disputa entre austeridade e a garantia de direitos sociais e diferenciá-los dos processos de desmonte.

Referências
Fleury, S. Reforma sanitária brasileira: dilemas entre o instituinte e o instituído. Ciência e saúde coletiva 14 (3), Jun, 2009. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300010

Jordan, A.; Bauer, M; Green-Pedersen, C. Policy dismantling. Journal of European Public Policy, 20:5, 2013, 795-805.

Machado, CV; Baptista, TW; Lima, LD. Políticas de Estado, projetos de governo e saúde. In: Cristiani Vieira Machado et al (orgs), Políticas de saúde no Brasil: continuidades e mudanças. Rio de Janeiro: editora Fiocruz, 2012, pp 18-27.

Pierson, P. Coping with permanent austerity. In: Paul Pierson (editor): The New Politics of the Welfare State. New York: Oxford University Press, 2001, pp. 410-456.

Fonte(s) de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Bolsa de Produtividade em Pesquisa


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